EQUIPA DA ADF
A tensão já fervilhava no Corno de África em finais de Agosto, quando dois aviões de carga militares egípcios, camuflados no deserto, aterraram na capital somali, Mogadíscio, com armas, munições e cerca de 300 comandos das forças especiais.
Vestidos com o equipamento de combate completo, os soldados fizeram uma formação no asfalto, enquanto um oficial egípcio explicava que estes eram os primeiros de milhares de soldados que viriam, mandatados por um acordo de segurança recentemente assinado para equipar e treinar unidades do exército somali e ajudar a proteger as principais instalações e funcionários governamentais.
A promessa do Egipto de enviar milhares de soldados para a Somália é o mais recente sinal do aumento das tensões no Corno de África, mas os analistas continuam esperançados em que se possa evitar uma guerra em grande escala.
O acesso à água está no centro de dois diferendos na região.
O Egipto e a Etiópia andam há mais de 10 anos a disputar o direito de controlar o caudal do Rio Nilo e, mais recentemente, a Somália e a Etiópia têm estado envolvidas numa disputa diplomática por causa de um acordo sobre um porto no Mar Vermelho assinado pela Etiópia e o território separatista da Somalilândia, que a Somália considera parte do seu território.
Mas as negociações infrutíferas deram lugar a uma nova ronda de posturas e de ameaças.
O analista sul-sudanês Duop Chak Wuol, que escreve sobre a África Oriental há mais de 11 anos, está entre os muitos especialistas que acreditam que a guerra é improvável por enquanto.
“Mas há um risco de conflito indirecto,” disse à ADF. “O Egipto poderá utilizar tácticas de representação, como o apoio à Somália no seu conflito com a Somalilândia, para impedir o acesso da Etiópia aos portos marítimos.
“Isso poderá levar a novas acções contra a Etiópia, possivelmente envolvendo operações militares que visem a Grande Barragem do Renascimento Etíope (GERD).”
O Egipto e a Etiópia tornaram-se rivais regionais mais acesos durante as suas conversações, frequentemente controversas, em torno do enorme projecto de barragem da Etiópia, que está quase concluído e produz electricidade desde 2022.
O Egipto tem actualmente 1.000 comandos na Somália e poderá enviar até 10.000 soldados nos próximos meses. O país comprometeu-se a enviar 5.000 soldados para uma nova força de estabilização da União Africana no final deste ano e poderá enviar separadamente mais 4.000 comandos no âmbito do seu acordo bilateral de defesa com a Somália.
A Etiópia, que não é alheia à utilização do seu próprio poderio militar para disputar a influência regional, respondeu com ameaças generalizadas.
“Qualquer pessoa que pretenda invadir a Etiópia deve pensar não apenas uma vez, mas 10 vezes, porque uma grande coisa que nós, etíopes, sabemos é [como] nos defendermos,” disse o Primeiro-Ministro Abiy Ahmed num discurso televisivo no “Dia da Soberania,” a 8 de Setembro.
“Normalmente envergonhamos e repelimos aqueles que ousam tentar invadir-nos.”
O acordo de cooperação militar entre o Egipto e a Somália foi o último de uma série de pactos semelhantes que o país assinou com países da bacia do Nilo e do Corno de África, como forma de pressionar a Etiópia a abandonar a sua posição no litígio da GERD.
“No Egipto, temos amigos e irmãos com quem podemos contar,” o Presidente Abdel Fattah El Sisi disse ao Presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, perante os jornalistas durante a cimeira de Agosto. “O Egipto não permitirá que ninguém ameace a Somália ou comprometa a sua segurança.”
As autoridades somalis insistiram que o equipamento militar entregue será utilizado na luta contra o grupo terrorista al-Shabaab. Mas o aumento da postura e da retórica está a provocar o receio de alguma forma de conflito.
“Se os egípcios entrarem e colocarem tropas ao longo da fronteira com a Etiópia, isso poderá levar os dois países a um confronto directo,” Rashid Abdi, analista do grupo de reflexão Sahan Research, sediado no Corno de África, disse à Reuters.
A resolução pacífica de ambos os diferendos será um desafio, disse Wuol, visto que o Egipto não quer aceitar quaisquer alterações ao seu consumo de água do Nilo e, até agora, tem-se agarrado aos tratados sobre a água assinados em 1929 e 1959.
“A retórica agressiva e as posturas militares do Egipto, da Etiópia e da Somália são arriscadas e podem conduzir a um conflito regional mais vasto,” alertou. “É essencial que estas nações evitem declarações inflamatórias para evitar uma escalada.”