EQUIPA DA ADF
Desde o começo da pandemia da COVID-19, a África registou, em temos gerais, menos casos e mortes do que as outras partes do mundo. Pesquisadores ofereceram muitas explicações, desde a demografia mais jovem do continente até à sua população maioritariamente rural.
Mas pode existir uma razão mais simples: nem todas as mortes estão a ser contabilizadas.
“Para mim, não vale a pena ir para além disto para explicar esta miragem de menor número de casos e mortes contabilizados do que o resto do mundo,” Jonny Myers, professor emérito da Escola de Saúde Pública e Medicina Familiar, na Universidade da Cidade do Cabo, disse à ADF.
Myers foi franco sobre aquilo que considera como uma não contagem dramática de casos de COVID-19 em toda a África, devido essencialmente ao fraco registo pelas autoridades governamentais.
Por exemplo, um estudo publicado no ano passado descobriu que apenas 10% de mortes foram oficialmente registadas na Nigéria.
Um estudo diferente em Cartum, Sudão, usou pesquisas de agregados familiares para determinar que mais de 16.000 pessoas tinham morrido de COVID-19 naquele país, entre Abril e Setembro de 2020 — um período em que os registos oficiais colocam a contagem das mortes pela COVID-19 em menos de 500.
“Este não é um problema que ocorre apenas em Cartum,” Oliver Watson, o principal autor do estudo do Colégio Imperial de Londres, disse à ADF. “Na verdade, vimos baixas taxas de mortalidade em outras zonas urbanas durante a primeira metade de 2020.”
Todos os países africanos, excepto o Sudão do Sul, exigem por lei que as mortes sejam registadas, mas apenas oito exigem o cumprimento deste requisito, de acordo com uma pesquisa da Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA), realizada em 39 países africanos. Apenas quatro destes países satisfazem os padrões internacionais.
Quanto aos restantes, um pequeno grupo — Burkina Faso, Gana, Libéria, Ruanda, Senegal, Serra Leoa e Togo — começaram a utilizar uma técnica chamada “vigilância rápida de mortalidade” para captar diariamente ou semanalmente todas as mortes do país e comparar esse total com as estimativas anteriores de mortes como uma forma de estimar o impacto da COVID-19.
Rastrear as mortes ajuda os países a criarem medidas de saúde pública que possam lidar com problemas como a transmissão de doenças. Durante a pandemia da COVID-19, os registos de mortes forneceram dados valiosos sobre as idades e a saúde das vítimas para ajudar os governos a protegerem os seus cidadãos.
“Documentação e certificação inadequadas de mortes por causas naturais (resultantes do mau funcionamento interno do corpo) podem atrasar intervenções de saúde pública como em situações onde a morte resulta de surtos de doenças que estejam a evoluir,” escreveu Olusesan Ayodeji Makinde, o principal autor do estudo de 2020 sobre registo de mortes na Nigéria.
Mesmo assim, na pesquisa da UNECA, 61% dos inquiridos afirmaram que os seus países não utilizam certidões de óbito para rastrear doenças transmissíveis.
Como resultado da manutenção inadequada de registos, relata a UNECA, dois terços das mortes em África escapam dos sistemas oficiais de registo. Existem muitas razões para a falta de registos, incluindo o custo de arquivamento dos documentos, as distâncias entre as instituições governamentais e as comunidades rurais e o uso de registos digitais versus registos em papel.
Em troca de documentação confiável, as autoridades de saúde pública e agências do governo utilizam inquéritos, entrevistas conhecidas como autopsias verbais, entrevistas com coveiros e ferramentas estatísticas para estimar o número de mortes. Mesmo nesses casos, a UNECA classificou 24 dos 39 países inquiridos como “muito fracos” ou “fracos” quando se trata de captação de dados como a causa de morte nos registos vitais.
O Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul, por exemplo, comunicou recentemente que, no início de Fevereiro, o país registou mais de 135.000 mortes acima do normal desde o começo da pandemia.
“Este número é substancialmente superior em relação ao número de 46.473 mortes pela COVID-19 confirmadas e registadas pelo Ministério de Saúde no mesmo período,” disseram os autores.
Mas mesmo na África do Sul, que se classifica entre os melhores países do continente em matéria de registo de estatísticas vitais, as estatísticas de mortes variam amplamente por província. De acordo com o Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul, o rácio entre mortes pela COVID-19 confirmadas e mortes em excesso varia de 68%, na província maioritariamente urbana do Cabo Ocidental, para 11%, na rural província do Limpopo.
Os números de mortes em excesso acompanham de perto as mortes pela COVID-19 e testes positivos de COVID-19, deixando claro que as mortes em excesso estão directamente ligadas à pandemia, comunicaram os autores. Eles estimaram que até 95% de mortes em excesso estavam directamente relacionadas com a pandemia, o que quase quadruplicou o número oficial de mortes se todas tivessem sido registadas de forma adequada.
Para obter a verdadeira imagem do impacto da COVID-19 em África, seria necessário que todos os países mantivessem os registos adequadamente, pelo menos no mesmo nível da África do Sul, para ver a diferença entre mortes confirmadas e mortes em excesso, disse Myers.
“Então, hipoteticamente, se as mortes em excesso estivessem disponíveis noutros países africanos, isso preencheria uma parte da lacuna, mas possivelmente não toda a lacuna,” pensou Myers.