Montessor Saddam encontrava-se num campo de pessoas deslocadas na região de Darfur Ocidental, no Sudão, quando membros do grupo paramilitar das Forças de Apoio Rápido (RSF) atacaram a 2 de Novembro.
Nos três dias seguintes, as RSF mataram 1.300 pessoas e feriram 2.000, alguns observadores locais disseram à Al Jazeera. Outras 310 estavam desaparecidas.
“Foram de casa em casa à procura de homens e mataram todos os que encontraram,” Saddam, um pseudónimo, disse à Al Jazeera, num campo de refugiados no Chade. “Havia tantos cadáveres nas ruas.”
Outros sobreviventes e analistas afirmam que o ataque faz parte de uma campanha das RSF e das milícias árabes suas aliadas para erradicar a tribo não-árabe Masalit do Darfur Ocidental.
Um vídeo de um outro incidente, obtido pela The Associated Press, mostrava combatentes das RSF a cercarem homens numa aldeia e a lançarem insultos étnicos. Os homens receberam ordens para correr. Foram disparados tiros sobre as suas cabeças quando o fizeram.
O Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, receia que a escalada de violência na região do Darfur conduza a atrocidades semelhantes às que foram cometidas há duas décadas.
No início da década de 2000, milhares de pessoas foram mortas em Darfur e milhões foram deslocadas no meio de combates entre as forças governamentais sudanesas apoiadas pela milícia aliada conhecida como Janjaweed e outros grupos rebeldes. As forças governamentais e as milícias foram acusadas de cometer numerosos ataques contra os grupos étnicos africanos Fur, Masalit e Zaghawa.
“Há vinte anos, o mundo ficou chocado com as terríveis atrocidades e violações de direitos humanos no Darfur,” afirmou Grandi num comunicado. “Receamos que se esteja a desenvolver uma dinâmica semelhante. O fim imediato dos combates e o respeito incondicional pela população civil por todas as partes são cruciais para evitar outra catástrofe.”
Os rebeldes que pertenciam à Janjaweed e a outros grupos estão agora a combater ao lado das RSF.
“Eles querem limpar-nos etnicamente,” Nahid Hamid, um advogado de defesa de direitos humanos Masalit, disse à Al Jazeera.
Durante o anterior conflito, o antigo Presidente Omar al-Bashir foi acusado de colocar os grupos étnicos uns contra os outros.
Durante três dias, em meados de Novembro, 30 pessoas terão sido mortas em confrontos entre os grupos étnicos Habaniya e Salamat, em Buram, no Darfur do Sul, onde as RSF recentemente tomaram uma base do exército das Forças Armadas do Sudãao (SAF). Nem as RSF nem as SAF intervieram nos confrontos, noticiou o jornal Dabanga Sudan.
Desde que os combates entre as RSF e as SAF eclodiram em Abril, pelo menos 9.000 pessoas foram mortas e mais de 5,6 milhões de pessoas foram deslocadas, incluindo pelo menos 1,2 milhões para países vizinhos, de acordo com Alice Wairimu Nderitu, conselheira especial da ONU para a prevenção do genocídio.
A violência inclui assassinatos com base na identidade, violação e outras formas de violência sexual, tortura, pilhagens, desaparecimentos forçados, detenções em massa e bombardeamentos de casas e infra-estruturas civis.
“A dinâmica actual na região pode levar a novos assassinatos em massa num ambiente de total ilegalidade e impunidade,” afirmou Nderitu num comunicado. “Os riscos de genocídio e de crimes de atrocidade conexos na região continuam a ser extremamente elevados.”
A violência também se estendeu a Ardamata, no Darfur Ocidental, uma zona anteriormente menos afectada pelos combates. Mais de 800 pessoas terão sido mortas em Ardamata, que albergava um campo de pessoas deslocadas internamente — até que cerca de 100 dos seus abrigos foram incendiados. O ataque ocorreu depois de as RSF terem tomado uma base das SAF nas proximidades.
Em meados de Novembro, a ONU afirmou que as informações preliminares que obteve de sobreviventes e testemunhas sugeriam que os civis Masalit “sofreram seis dias de terror” durante o ataque.
“Algumas das vítimas foram executadas sumariamente ou queimadas vivas,” disse o porta-voz Jeremy Laurence aos jornalistas em Genebra.
Mohamad Arbab, de 85 anos, foi um dos seis chefes tribais mortos pelas RSF em Ardamata. Os combatentes invadiram a casa de Arbab e mataram-no a ele, seu filho e oito netos, segundo a Ordem dos Advogados de Darfur.
“Eles querem matar [os nossos líderes] para nos poderem substituir pelos seus, bem como por árabes de países como o Chade e o Níger,” Hamid, o advogado dos direitos humanos Masalit, disse à Al Jazeera.
A violência obrigou milhares de sudaneses a fugirem para os países vizinhos, como Chade e Níger, embora as RSF sejam acusadas de bloquear algumas zonas fronteiriças.
Só no início de Novembro, durante três dias, 7.000 pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, fugiram para o Chade sem nada para vestir, segundo a organização Médicos Sem Fronteiras.
Uma jovem sudanesa disse que fugiu para lá com a sua família depois de o seu pai ter sido morto pelas RSF.
“Disseram-me que o meu irmão foi morto e que não sabemos onde ele está,” disse a rapariga à The Associated Press. “Eu, a minha mãe e os filhos da minha irmã viemos. Não sabemos onde o meu pai está. Não o encontrámos. Queimaram tudo e levaram tudo. Não trouxemos nada connosco, apenas Deus e as nossas roupas.”