Quando os mercenários russos do Grupo Wagner chegaram ao Mali em 2021 a convite da junta governativa local, aquela empresa militar privada viajava com equipamento leve.
A suposta missão do Grupo Wagner era treinar o Exército do Mali (FAMa) para combater os terroristas apoiados pela al-Qaeda com a Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM) e separatistas Tuaregues que agora operam sob a bandeira da Frente de Libertação do Azawad (FLA). No entanto, os mercenários rapidamente se juntaram aos combates, apesar de terem chegado com armas leves.
A solução, de acordo com um relatório recente da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC), foi saquear armas do campo de batalha ou adquiri-las das próprias FAMa, violando o Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas (ATT). O tratado foi concebido para impedir que armamentos estatais caíssem nas mãos de terroristas e outros actores não estatais, como empresas militares privadas (EMP).
Nos termos do ATT, os certificados de utilizador final do fornecedor de armas documentam a parte — normalmente um governo nacional — que é o único destinatário pretendido das armas. Um relatório das Nações Unidas de 2024 constatou que os países, por vezes, violam esses acordos de utilizador final ao fornecer as suas armas a EMP e mercenários que trabalham ao lado das forças armadas nacionais.
A análise da GI-TOC mostra que as armas não foram a única coisa que o Grupo Wagner recebeu das FAMa. Veículos blindados, veículos equipados com metralhadoras conhecidos como técnicos e, possivelmente, drones de ataque também foram fornecidos ao Grupo Wagner a partir dos stocks do exército.
Como o Grupo Wagner repetidamente agiu por conta própria após 2023, fê-lo usando material das FAMa, concluiu o estudo. Trabalhando com especialistas em armas e membros das FAMa, os investigadores da GI-TOC analisaram 150 imagens estáticas e vídeos gravados entre Janeiro de 2022 e Junho de 2025 para documentar os combatentes do Gurpo Wagner que usavam as armas das FAMa.
“Parece ser política das FAMa partilhar livremente este equipamento com o Grupo Wagner,” Julia Stanyard, analista sénior da GI-TOC, disse num webinar recente para discutir o relatório.
“Quando chegam, muitas vezes, estão mal equipados e precisam de usar o que encontram,” acrescentou Stanyard. “Portanto, parece ser política do Grupo Wagner que isso não se limite ao Mali.”
O Grupo Wagner seguiu um padrão semelhante no Burquina Faso, na República Centro-Africana, na Líbia e no Níger.
No Mali, os combatentes do Grupo Wagner fizeram da apreensão de armas dos combatentes da JNIM e da FLA uma peça central das suas operações e, muitas vezes, gabavam-se das suas descobertas nas suas redes sociais. Como resultado, os combatentes do Grupo Wagner e os soldados das FAMa, muitas vezes, competiam entre si para capturar as armas dos terroristas.
“Em vários casos, as tropas do Grupo Wagner competiam com as unidades das FAMa para reivindicar o material capturado,” escreveram os investigadores da GI-TOC. “Quando as contagens oficiais foram realizadas, as armas listadas como apreendidas nos relatórios de campo, muitas vezes, tinham desaparecido, sendo o Grupo Wagner considerado responsável pelo roubo do arsenal oficial.”
Num caso em Ansongo, em Janeiro, um combatente do Grupo Wagner matou um soldado das FAMa numa discussão sobre uma motocicleta apreendida a extremistas.
O Grupo Wagner também lançou as suas próprias operações contra alvos de alto valor fora do mandato das FAMa, possivelmente para apreender armas valiosas ou outros artigos, relatou a GI-TOC.
As acções do Grupo Wagner no Mali destacam a necessidade de estratégias globais de controlo de armas que abordem a tendência de as EMP se integrarem nas forças armadas nacionais, escreveram os investigadores da GI-TOC.
“Os países exportadores de armas devem realizar uma diligência adicional ao considerar a exportação para qualquer país que se tenha envolvido, contratado ou colaborado com uma EMP,” escreveram os investigadores da GI-TOC. “Os fabricantes de armas também devem realizar uma diligência adicional ao procurar fornecer países que se envolveram com EMP.”
A transição do Grupo Wagner para o Africa Corps em Junho reduziu a quantidade de ataques terrestres em que as forças russas participaram. No entanto, a pilhagem de armas e outros materiais continua, assim como o uso do armamento das FAMa.
As forças do Africa Corps são mais propensas a permanecer fora de batalhas directas, oferecendo apoio aéreo na forma de drones, Heni Nsaibia, do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos, disse num webinar recente.
“Há relatos crescentes que dizem que estes drones são operados em cooperação por mercenários russos e forças malianas,” disse Nsaibia.
