EQUIPA DA ADF
Um tribunal malawiano condenou nove membros de uma quadrilha de traficantes de produtos provenientes da fauna bravia, Lin-Zhang, a um total de mais de 56 anos de prisão por traficar espécies em vias de extinção, em África.
A quadrilha, cujo nome foi atribuído por causa dos seus líderes, marido e mulher, era um dos sindicatos mais notabilizados de tráfico de produtos da fauna bravia do mundo e esteve a operar a partir do Malawi durante 10 anos, grupos de conservação disseram à Voz da América.
Os membros da quadrilha foram condenados por traficar chifres de rinoceronte, marfim, dentes de hipopótamo e escamas de pangolim.
Tais quadrilhas e sindicatos, também chamados de grupos de McMafia, já demonstraram ser imensamente difíceis de autuar. Mas assim como alguns casos de grande visibilidade, como o grupo Lin-Zhang demonstraram, um governo honesto e persistente pode fazer a justiça.
A BBC diz que tais cabecilhas organizam caças furtivas de rinocerontes nas comunidades rurais “onde os residentes locais são desesperadamente pobres e sabem como perseguir e caçar animais selvagens.”
A procuradora sul-africana, Ansie Venter, disse à BBC como os caçadores conseguem ter os chifres de rinoceronte:
“Estas feras enormes são imobilizadas com recurso a armas de caça de alta potência antes de lhes serrarem os chifres enquanto ainda se encontram vivos e conscientes. Depois são deixadas a sangrar lentamente até à morte. Os caçadores furtivos não querem matá-los imediatamente porque um rinoceronte morto atrai abutres, e isso, por sua vez, alerta os fiscais.”
A Fundação Internacional do Rinoceronte comunicou, em 2018, que durante cinco anos, rinocerontes africanos têm sido caçados em número de três por dia. Esforços recentes de conservação marcaram a diferença ao trazerem algumas destas espécies de volta, visto que estavam à beira da extinção, mas mesmo assim o número destas espécies é apenas uma simples fracção daquilo que era apenas 50 anos atrás.
Os conservacionistas dizem que, entre 2007 e 2014, a caça de rinoceronte aumentou 9.000%. O chifre de rinoceronte agora tem um valor superior ao da cocaína, heroína ou ouro. Dependendo de onde ele é vendido, o chifre pode custar entre 25.000 e 60.000 dólares por quilograma.
Tudo isso é por algo que não possui qualquer valor medicinal. O chifre de rinoceronte é utilizado na medicina tradicional chinesa, mas é principalmente composto de queratina — uma substância normal, que pode ser encontrada no cabelo, nas unhas e nos cascos de animais. O seu valor curativo baseia-se em superstições.
O julgamento do sindicato de Lin-Zhang constitui um momento raro, onde todas as partes necessárias do sistema de justiça se reuniram. Max Graham, do grupo ambiental Space for Giants, descreveu o processo para o The Independent, do Reino Unido, da seguinte forma:
“Passe alguns instantes a reflectir sobre todo os passos necessários para se chegar a este ponto: os ficais precisaram de formação, equipamento e pagamento para fazerem patrulha no mato e encontrar pistas das operações da quadrilha. Investigadores especializados precisaram de meses para ganharem a confiança dos informantes. A polícia precisou de realizar uma operação de prisão delicada, para depois reunir provas enquanto se protege contra a corrupção. Os procuradores precisaram de casos irrefutáveis, e o juiz precisou de manter o julgamento a decorrer e fazer um julgamento incontestável.”
CRIME ‘FRANQUIADO’
O livro do jornalista Misha Glenny, de 2008, McMafia, fala sobre como esses cabecilhas da caça ao rinoceronte criam redes mundiais. Ele entrevistou Mark Galeotti, um especialista em crime transnacional, na Rússia, que explicou que sindicatos de crime “franquiado” têm as suas raízes na República da Chechénia.
“A mafia da Chechénia tornou-se uma marca, uma franquia — McMafia se quiser,” disse Galeotti. “Eles vendiam a alcunha ‘Checheno’ a organizações de protecção de vendas doutras cidades, desde que pagassem, claro, e desde que cumprissem sempre com a sua palavra.”
Este modelo de franquia do crime organizado espalhou-se desde essa altura pelo mundo até à Ásia, América do Sul e África. Estes sindicatos de caça furtiva não estão limitados a chifres de rinocerontes; eles já traficaram outros animais selvagens em vias de extinção, drogas, seres humanos, armas, álcool e tabaco.
“Sindicatos de pequena escala e a nível regional realizam operações de caça furtiva e de tráfico no terreno e pagam caçadores e transportadores um valor modesto para adquirirem as partes dos animais,” o grupo de pesquisa, Poaching Facts, denunciou. “Esses grupos podem ser pequenos, mas possuem recursos suficientes e ligações para explorar de forma desproporcional o ambiente regional e os residentes locais. Estes sindicatos também são responsáveis por criar ou apoiar redes de tráfico e podem também distribuir armas assim como subornar funcionários e agentes da polícia.”
Heather Merritt, do Departamento do Estado dos EUA, enfatizou que os sindicatos do crime, muitas vezes, “envolvem-se em múltiplas áreas do crime, e essas redes podem traficar produtos da fauna bravia, drogas, seres humanos.” Numa conferência de imprensa, em Julho de 2020, falando sobre um sindicato do crime que opera em Moçambique, ela disse que “o tráfico de drogas pode estar de forma indirecta a financiar algumas das redes e actividades de terrorismo, quando os traficantes pagam para obterem passagem segura via locais subgovernados e através de rotas que foram exploradas também por entidades terroristas.”
