No final de Abril, um drone ucraniano atingiu a Zona Económica Especial de Alabuga, na região russa do Tartaristão, onde os drones kamikaze são fabricados por trabalhadores de uma fábrica, muitos deles mulheres africanas. Embora não tenha havido vítimas, várias mulheres africanas ficaram feridas no ano passado num ataque semelhante com drones à fábrica de Alabuga, cerca de 1.000 quilómetros a leste de Moscovo.
As mulheres africanas que trabalham na fábrica podem não ter percebido que iriam trabalhar numa zona de guerra quando se candidataram aos empregos. Muitas responderam a anúncios nas redes sociais que prometiam empregos com bons salários e uma nova vida na Rússia. As fotografias publicitárias mostravam mulheres a sorrir enquanto limpavam o chão e usavam capacetes de protecção ao mesmo tempo que dirigiam gruas numa fábrica na República do Tartaristão, na Rússia.
Os anúncios, direccionados a trabalhadores de países como Botswana, Etiópia, Quénia, Nigéria, Ruanda, Serra Leoa, Sudão do Sul e Uganda, incluíam vídeos com música animada que mostravam mulheres africanas a visitar locais culturais do Tartaristão ou a praticar desporto. Promoviam um programa chamado “Alabuga Start” que oferecia um bilhete de avião gratuito para a Europa e um emprego bem remunerado à chegada.
Os anúncios diziam que o Alabuga Start procurava “pessoas talentosas de todo o mundo,” sobretudo mulheres entre os 18 e 22 anos. Os anúncios também destacavam os benefícios de um programa de trabalho e estudo em áreas como restauração ou hotelaria. Num vídeo, uma mulher africana chega a Alabuga e começa a trabalhar num restaurante, onde atende um jovem russo. Mais tarde, ela regressa ao restaurante como a sua esposa grávida.
De acordo com Maxim Matusevich, especialista em Rússia-África e professor de história global na Universidade Seton Hall, o apelo financeiro para jovens africanos desempregados é compreensível.
No entanto, a grande maioria dos recrutados está envolvida na fabricação de drones, de acordo com a Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional.
Os drones são usados pelos militares russos para atacar a Ucrânia, que, muitas vezes, resulta em mortes de civis. No dia 23 de Junho, um ataque com drones russos no nordeste da Ucrânia matou três civis, incluindo um menino de 5 anos, e feriu outros seis, incluindo duas meninas de 17 anos e um menino de 12 anos, segundo o The Washington Post.
Mulheres africanas são forçadas a fabricar drones em condições perigosas e exaustivas e recebem muito menos do que o prometido. Uma trabalhadora disse à The Associated Press que o trabalho era “uma armadilha,” acrescentando que o custo do alojamento, passagem aérea, cuidados médicos e aulas de russo eram deduzidos do seu salário. Ela disse que as trabalhadoras africanas eram tratadas “como burras de carga.”
“Não acho que muitas [mulheres africanas] saibam das más práticas laborais da empresa,” uma mulher etíope, que cancelou a sua candidatura à Alabuga Start depois de ler sobre a fábrica online, disse à revista The Economist.
As mulheres também são obrigadas a manusear materiais tóxicos, o que é proibido pela legislação laboral russa, David Albright, fundador do Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional, disse à VOA. Investigações realizadas pela Protokol, um meio de comunicação independente russo, revelaram que a empresa também tem um historial de vigilância dos trabalhadores envolvidos no fabrico de drones e de manutenção em segredo dos detalhes sobre a produção.
A fábrica de Alabuga produz diariamente cerca de 300 drones Shahed de estilo iraniano e as suas variantes fabricadas na Rússia. Mais de 6.000 desses drones foram produzidos em Alabuga no ano passado, juntamente com milhares de drones isca, Andrii Kovalenko, um funcionário do Conselho de Segurança Nacional e Defesa da Ucrânia, disse ao The Kyiv Independent.
Desde o seu lançamento em 2022, a Alabuga Start recrutou cerca de 350 mulheres de mais de 40 países e pretende trazer mais 8.500 este ano, informou a Bloomberg. As trabalhadoras são necessárias devido à escassez de mão-de-obra provocada pela guerra da Rússia na Ucrânia.
Numa análise de 2024, o Instituto Robert Lansing para Estudos sobre Ameaças Globais e Democracias afirmou que a Rússia estava a explorar “não só os recursos naturais de África, mas também o seu povo — vítimas de crises económicas — através do engano e de restrições à sua liberdade.”
“A falta de resposta dos governos dos países africanos envolvidos é impressionante,” de acordo com o relatório, que caracterizou os esforços de recrutamento da Rússia como tráfico de seres humanos.
A Interpol começou a investigar a Alabuga Start por possível envolvimento em tráfico de seres humanos depois que as publicações da empresa nas redes sociais foram levadas ao conhecimento da organização.
O tráfico de seres humanos envolve o recrutamento, transporte, transferência, acolhimento ou recepção de pessoas por meio de força, fraude ou engano, com o objectivo de explorá-las para obter lucro, de acordo com o Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime. Os traficantes normalmente usam falsas promessas de educação e oportunidades de emprego para enganar e coagir as suas vítimas.