EQUIPA DA ADF
Quando se fala em criar capacidade militar em África, aumentar o número de meios aéreos tende a ocupar o último lugar por causa das despesas envolvidas na aquisição de equipamento de combate, formadores e aviões de carga.
Fora isso, a capacidade dos meios aéreos continua a ser uma necessidade fundamental em todo o continente, tanto para movimentar as tropas para regiões problemáticas quanto para descarregar suprimentos nas zonas atingidas por calamidades naturais.
Para lidar com esta necessidade, a União Africana (UA) estabeleceu uma célula na sua Divisão de Operações de Apoio à Paz designada Centro de Coordenação de Movimentação Continental. O centro supervisiona os meios aéreos cedidos como contribuição das comunidades económicas regionais do continente assim como contratos de curto prazo de meios aéreos, meios marítimos comerciais e meios de movimentação terrestre para operações de manutenção de paz. A UA também compilou uma base de dados de equipamentos aéreos disponíveis através dos Estados-membros para ver onde existem lacunas e oportunidades.
O mandato do centro é de controlar e coordenar o uso das capacidades de transporte estratégico por via aérea cedido para as missões da União Africana. Segundo um relatório de 2015, do Centro de Estudos Estratégicos de África, a mais elevada prioridade da UA é “fazer o uso da capacidade estratégica orgânica de transporte aéreo dos Estados-membros, com qualquer dificuldade na capacidade a ser suplementada por meio de equipamento comercial contratado ou por meio de assistência vinda dos parceiros.”
A primeira prova do potencial do centro foi demonstrada no exercício militar Amani África II, em 2015, quando um avião de transporte C-130 da Nigéria, na região da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, cumpriu com uma solicitação de emergência de meios aéreos transportando 100 soldados e material da Força de Intervenção da África Ocidental.
“O que este conceito diz é que, tanto quanto pudermos, devemos utilizar os recursos africanos primeiro e partilhar recursos para o transporte estratégico aéreo, que pode ser complementado pelo apoio dos parceiros,” disse, na altura, o Coronel Mor Mbow de Senegal, agora reformado.
Apesar do acordo generalizado sobre a necessidade de tal capacidade de meios aéreos, as próprias aeronaves continuam escassas. Um livro de 2013, Envolvimento Militar: Influenciando as Forças Armadas no Mundo Inteiro a Prestar Apoio às Transições Democráticas, Volume II, editado por Dennis Blair, enfatiza a necessidade de mais recursos aéreos para África: “Os exércitos africanos devem aumentar significativamente a capacidade na logística aérea para lidarem com as crises ambientais e humanitárias.
“A fome e a seca que assolam o Corno de África requerem uma intervenção urgente que envolve movimentar toneladas de produtos alimentares para regiões remotas onde 9,6 milhões de pessoas pobres se encontram dispersas. Para além disso, em Moçambique, a forte pluviosidade sazonal implica que apenas o transporte aéreo é capaz de intervir e salvar a vida de pessoas desesperadas que não conseguem se mudar para regiões de maior altitude anualmente. Contudo, a maior parte dos Estados africanos não possuem o equipamento, os recursos nem a formação.”
Recursos Regionais
À medida que o continente africano procura criar estratégias para obter recursos para a capacidade dos meios aéreos, vale a pena examinar um modelo existente.
A Capacidade Estratégica dos Meios Aéreos (SAC, acrónimo inglês), instituída em 2008 e sediada no oeste da Hungria, é um programa independente multinacional que fornece a capacidade de transporte de equipamento e pessoal a longa distância para os seus 12 países-membros. Ela detém e opera três aeronaves de carga de longo alcance Boeing C-17 Globemaster III.
Os países da SAC são também membros da NATO, nomeadamente, Bulgária, Estónia, Hungria, Lituânia, Holanda, Noruega, Polónia, Roménia, Eslovénia, os Estados Unidos da América bem como as nações da Parceria da NATO para a Paz (Finlândia e Suécia). Cada país participante detém uma quota de horas de voo disponíveis nas aeronaves da SAC, as quais podem ser utilizadas para missões a fim de servir os seus esforços de defesa nacional, compromissos regionais e ajuda humanitária.
Em Abril de 2020, a SAC, a pedido da Holanda, fez a entrega de duas unidades móveis de cuidados intensivos na ilha de Sint Maarten, nas Caraíbas, numa missão de resposta de emergência. O Daily Herald, do nordeste das Caraíbas, declarou que as duas unidades possuíam seis camas de cuidados intensivos com ventiladores e equipamento para uma outra unidade de seis camas de cuidados intensivos no território holandês das Caraíbas. Esta entrega foi considerada essencial, pois o povo das ilhas já pode tratar os pacientes de COVID-19.