Um desenvolvimento relativamente novo é o sindicato de sequestros. Em finais de Julho de 2020, a polícia prendeu quarto pessoas por invadirem uma casa nos arredores de Joanesburgo, África do Sul, alegadamente utilizada por um sindicato de sequestros. Os agentes fizeram uma incursão na residência dias antes e prenderam cinco pessoas depois de receberem a informação de que a casa estava a ser utilizada como uma base pelo sindicato de sequestradores. A TimesLIVE, da África do Sul, informou que se acredita que as quarto pessoas detidas eram membros do sindicato, aumentando o número total para nove.
SHETANI E A ‘RAINHA DO MARFIM’
As autoridades prenderam um caçador furtivo de elefantes, de alto nível, e líder de quadrilha do sindicato de caça furtiva, Boniface Matthew Mariango, em Outubro de 2015, depois de investigações que iniciaram em Junho de 2014. Ele era um dos caçadores furtivos que aparece no documentário The Ivory Game.
Conhecido pelas autoridades policiais como “Shetani,” uma palavra em Swahíli, que significa “diabo,” Mariango foi o chefe de pelo menos 15 sindicatos de caça furtiva e é responsabilizado pela morte de milhares de elefantes na Tanzânia, no Burundi, Quénia, Moçambique e Zâmbia. A BBC reportou que as autoridades dizem que ele também forneceu camiões e armas aos sindicatos de caça furtiva.
Quando foi preso, estava a tentar contrabandear 118 pontas avaliadas em mais de 863.000 dólares, informou o World Wide Fund for Nature. Em Março de 2017, um tribunal tanzaniano condenou Mariango a 12 anos de prisão. Um tribunal supremo rejeitou o seu recurso um ano depois.
Mariango foi acusado de fornecer marfim para uma famosa mulher de negócios chinesa, Yang Fenglan, conhecida como a “Rainha do Marfim,” que foi julgada na Tanzânia por traficar mais de 700 pontas de elefante avaliadas em 2,5 milhões de dólares. Em Fevereiro de 2019, um tribunal condenou-a a 15 anos de prisão. O tribunal também ordenou que os seus bens pessoais fossem confiscados.
Yang estava qualificada para sozinha ser uma “cabecilha” do crime organizado de África-para-China. Ela também era um caso raro no sentido de que a maior parte das prisões e condenações por tráfico de marfim envolvem contrabandistas de baixo escalão e actores de menor impacto.
A Unidade de Investigação de Crimes Graves Nacionais e Transnacionais da Tanzânia procurou seguir os seus rastos por mais de um ano. Ela foi presa depois de uma perseguição de carro em alta velocidade, em Outubro de 2015, e acusada de contrabando de marfim, entre 2000 e 2014.
Yang, que nasceu em Pequim, fez os seus estudos universitários especializando-se em língua Swahíli, na China, — ficou fluente — e foi para a Tanzânia pela primeira vez na década de 1970. Ela trabalhou como tradutora para o Tazara e para o projecto de linha férrea Tanzânia-Zâmbia que a China ajudou a construir. A China Daily reportou que ela voltou para a China em 1975 quando a linha férrea foi concluída e trabalhou no departamento de comércio externo do governo chinês.
Em 1998, ela regressou para a Tanzânia e criou duas empresas num edifício — um restaurante chinês no rés-do-chão e uma empresa de investimentos, Beijing Great Wall Investment, no primeiro andar.
Até 2012, ela era secretária-geral do Conselho Empresarial China-África, na Tanzânia. “Eu em pessoa sou a melhor ilustração da amizade China-Tanzânia,” disse ela, conforme foi reportado pela BBC.
Mas investigadores disseram que ela tinha uma vida dupla e com os seus muitos negócios e ligações sociais tinha-se tornado uma ligação-chave entre caçadores furtivos de marfim na África Ocidental e compradores na China, assim como em outras partes da Ásia. Ela viveu uma vida dupla, disseram os agentes, por mais de uma década. A Elephant Action League disse que Yang estava “ligada a várias empresas no exterior, todas elas de proprietários chineses, e circula nos escalões superiores dos cidadãos chineses que vivem e trabalham na Tanzânia.”
“Quando pensamos num cabecilha, pensamos em alguém como Al Capone,” Andrea Crosta, da the league, disse à BBC. “Mas esta era alguém que se misturava com as elites do país, que se infiltrava.”
Embora a maior parte do marfim contrabandeado por Yang acabasse por ir para a China, o seu país de origem foi rápido a corroborar com a sua condenação e recusou-se a ajudá-la.
Com as suas habilidades e com conhecimento privilegiado dos governos da China e da Tanzânia, ela era uma chefe do sindicato de crime de excelência. Ela tornou-se a peça-chave de uma rede de agentes locais corruptos que trabalham com criminosos do Sudeste Asiático. Esta combinação, disse a jornalista Glenny, “representa um problema em particular para as autoridades policiais tradicionais e exige muitos recursos.” Mesmo quando cabecilhas do contrabando são presos, o seu poder e influência fazem com que seja difícil trazê-los a julgamento. Em pelo menos dois casos de destaque, os chefes de dois sindicatos de contrabando evitaram ser julgados durante anos.
No caso da Rainha do Marfim, a Tanzânia encontrou a vontade e os recursos para ter uma condenação.