EQUIPA DA ADF
Vinte meses atrás, um terramoto político abalou o Sudão. Uma revolta popular resultou num golpe militar que depôs o ditador Omar al-Bashir e causou impacto em todo o mundo.
Desde essa altura, a revolução deu lugar à realidade. Sob a liderança de um governo de transição, o Sudão agora enfrenta desafios enormes, incluindo uma crise económica, inundações severas e tensões com o vizinho Etiópia.
“O Sudão está a atravessar um momento crítico,” chefe de assuntos políticos das Nações Unidas, Rosemary DiCarlo, disse ao Conselho de Segurança, no dia 8 de Dezembro. “Pode haver avanços significativos nesta transição, mas o progresso ainda pode descarrilar devido aos diversos desafios que enfrenta. É responsabilidade de todos nós apoiarmos o Sudão neste esforço para o alcance de uma governação democrática, prosperidade económica e uma sociedade inclusiva para todos os sudaneses.”
‘Um Sistema Corrompido’
Anos de gestão danosa, a separação do Sudão do Sul e a ineficácia na arrecadação de receitas do petróleo deixaram o Sudão num buraco económico. O país possui uma dívida externa avaliada em 60 bilhões de dólares e encontra-se com pagamentos em atraso aos seus credores. O país tem estado a imprimir de forma rápida notas de libras sudanesas para poder cumprir com algumas das suas obrigações, o que fez com que a inflação subisse para 250% este ano.
As coisas pioraram quando surgiu a COVID-19 e o país teve de ficar fechado durante cinco meses. O Fundo Monetário Internacional havia previsto que a economia do Sudão sofreria um decréscimo de 8,4% em 2020. Bichas de pão e de combustível agora são frequentes em Cartum.
“Herdamos um sistema corrompido, por isso, está cheio de fraquezas institucionais,” Adam Elhiraika, assessor económico do Primeiro-Ministro do Sudão, disse ao Financial Times. “A inflação aumenta porque o governo está a ter dificuldades de obter recursos para financiar as importações, mesmo de bens essenciais. Existe um ciclo de inflação e depreciação de taxas de câmbio que precisa de ser quebrado.”
Mas Dezembro trouxe um raio de esperança quando os EUA efectuaram um empréstimo-ponte de 1 bilhão de dólares para o Banco Mundial ajudar o Sudão a eliminar os seus atrasos perante aquela instituição, comunicou a Bloomberg.
Inundações Devastadoras
Chuvas desoladoras em quase todo o país causaram, em Setembro, as piores inundações do país em 30 anos.
As inundações afectaram mais de 875.000 pessoas e fizeram 150 vítimas mortais. Aumentando a devastação, as inundações destruiram 2,2 milhões de hectares de terras cultivadas e arrastaram consigo produtos alimentares de primeira necessidade, como a mapira. Até final de Setembro, 9,6 milhões de pessoas no país enfrentavam um grave problema de insegurança alimentar, o pior alguma vez registado pela ONU.
Diplomacia Produz Esperança
Os desafios económicos e humanitários do Sudão vieram em tempos particularmente difíceis na África Oriental. Na maior parte de 2020, o Sudão e o Egipto estiveram fechados para negociações com a Etiópia em relação à rapidez com que este último país vai encher a sua enorme Represa do Renascimento (conhecida como GERD, em Inglês), através do represamento do Rio Nilo. A disputa nunca foi formalmente resolvida, mas a Etiópia começou a encher o reservatório em Julho, resultando em preocupações de violência entre os Estados.
Em Dezembro, irrompeu uma guerra entre o governo federal da Etiópia e os militantes da região norte de Tigré. O conflito fez com que mais de 50.000 refugiados atravessassem para o Sudão. O Exército sudanês foi enviado para a região, e tem havido informações sobre conflito com as forças etíopes em relação a disputas de territórios de zonas fronteiriças.
“Se a Etiópia for, então, lá se foi a região do Corno de África. E isso é algo que preocupa a todos, quer a nível regional ou a nível internacional,” Hassan Khannenje, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos sobre o Corno de África, com sede em Nairobi, disse à DW.com.
Também houve desenvolvimentos positivos. No início de Dezembro, os EUA removeram oficialmente o Sudão da lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo. A acção foi resultado de uma continuação de relações diplomáticas entre os dois países em 2019 e oferece ao Sudão um maior acesso aos mercados financeiros internacionais, apoio e financiamentos para o desenvolvimento.
O Primeiro-Ministro, Abdalla Hamdok, considerou o evento como sendo o fim de uma era de trevas. “Depois de três décadas de isolamento global, [o Sudão] volta a junta-se oficialmente à comunidade internacional como um país pacífico que apoia a estabilidade global, escreveu Hamdok no Twitter.
Aquele governante também ajudou a mediar um acordo de paz, em Agosto, com grupos rebeldes de Darfur, nas regiões oeste e sul de Kordofan e no Nilo Azul, no sul do país. O acordo traz consigo a promessa do fim de algumas das disputas mais sangrentas do continente. “Esta é uma paz sudanesa, feita com as nossas próprias mãos e pelo nosso próprio esforço,” escreveu Hamdok no Twitter. “Este não é um acordo do papel, mas é um organismo vivo que precisa de cuidados, atenção e vontade política.”
Tudo isto ocorre numa altura em que o Sudão se prepara para as duramente contestadas eleições de 2022. Observadores internacionais esperam que o Sudão possa emergir como um modelo de transição democrática no Norte de África, mas todos concordam que o caminho pela frente é traiçoeiro.
“Existe uma esperança entusiasmante em Cartum de que seja criada uma democracia que respeita os direitos,” Khenneth Roth, director-executivo da Human Rights Watch, escreveu na Foreign Policy, em Março de 2020. “É necessário que haja apoio internacional urgente para evitar que esta oportunidade rara seja desperdiçada.”