O conceito SAC teve a sua origem na sede da NATO, em 2006. Oficiais e representantes nacionais da NATO tinham em vista uma solução de uma parceria que podia “satisfazer a necessidade de meios aéreos estratégicos para os Estados-membros sem recursos económicos, numa capacidade permanente.”
A SAC adquiriu o seu primeiro avião em Julho de 2009, seguido de mais dois, que foram entregues nos meses subsequentes. Até finais de 2012, a unidade foi considerada totalmente capaz de realizar missões de abastecimento aéreo, lançamento aéreo de envio único, aterragens de ataque, operações em todos os tipos de clima, de dia ou de noite, em ambientes com uma ameaça média ou baixa e certas operações médicas aéreas de evacuação.
Transporte Aéreo num Orçamento
Num estudo de 2019, o Maj. Gen. Brian McCaughan, da Força Aérea Americana, propôs o uso de aeronaves recuperadas para melhorar a capacidade do transporte aéreo de África. Anotou que os Estados Unidos e outros países que apoiam as nações africanas em capacidade de meios aéreos estariam melhor servidas dando ajuda numa base regional, em vez de apoiar os países de forma individual. Ele disse que “Toda nova crise em África enfrenta a mesma e difícil tarefa de logística e mobilidade aérea.”
Acrescentou que a mobilidade aérea em África deve ser vista como um recurso regional. Ele propôs um plano abrangente em associação com e sob a liderança da União Africana. Também sublinhou que as nações africanas precisam de tirar vantagem da “disponibilidade sem precedentes” de uma aeronave específica — o avião de carga C-130.
A Lockheed C-130 Hercules é uma aeronave de transporte militar aéreo turbopropulsor que foi fabricada, pela primeira vez, em 1955, e novas versões ainda continuam a ser feitas. Foi projectado para acomodar-se às condições da guerra da Coreia, com os Estados Unidos a precisarem de uma aeronave de transporte versátil que fosse capaz de transportar tropas em distâncias médias e aterrar em aeródromos de capacidade reduzida.
Cerca de 70 países adquiriram C-130s ao longo dos anos. Mais de 2.500 destas aeronaves foram fabricadas até ao momento.
Existem mais de 40 variedades do padrão C-130. A revista Forbes previu que os C-130 provavelmente se tornariam na primeira aeronave militar da história a permanecer em serviço contínuo por mais de 100 anos.
Os Estados Unidos trabalharam individualmente com as nações africanas para melhorar as suas capacidades aéreas, especificamente com a C-130. No ano de 2018, os EUA doaram uma C-130 recuperada à Etiópia. A defenseWeb noticiou que funcionários da Embaixada dos EUA disseram que a aeronave iria “melhorar ainda mais a capacidade da Etiópia de desempenhar um papel vital em missões regionais de manutenção de paz, permitindo que a Etiópia transporte suprimentos de ajuda humanitária de forma atempada para onde fossem necessários e proteger a vida de civis em regiões de conflito.”
Em Janeiro de 2020, os EUA efectuaram a entrega de um novo hangar para C-130 Hercules à Força Aérea Nigeriana, na Base Aérea 201, próximo de Agadez. “O Níger irá receber uma antiga aeronave C-130 dos EUA no final do presente ano,” reportou a defenseWeb.
Os EUA pagaram pela construção do hangar, que foi construído no período de um ano por colaboradores internacionais e cerca de 90 residentes de Agadez. O hangar possui uma sala de manutenção de motores, armazém, área de treinamento e salas de baterias e ferramentas.
O mesmo irá, em última instância, abrigar até duas aeronaves de transporte C-130, recentemente adquiridas pela Força Aérea Nigeriana. Segundo reportou a defenseWeb, as aeronaves foram adquiridas nos Estados Unidos da América.
A Melhor Escolha
No seu estudo, McCaughan concluiu que o C-130 parece ser a melhor ferramenta para melhorar a capacidade em meios aéreos em África, em parte, porque os EUA já o tinham escolhido para esse efeito.
“Poucos discordariam que, em termos de capacidade fornecida, o C-130 é bom para África,” escreveu McCaughan. “Primeiramente, em termos de capacidade de carga, tempo de voo e uma capacidade não melhorada de aterragem em superfície, este meio é a resposta para uma região que é frequentemente assolada pela guerra e pela fome agudizada por aquilo que já foi apelidado de ‘tirania da distância.’ Com um alcance de mais de 1.500 milhas náuticas, uma capacidade de transportar até 19.000 Kg de carga e uma habilidade de ser reconfigurada para se ajustar a uma variedade de tipos de missões, esta é a aeronave perfeita para um continente com pontos de paragem limitados e zonas de aterragem não vigiadas que podem necessitar de um alcance de 1.000 milhas antes de se puder reabastecer.”
