EQUIPA DA ADF
Depois de duas décadas de quedas significativas no número de golpes militares, os observadores estão preocupados com o facto de que estes possam estar de novo a aumentar em África.
Este ano, no Sudão, Mali e na Guiné, chefes de Estado foram depostos do poder não nas urnas, mas com recurso a um cano de espingarda. Esta é uma reversão de reduções a longo prazo em termos de golpes de Estado no continente. O continente registou 22 golpes bem-sucedidos na década de 1980 e 16 na década de 1990, antes das exigências internas para boa governação e a pressão internacional causarem uma redução na realização de golpes. Houve apenas oito golpes bem-sucedidos entre 2000 e 2009 e oito entre 2010 e 2019.
Especialistas acreditam que o recente aumento no número de golpes em África possa ter sido motivado por uma variedade de factores, incluindo dificuldades económicas, abuso de poder pelos líderes e desejo dos militares de proteger os seus próprios interesses.
“Os golpes não são especificamente um problema africano [conforme visto em Myanmar este ano], mas são cada vez mais um problema africano,” Jonathan Powell, um professor da Universidade da Florida Central, disse à ADF. O Monitor de Insurreições de Powell faz o rastreio dos golpes pelo mundo.
A pesquisa de Powell demonstra que os países africanos representam a maioria dos golpes registados no mundo em qualquer ano.
Powell disse que o Mali, que registou golpes em 2012, 2020 e este ano, pode ter caído numa “armadilha de golpes,” em que as partes concorrentes do exército organizam uma cadeia de golpes, um contra o outro.
No Sudão, o General Abdel Fattah al-Burhan, então presidente do Conselho de Soberania daquele país, prendeu o Primeiro-Ministro, Abdalla Hamdok e outros líderes civis, em finais de Outubro, a poucas semanas de estes assumirem o controlo do conselho. O conselho foi formado depois de o exército, respondendo a protestos populares, ter deposto o regime de Omar al-Bashir, que durou décadas.
Al-Burhan restituiu Hamdok ao seu cargo no dia 19 de Novembro, mas os protestantes continuaram insatisfeitos.
No Twitter, a Associação de Profissionais Sudaneses denunciou o acordo como estando “longe de alcançar as aspirações do nosso povo.”
Os mesmos protestantes que lutaram contra al-Bashir estão a concentrar as suas energias contra al-Burhan.
“Rejeitamos o Estado totalitário e o governo militar,” um membro do grupo da resistência sudanesa, disse ao Vice News, em meados de Novembro. “E apenas exigimos que passe para um governo civil.”
De muitas formas, os recentes golpes de África reflectem uma luta entre a explosão da população jovem do continente e os seus antigos governantes.
Assim como no Sudão, os jovens estão a exigir a responsabilização, a transparência e o fim do envolvimento militar no governo. A classe de governantes, por comparação, deseja continuar com o seu status quo, que, muitas vezes, inclui beneficiar-se financeiramente das suas ligações com o exército e com o governo.
As dificuldades económicas que a pandemia da COVID-19 colocou sobre muitos países podem levar a mais golpes no continente, de acordo com o professor assistente queniano, Mwita Chacha, que ensina na Universidade de Birmingham.
“Assumindo que a recuperação continue lenta e depois para aqueles Estados que são vulneráveis a golpes, aqueles que no passado experimentaram golpes, aqueles que estão a registar um aumento de descontentamento público com a liderança no poder e aqueles onde os que estão no poder têm dificuldades de lidar com os interesses das forças armadas, provavelmente venham a enfrentar a intervenção do exército agora e no futuro,” disse Chacha à ADF.
Chacha acrescentou que respostas fracas por parte de organizações multinacionais, como as Nações Unidas e a Comunidade Económica de Estados da África Ocidental, perante as tentativas dos líderes de continuarem no poder, através da manipulação das constituições dos seus países — conforme aconteceu na Guiné — podem de igual maneira levar a mais golpes.
Para prevenir ou reverter os golpes é necessário que os países cooperem mais de forma mais próxima em matérias de sanções internacionais contra os perpetradores de golpes, para obrigá-los a renunciarem ao poder, disse.
“Uma melhoria da coordenação torna-se, por conseguinte, um potencial meio para desencorajar a tomada ilegal de poder,” explicou Chacha.
Este tipo de esforços enfrenta dificuldades, contudo, se um actor principal não participar.
“Penso que um ponto que também pode ser levantado é o facto de actores como a China, que não colocam condições políticas para as ajudas económicas, podem estar a contribuir para a perda de qualquer efeito desencorajador que a comunidade internacional tem sido capaz de criar,” disse Powell.
Enfim, para reduzir os golpes em África é necessário que o exército aceite o papel não político, subordinando-se aos líderes civis, aconselhou Chacha. Também é necessário que aqueles líderes civis prestem serviços básicos, encorajem o crescimento económico e honrem o Estado de Direito quando se trata de coisas como fim de mandatos.
“Nestas condições,” disse Chacha, “as motivações para golpes, inspiradas pelo público ou pelos próprios objectivos do exército, tornam-se menos capazes de alcançar algum sucesso.”
1 comentário
Os golpes de Estado têm, na sua origem, múltiplos fatores, de entre os quais o fator político, motivado pela ganância e colagem ao poder pelos políticos que, uma vez chegados ao poder, de lá não querem sair e arranjam subterfúgios de toda a natureza para nele se perpetuarem. Neste caso os militares têm sempre o apoio do povo quando decidem derrubar o ditador pela força das armas. O povo vêm os militares como patriotas e a solução dos seus problemas. O mundo não deve opôr-se a esses golpes. Golpear um ditador e destroná-lo não é um mal para a nação. Agora, há golpes cuja origem reside nos militares sedentos dos seus próprios interesses e em desalinhamento com os interesses do povo. Neste caso o mundo deve opôr-se energicamente contra os militares golpistas e não tolerar qualquer tentativa nesse sentido.
Qualquer golpe de estado deve ser motivo de preocupação uma vez que os militares, em qualquer circunstância, com razão ou sem ela, nunca são a solução. Os regimes militares no mundo são sempre más referências que submeteram os povos à opressão, à perseguição, à ausência de liberdade política, de expressão, de imprensa e outras, com rastos de abusos de poder, de prisões arbitrárias, torturas e mortes. Por isso os militares no poder são um perigo para a nação e tudo deve ser feito para restituir o poder aos civis que devem exercê-lo em nome do povo e num quadro legal e constitucional em que o povo, livremente, escolhe os seus representantes e os seus governantes.