EQUIPA DA ADF
Durante a pandemia da COVID-19, a China correu para proibir o consumo de animais selvagens como os encontrados à venda no “mercado de produtos frescos” de Wuhan, onde foi inicialmente registado o vírus.
Mas mudanças na Lei de Protecção da Fauna Bravia do país deixam lacunas que ainda permitem a criação de animais selvagens como ursos, pangolins, civetas e morcegos para uso na medicina tradicional chinesa (MTC). A lei também permite que animais selvagens sejam criados como animais domésticos e mortos para extracção de pele e recategoriza certos animais selvagens como o gado, fazendo com que estejam isentos da proibição de consumo.
Como resultado, as mudanças fazem pouco para prevenir outra pandemia de cruzamento de espécies como a COVID-19, de acordo com Peter Li, professor da Universidade de Houston e especialista em políticas da China, na Humane Society International.
“Embora a China tenha encerrado o comércio e a criação para o mercado de alimentos exóticos, a operação de criação de animais selvagens no país continua grande e num modo de produção que pode ser o campo para uma outra pandemia,” disse Li à ADF.
Propriedades de criação de animais para a extracção da pele e criadores de animais para a MTC mantêm os animais em confinamento fechado, o que permite que as doenças se propaguem de forma rápida, disse Li.
As martas, por exemplo, foram recategorizadas como gado, tornando-as isentas da Lei de Protecção da Fauna Bravia. Pesquisadores europeus descobriram, em finais do ano passado, que as martas criadas podem contrair a COVID-19 e propagá-la para os seres humanos.
E, embora as pessoas não possam mais, em termos legais, comer o pavão-azul, este ainda é vendido para entretenimento ou outros fins.
Durante décadas, a China encorajou os agricultores a capturarem animais selvagens e criá-los para a venda, de modo a tirar as zonas rurais da pobreza. Isso fez com que as pessoas e os animais domésticos estivessem desprotegidos perante doenças desconhecidas que existem na vida selvagem e para as quais os seres humanos não possuem qualquer resistência. O SARS e a COVID-19 são dois exemplos disto.
Um relatório de 2017, da Academia Chinesa de Engenheiros, estima o valor da indústria de produtos da vida selvagem da China em mais de 70 milhões de dólares. Na altura, empregava 14 milhões de pessoas.
A lei de vida selvagem de 2020 também continua a criar uma excepção para “ninhadas criadas em cativeiro,” o que faz com que os criadores de animais selvagens continuem a criar animais para a MTC e para outros fins.
“A inclusão deste conceito foi uma grande concessão aos poderosos interesses do negócio de vida selvagem do país,” disse Li.
Como resultado disso, enquanto a China possui uma estimativa de 4.000 tigres a viverem na floresta, ela possui 6.000 tigres a viverem em cativeiro criados para o uso na MTC.
A lista de ninhadas criadas em cativeiro também inclui ursos criados para a extracção de bílis, um ingrediente fundamental num tratamento promovido oficialmente, mas não comprovado, da MTC para a COVID-19.
A Lei de Protecção da Fauna Bravia também permite o comércio de morcegos — a suspeita fonte original da COVID-19 — cujas fezes, conhecidas como o ye ming sha, são utilizadas para tratar problemas oculares. Partes secas do corpo do morcego também são utilizadas como um remédio para a desintoxicação.
“Ambas práticas podem representar um elevado risco no caso de um animal estar infectado com um coronavírus, em particular o primeiro uso, uma vez que o vírus pode estar presente nas fezes e podem entrar num hospedeiro através do olho,” pesquisador Trudy M. Wassenaar, escreveu num relatório publicado pela Sociedade da Microbiologia Aplicada, em 2020.
As condições para o mercado de vida selvagem, onde espécies diferentes, muitas vezes, são armazenadas no mesmo lugar, podem fazer com que os vírus sejam transmitidos de um animal para o outro e terminando nos seres humanos. O SARS, por exemplo, passou de morcegos através de civetas antes de chegar aos seres humanos, há mais de 15 anos. Suspeita-se que a COVID-19 tenha seguido um caminho semelhante de morcegos para humanos, através de um hospedeiro intermediário.
Manusear morcegos cria a oportunidade para a transmissão de doenças para os humanos, de acordo com Wassenaar.
“Mesmo que a venda de animais selvagens vivos nos mercados de produtos alimentares fosse completamente proibida na Chima,” escreveu Wassenaar, “o comércio e o manuseamento de morcegos para a prática da medicina tradicional continuariam a ser um risco grave para futuras epidemias zoonóticas do coronavírus.”