Os custos de manutenção e sustentabilidade anual dos C-130Hs de 5 a 6 milhões de dólares são relativamente baixos quando comparados a aeronaves semelhantes, argumentou McCaughan.
O programa Excess Defense Article é projectado para que um país ou uma região assuma a propriedade de um meio como uma aeronave, da forma “tal como se apresenta”, assumindo também a responsabilidade por todos os custos de transporte, reparação e manutenção da mesma.
McCaughan afirmou que a União Africana devia utilizar a SAC como modelo para a sua própria capacidade de apoio em meios aéreos regionais. Assim como com a SAC na Hungria, a UA devia escolher uma “nação-quadro” que assumiria a responsabilidade pelo custo de restauração e manutenção de C-130s numa dada região. A UA desenvolveria um modelo de financiamento para apoiar parte dos custos operacionais e de manutenção da aeronave. Ele disse que o modelo podia utilizar um plano de partilha do tempo de voo negociado entre a nação anfitriã, a UA e outros parceiros em África.
Alguns países da África Subsaariana, individualmente, já tiveram dificuldades financeiras para sustentar as suas aeronaves de transporte. McCaughan conclui que uma nova forma de fazer a gestão de frotas militares de transporte é a única resposta: “Até que parceiros governamentais regionais com interesses semelhantes se unam contratualmente uns com os outros, assim como com uma indústria capaz de realizar manutenções de alto nível, o ciclo não será quebrado e a mobilidade aérea na África Subsaariana continuará a ser uma miragem.”
O Custo de Devolver uma Aeronave ao Serviço
A Lockheed Martin produz aeronaves de transporte C-130 desde 1955. A ADF entrevistou Dennys Plessas, vice-presidente da Lockheed Martin International Business Development-Africa, Grécia, Itália e América Latina, sobre a prática de devolver C-130s que estão fora de serviço às alturas. As perguntas e as respostas foram trocadas via e-mail e editadas para reduzir a extensão.
ADF: Reconhecendo que não existem dois antigos aviões que sejam iguais, quanto custa recuperar um clássico C-130 bem conservado?
Plessas: Apenas pelo facto de uma aeronave se encontrar bem conservada não significa que esteja a cumprir com todos os requisitos para poder voar pelo mundo ou que não esteja a aproximar-se a um limite de vida útil que exige que uma peça tão grande como a asa seja substituída. No caso de C-130s de mais de 40 anos, o preço da reforma feita num depósito, apenas para devolver a aeronave ao serviço, pode exceder o valor de compra da própria aeronave.
Os C-130 mais recentemente devolvidos ao serviço faziam parte do programa Excess Defense Article (EDA), do governo dos Estados Unidos. As aeronaves tiveram a reforma adequada num depósito do governo dos EUA para poderem ser entregues.
ADF: Qual é o valor de um C-130 usado em boas condições?
Plessas: Nestes últimos anos, temos visto os valores de C-130s a variar entre centenas de milhares de dólares por um avião que tenha sido vandalizado para dele se obter peças e a média de 10 milhões de dólares a 20 milhões de dólares para um C-130 de aproximadamente 35 anos com um novo vidro na cabine de comando.
ADF: Qual é o custo anual de manutenção de um C-130 utilizado regularmente? O antigo Chefe de Equipa da Força Aérea, Gen. Norton Schwartz disse ao Congresso, em 2012, que custava 10.400 dólares por hora para um C-130 voar. Estes números ainda são actuais?
Plessas: O custo de manutenção de um C-130 é determinado por vários factores, incluindo:
Por quantas horas a aeronave voou em cada ano?
A taxa de disponibilidade exigida por aquele operador.
Tamanho da frota.
Se a manutenção da aeronave é da responsabilidade de instalações do governo ou de um centro de serviços comerciais.
O custo por hora de voo está dividido em custos fixos e custos variáveis. Os custos fixos são dominados por manutenção e geralmente são repartidos pela frota. As frotas grandes geralmente têm menores custos fixos por aeronave dada a economia da escala comparados a frotas pequenas.
Os custos variáveis são consumíveis, tais como combustíveis e salários da tripulação.
Um dos maiores impulsionadores dos custos fixos é o efeito de taxas de disponibilidade na manutenção. Quando são entregues, os novos C-130 têm taxas de disponibilidade de mais de 90%. Depois de 40 anos de voo, vemos a taxa de disponibilidade de uma aeronave reduzir para entre 50% e 55%. À medida que uma aeronave se desgasta, ela requer mais inspecções e mais peças sobressalentes enquanto os operadores também têm de factorizar o desgaste das peças. É possível voltar a ganhar alguma porção desta taxa de disponibilidade, mas isso requer um grande influxo de dinheiro.
