EQUIPA DA ADF
Uma das jóias da coroa da vasta Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) da China perdeu o seu brilho.
A um custo de 3,6 bilhões de dólares, a Linha Férrea de Bitola Padrão (SGR) é o projecto de infra-estrutura mais dispendioso do Quénia desde que o país ganhou a sua independência, em 1963. Aberta em 2017, a linha férrea que liga o porto de Mombasa à capital, Nairobi, com uma extensão para Naivasha, foi concluída em 2019 por um valor adicional de 1,5 bilhões de dólares.
Agora, os parlamentares do Quénia dizem que perdas operacionais significativas aliadas à dívida detida pelos bancos chineses estão a enfraquecer uma economia que já estava a lutar com a recessão económica global causada pela COVID-19.
Os membros da Comissão Parlamentar de Transportes publicaram um relatório que pede quase 50% de redução dos custos operacionais e a renegociação dos 4,5 bilhões de dólares devidos à China pelo financiamento da construção da linha férrea.
“O governo devia iniciar o processo de renegociação dos termos da dívida da ferrovia com o mutuário devido ao difícil ambiente económico prevalecente causado pela pandemia global,” refere o relatório entregue ao parlamento no dia 23 de Setembro.
O relatório cita a COVID-19 como sendo a principal razão para a renegociação. O vírus mortal, descoberto em finais do ano passado em Wuhan, China, já matou mais de 1 milhão de pessoas e infectou mais de 35,5 milhões no mundo inteiro.
Nos primeiros quatro meses do ano, os confinamentos obrigatórios afectaram gravemente os caminhos-de-ferro, reduzindo até à metade o número de comboios de carga.
O Quénia paga 1 milhão de dólares por mês ao operador daquela ferrovia, a Empresa Chinesa de Operação Ferroviária Estrela de África, mas não efectuou esses pagamentos nos passados 21 meses. Com uma dívida externa de cerca de 60 bilhões de dólares, que perfazem 61% do seu produto interno bruto, o Quénia já estava em perigo de cair numa armadilha do endividamento antes da pandemia.
“Penso que são os estágios iniciais, mas qualquer que seja a vantagem da dívida que a China tenha sobre os países, ela vai aumentar,” disse Sam Parker, co-autor do relatório da Universidade de Harvard, sobre a diplomacia da armadilha da dívida, ao The Guardian. “Qualquer má consequência, que adviria da impossibilidade de se reembolsar à China, penso que o seu tempo podia ser severamente acelerado.”
No Quénia, os comboios de passageiros da linha férrea Madaraka Express funcionam quase à sua capacidade máxima. A preocupação é com os cargueiros comerciais.
A empresa estatal ferroviária, Kenya Railways, tentou reduzir as tarifas de transporte de mercadorias. Na sequência, o governo ordenou, em Junho, que toda a carga com destino a Nairobi passasse pela ferrovia, antes de retroceder na sua decisão um mês depois, sob pressão intensa das empresas de transporte de carga, que alertaram que centenas de camionistas perderiam os seus empregos.
A viabilidade da ferrovia está seriamente posta em causa. O contrato original exige que a Autoridade Portuária do Quénia, o avalista do empréstimo, forneça 1 milhão de toneladas de carga por ano à ferrovia, aumentando para 6 bilhões até 2024. As autoridades registaram 4 milhões de toneladas de carga ferroviária em 2018.
Pode-se esperar dias maus pela frente à medida que o país enfrenta a possibilidade de os bancos chineses levarem o porto de Mombasa como garantia.
Essa foi a mensagem que Kimani Ichung’wa, presidente da Comissão de Orçamento do Parlamento do Quénia, que primeiramente pediu a renegociação, em Junho.
“Existem algumas decisões de investimento que tomamos que não estão no melhor interesse do país, por isso, é altura de começarmos a reavaliá-las e renegociar com as pessoas que nos deram o dinheiro, para que sejamos capazes de sobreviver,” disse ao The EastAfrican. “Devemos renegociar as nossas dívidas com os chineses, caso contrário, estaremos a caminhar para um tempo muito difícil.
“É muito fácil resolver esta questão de reembolso do empréstimo apenas sentando com os chineses e dizendo-lhes que cometemos um erro. Temos todo esse dinheiro em dívida para convosco, mas vocês também estão a exigir muito de nós em termos de reembolso.
“Olha, a nossa economia está devastada, e não estamos em condições de pagar. Não estamos a dizer que a dívida não existe, simplesmente pretendemos renegociar aquilo que devemos, assim como os termos de pagamento.”