EQUIPA DA ADF
A violência baseada no género e as alegações de violação na República Centro-Africana (RCA) aumentaram nos últimos meses e os residentes locais atribuem grande parte da culpa aos mercenários russos.
Estima-se que mais de 1.000 mercenários russos do famoso Grupo Wagner estejam na RCA desde que foram destacados em 2018 para proteger o governo do presidente Faustin-Archange Touadéra contra os rebeldes.
Este contingente, que agora faz parte do novo Africa Corps e que, segundo consta, foi integrado nos serviços secretos militares russos, também está encarregue de proteger os interesses mineiros da Rússia e entra em contacto regular com civis.
As histórias pessoais de terror envolvendo mercenários russos, muitas vezes, não são registadas junto das autoridades locais por medo de represálias, mas não são difíceis de descobrir.
Philip Obaji Jr., um jornalista independente premiado que documentou as atrocidades cometidas pelo Grupo Wagner em vários países africanos, visitou Bouar, no oeste da RCA, em Dezembro de 2023.
“A violência sexual às mãos do Grupo Wagner está a tornar-se um grande problema,” disse à ADF. “Falei com duas vítimas que disseram que os soldados russos as tinham violado perto das quintas das suas famílias, uma delas à frente da avó.
“Os russos andavam de quinta em quinta nesta zona. Pareceu-me sistemático.”
Os casos registados aumentaram desde 2020 de cerca de 9.200 para 25.500, de acordo com as Nações Unidas e os seus parceiros humanitários.
Num relatório de 2023, a organização Médicos Sem Fronteiras afirmou que, entre 2018 e 2022, prestou cuidados a mais de 19.500 sobreviventes de abuso sexual na RCA, enquanto a ONU documentou cerca de 15.000 outros casos de violência sexual durante o mesmo período.
Obaji falou sobre os crescentes ataques com Félicité Padou, uma comerciante de 65 anos que trabalha há mais de 20 anos no movimentado mercado de Bouar, uma das maiores cidades do país.
“Desde Setembro do ano passado, mais de 10 raparigas descreveram como foram violadas por soldados brancos nas suas quintas,” Padou disse num artigo publicado a 23 de Julho pelo jornal britânico The Guardian. “As nossas filhas já não estão seguras nas suas próprias terras.”
Padou disse que mais mulheres estão a evitar os campos, o que está a afectar a produção alimentar e fez com que os preços de alguns alimentos subissem 50% nos últimos meses.
“Como muitas mulheres já não praticam a agricultura, os preços dos géneros alimentícios estão a aumentar,” afirmou. “Toda a gente está a sofrer porque alguns soldados brancos sem coração transformaram as quintas em centros de violação.”
As bases militares utilizadas pelos mercenários russos também causam memórias de pesadelo a muitas mulheres que dizem ter sido levadas para lá à força, violadas e abusadas.
Obaji disse ter falado com uma dezena de mulheres que afirmaram ter sido raptadas, drogadas e violadas por mercenários russos na sua base em Bouar. Um médico que esteve destacado na base disse a Obaji que, normalmente, as vítimas recebiam injecções contraceptivas.
Num outro relatório, um combatente local que trabalha com mercenários russos disse à The Associated Press que viu seis russos violarem uma mulher local na tenda onde ele estava a dormir na sua base em Bambari, no início de 2023.
Os especialistas afirmam que a violência baseada no género continua a ser um problema generalizado, tal como aconteceu durante a guerra civil em curso na RCA. A cada hora, duas pessoas são vítimas de violência de género, segundo um relatório da ONU de 2023.
Tendo feito pouco para melhorar a situação de segurança dos civis, os mercenários russos estão a aumentar a miséria.
“Mais de 10 anos depois do início desta crise, muitas pessoas continuam deslocadas, vulneráveis e à mercê dos grupos armados,” Lewis Mudge, director da Human Rights Watch para a África Central, disse à AP. “Surgiu também uma nova dinâmica em que os mercenários alinhados com o governo estão também, por vezes, a atacar a população local.”