ADF: O que está envolvido na manutenção de um C-130?
Plessas: A manutenção dos C-130 é feita em depósitos do governo, por entidades comerciais contratadas pelo governo (geralmente as linhas aéreas) ou centros de serviços aprovados pela Lockheed Martin. Existem 17 Centros de Serviços Hercules localizados em seis continentes, os quais estão em condições de realizar revisões de manutenção assim como apoio nas modificações de manutenção e reforma das aeronaves a nível do depósito. Denel, na África do Sul, é o único Centro de Serviços Hercules do continente e possui uma experiência de manutenção da frota de C-130BZ da Força Aérea Sul-Africana.
ADF: Em que medida podemos considerar um C-130 antigo e bem conservado não digno de se manter em serviço ou de se devolver ao serviço? Será que a idade do avião é o factor principal?
Plessas: O C-130 não possui tempo de vida útil em termos de anos, mas existem considerações a serem feitas quando se está a avaliar a possibilidade de manter um C-130 em serviço ou fora de serviço.
Olhemos para o modelo C-130H como um exemplo. Os C-130s foram produzidos entre 1964 e 1996. O tempo de vida útil económico de um C-130H em serviço e com um grande operador militar é de aproximadamente 40 anos e depende de como a aeronave foi utilizada pelo operador.
Existem limites de serviço para a estrutura da aeronave/os componentes estruturais em termos de horas e números de eventos (isto é, número de pousos). Um “tempo de vida útil”, “tempo de vida útil anual” ou “tempo de vida útil total” não deve ser confundido com o tempo de vida útil económico de uma aeronave.
Factores diferentes dos limites estruturais devem ser tidos em conta ao avaliar o tempo de vida útil económico, tais como a economia da operação de uma aeronave antiga e o declínio na taxa de disponibilidade devido a manutenções adicionais.
À medida que os C-130 se desgastam, as suas taxas de disponibilidade diminuem. Muitos operadores militares declaram ter taxas de disponibilidade de 50% com C130Hs de 35 a 40 anos. A rotina e as manutenções não previstas devido a idade afectam significativamente as taxas de disponibilidade. As preocupações de apoio não antecipado aumentam o tempo em que a aeronave permanece no depósito assim como requerem mais trabalho, peças e apoio de engenharia. Tudo isso se traduz em menos disponibilidade e mais custos.
ADF: Os números variam sobre quantos C-130s ainda estão a operar na África Subsaariana. Tem alguma estimativa?
Plessas: Olhando para a base de dados da Lockheed Martin, nesta altura, a distribuição dos Operadores de C-130 na África Subsaariana é de: (Tabela 1)
Olhando para a base de dados da Lockheed Martin, nesta altura, a distribuição para o Norte de África é de: (Tabela 2)
Os seguintes países substituíram os seus C-130Hs por C-130Js nesta altura:
Itália – 30 anos
Dinamarca – 29 anos
Noruega – 39 anos
Reino Unido – 35 anos
Austrália – 34 anos
Canadá – 35 anos
ADF: Que tipo de instalações os grupos regionais de África teriam de construir para acolher e fazer a manutenção de um ou dois C-130?
Plessas: Os operadores geralmente precisam de um hangar grande o suficiente para receber um C-130. A maior parte dos hangares, devido a economia de escala, são feitos para acolher duas ou mais aeronaves porque as instalações não recebem apenas as aeronaves para manutenção, mas também contêm instalações para pintura, lojas de apoio para os técnicos, uma biblioteca, zona de armazenamento para peças de aeronaves e espaços para escritórios.
ADF: Um estudo de 2019 recomendou que tais instalações regionais em África tenham pelo menos três aviões C-130. Existe uma economia de escala na manutenção de três ou mais destas aeronaves?
Plessas: Existe uma economia de escala. Existe um conjunto mínimo de infra-estruturas para um C-130. Expandir para três C-130s não triplica a infra-estrutura. Numa frota de uma aeronave, toda a infra-estrutura fixa é suportada nos custos por hora de voo. Esse custo é dividido numa frota de três aeronaves.
Para ser operacionalmente eficaz, a Equipa de Análise Operacional de Lockheed Martin recomendou consistentemente um mínimo de três aeronaves por frota. Em termos gerais, geralmente uma aeronave entra em acção de manutenção. A realidade é que apenas duas aeronaves estarão disponíveis para atribuição de tarefas. As missões de treinamento irão impactar o nível de atribuição de tarefas das duas aeronaves.