Eram cerca das 22 horas, e as crianças estavam a cantar canções evangélicas, na Escola Secundária de Mpondwe Lhubiriha, perto da fronteira do Uganda com a República Democrática do Congo (RDC).
Num instante, Mary Masika disse que os cânticos se transformaram em gritos de angústia e terror. Quando começaram os tiroteios, ela ouviu uma pessoa que lhe ordenou que atirasse uma bomba para um dormitório da escola.
“Depois ouvi um aluno a chorar e outro a dizer: ‘Jesus, ajuda-me, eles estão a matar-me,’” disse Masika à BBC.
O ataque de meados de Junho perpetrado pelas Forças Democráticas Aliadas matou 42 pessoas, incluindo 37 alunos, que foram cortados com catanas, baleados ou queimados até à morte. Seis alunos foram raptados.
“Estou muito assustada desde o momento daquele incidente,” disse Masika. “Continuo a ouvir as vozes daqueles alunos a implorar pelas suas vidas.”
Entre os mortos encontravam-se Elphanas Mbusa, de 47 anos, um agente de segurança que tentou intervir, e o seu filho de 17 anos, Masereka Elton. O outro filho de Mbusa estava desaparecido. Não se sabia se tinha sido raptado ou se o seu corpo estava demasiado queimado para ser identificado.
O pai de Mbusa, Hurubana Kimadi Onesmus, disse à BBC que não conseguia perceber como é que os atacantes se tinham conseguido infiltrar na escolal.
“Há uma forte presença militar na zona,” disse.
Em poucos dias, a polícia deteve 20 suspeitos de pertencerem às Forças Democráticas Aliadas e estarem ligados ao ataque. Desde a década de 2010, todos os ataques no Uganda são atribuídos ao grupo, segundo o The Africa Report.
O grupo, que tem ligações ao grupo do Estado Islâmico (EI), é maioritariamente financiado através de operações ilegais de exploração mineira e madeireira e de raptos com pedido de resgate. Os analistas afirmam que também recebe um financiamento considerável do EI.
O massacre de escolas é uma tendência dos grupos rebeldes ligados ao EI em África, sobretudo, o Boko Haram, na Nigéria, onde as escolas são alvo de ataques há anos. Boko Haram traduz-se como “a educação ocidental é proibida.”
Em 2021, mais de 300 raparigas foram raptadas por homens armados numa escola pública, no noroeste do Estado de Zamfara. Mais recentemente, em Abril, os rebeldes raptaram oito alunos de uma escola secundária no norte do Estado de Kaduna.
É provável que o Boko Haram continue a atacar escolas, porque esses ataques geram publicidade, enfraquecem as forças de segurança estatais e garantem o financiamento, através de resgates, escreveu o jornalista nigeriano, Philip Obaji Jr., na revista Foreign Policy.
As Forças Democráticas Aliadas estavam originalmente sediadas no oeste do Uganda, mas expandiram as suas operações para o leste da RDC, onde mataram 5.000 pessoas desde 2013, de acordo com um estudo recente realizado pelo Programa sobre Extremismo, da Universidade George Washington.
Em Março, supostos combatentes das Forças Democráticas Aliadas mataram pelo menos 36 pessoas durante um ataque nocturno, na aldeia de Mukondi, na província do Kivu do Norte, no leste da RDC. Tal como no ataque à escola no Uganda, os rebeldes mataram as vítimas principalmente com catanas.
Também incendiaram toda a aldeia, disse o governador provincial, Carly Nzanzu Kasivita, no Twitter.
De acordo com Pierre Boisselet, coordenador da investigação sobre a violência na Ebuteli, uma organização de investigação sediada em Kinshasa, o grupo é conhecido por tomar partido nas tensões intercomunitárias. Isso permite-lhe beneficiar de operações ilícitas de extracção mineira e madeireira bem como controlar terras e rotas comerciais em áreas protegidas.
O grupo tem persistido, apesar dos esforços do exército ugandês, do exército congolês e das forças de manutenção da paz das Nações Unidas desde 1999.
“O que me impressiona é que eles conseguem usar o seu conhecimento da área para se esconderem e recuperarem sempre,” disse Boisselet ao The Africa Report.
A última operação militar conjunta do Uganda e do Congo, lançada no final de 2021, não conseguiu conter a ameaça do grupo, que continua a expandir as suas operações para oeste e nordeste.
O analista de segurança, Solomon Asiimwe, da Universidade Nkumba, do Uganda, diz que o governo ugandês deve explorar outras formas de neutralizar o grupo.
“O terrorismo não pode ser derrotado apenas pela via militar,” disse Asiimwe à Voz da América.
O antigo líder do grupo, Jamil Mukulu, está na prisão, “mas [as Forças Democráticas Aliadas] não pararam,” acrescentou Asiimwe. “Talvez seja altura de [o] governo também encontrar uma forma de falar com [as Forças Democráticas Aliadas].”
Boisselet considera também que as intervenções militares não são suficientes para erradicar o grupo.
“É necessário envidar mais esforços para ajudar o Estado congolês a desenvolver a capacidade de desmantelar essas redes, e isso só pode ser feito com melhores serviços de informação, identificar patrocinadores e aliados e ter um sistema judicial capaz de lidar com isso,” disse Boisselet ao The Africa Report.