EQUIPA DA ADF
As ameaças nas vias navegáveis dos litorais de África multiplicam-se nos últimos anos. Contrabando, pirataria e roubo de petróleo ocorrem conjuntamente nas águas superficiais que partem do oceano para o interior do continente. Essas ameaças não podem ser paralisadas através de grandes embarcações navais da economia azul.
Como resposta, as marinhas estão a evoluir. Elas estão a investir tempo e dinheiro em unidades de infantaria ágeis e adaptáveis. Estas unidades altamente treinadas assumem nomes diferentes: no Senegal, são os comandos marinhos; na Nigéria, são os Serviços de Barco Especial, e, em Angola, são os Fuzileiros. Foram concebidas para serem flexíveis, capazes de proteger as infra-estruturas de energia ao largo da costa ou perseguir traficantes nos pantanais dos mangais.
A velocidade, dizem eles, é o seu cartão-de-visita. O elemento surpresa, treinos rigorosos e um sentimento de propósito ajudam-nos a obter resultados.
“Estes são os princípios que possibilitam que uma entidade pequena realize ataques que, tradicionalmente, deviam ser realizados por entidades maiores – por vezes, de tamanho três vezes maior – e alcançar resultados,” disse o Tenente Comandante Seth Dzakpasu, comandante do Esquadrão do Barco Especial do Gana.
Com muitos países a procurarem alcançar o crescimento da sua economia azul — o comércio ligado aos oceanos e às vias fluviais — os proponentes acreditam que a infantaria naval deve desempenhar um papel na sua protecção. Podem fazer isso abraçando novos modelos de treinos, novas tecnologias e novas parcerias.
“É altura de investir na infantaria naval,” disse o Contra-Almirante da Marinha Senegalesa (Reformado), Samba Fall, um dos primeiros membros da unidade de comandos dos fuzileiros navais daquele país, que remonta ao ano de 1980. “Em muitos países africanos, as zonas ribeirinhas e as zonas de superfície marítima são maiores do que a sua zona continental. As novas ameaças estão a explorar este espaço marítimo e fluvial. Por isso, nós precisamos de expandir em termos de números e abraçar as novas tecnologias.”
CRIADOS PARA PREENCHER UMA LACUNA
No início do ano de 2000, o Delta do Níger passou a ser um lugar sem lei. Com mais de 3.000 riachos e centenas de pequenas ilhas, as milícias armadas tinham muitos lugares para se esconderem. Em 2007, militantes raptaram mais de 150 pessoas e lançaram muitos outros ataques contra infra-estruturas de petróleo. As embarcações navais e os treinos tradicionais demonstraram ser inadequados para conter a ameaça.
Em 2006, a Nigéria criou o Serviço de Barco Especial (SBS), uma unidade de elite criada para guerra assimétrica em ambientes ribeirinhos.
“A Marinha viu um desafio,” disse o Capitão Olayinka Aliu, comandante do Serviço de Barco Especial da Nigéria. “Se for para que as forças das operações especiais operem de forma eficaz, dentro do ambiente marítimo nigeriano singular, então, devem continuar as operações militares para além do ambiente marítimo tradicional e entrar para as zonas ribeirinhas. As operações ribeirinhas são, na essência, operações conjuntas, e é necessário ter algum tipo de capacidades de infantaria que as forças navais convencionais não tinham.”
A Nigéria moldou o seu SBS seguindo o modelo dos Fuzileiros Navais dos EUA e recebeu ajuda deles para desenvolver módulos de formação.
O Curso de Capacidade Operacional Básica do SBS, com duração de 24 semanas, é notoriamente rigoroso, com candidatos sendo obrigados a passar por privação de sono e demonstrar imensas capacidades de nado e resistência. O SBS expandiu-se para incluir cursos de guerra nas florestas, guerra no deserto, operações com anfíbios e operações nas zonas ribeirinhas. Um esquadrão de treinos faz a rotação constantemente para oferecer um curso de quatro a seis semanas para manter as habilidades apuradas.
Tudo isso é feito com o interesse de combatermos a criminalidade marítima.
“As coisas estão a mudar. A criminalidade marítima está constantemente a mudar. Quando se tem uma estratégia, uma outra coisa sempre aparece,” disse Aliu. “A criminalidade irá continuar a transformar-se, e é necessário que estejamos preparados como infantaria naval; é assim que podemos permanecer 10 passos em diante em relação ao criminoso.”
Desde 2022, o SBS estava envolvido em seis operações que variam desde a Operação Hadin Kai, no nordeste, para derrotar o Boko Haram e grupos relacionados, até à Operação Hadarin Daji, contra bandidos do noroeste. O SBS também enviou formadores para o Chade e para o Níger a fim de ajudar a desenvolver unidades de barcos para combaterem extremistas e traficantes na região do Lago Chade.
Aliu disse que a missão do SBS está a crescer. Agora, a maior parte do seu trabalho é em terra. Possui intenções de mudar o seu nome e melhorar para um comando de operações especiais em pleno. Ele acredita que, na Nigéria, a infantaria naval está a preencher uma lacuna de segurança.
“O que acontece na terra tem uma forma de moldar os eventos no mar,” disse Aliu. “Há que se descobrir que os piratas não vivem no mar; eles vêm de uma comunidade costeira. Existe uma necessidade de preencher esta lacuna entre o ambiente marítimo e o ambiente ribeirinho. E é aqui onde a infantaria naval entra.”
EXPANDIR A EDUCAÇÃO
Enquanto os países solicitam que as infantarias assumam novas tarefas, elas vêem a necessidade de formação e educação contínuas. Mas manter as habilidades apuradas é um desafio.
O Gana criou o seu Esquadrão de Barco Especial em 2016. O mesmo especializa-se em situações de abordagem oposta e outros cenários hostis como resgate de reféns. Os potenciais membros do esquadrão são voluntários de dentro da Marinha do Gana que foram avaliados e seleccionados para tentarem participar no curso de seis meses.
Dzakpasu, comandante do Esquadrão do Barco Especial da Marinha do Gana, disse que o curso é “extenuante” e “academicamente desafiador.” “O curso do SBS decorre em fases,” disse. “Foi concebido para primeiro condicionar os formandos para trabalhar em pequenos grupos e movimentar-se rapidamente, depois as outras fases desenvolvem a sua forma de pensar, a forma de pensar para conhecer as possibilidades que uma unidade militar padrão pode achar que são impossíveis.”
Ao longo da sua carreira, os operadores irão participar em cursos de actualização. Espera-se que todos os operadores ganhem as habilidades para serem instrutores e poderem treinar os outros.
Esta formação constante, disse Dzakpasu, marca a diferença. “Não se trata de obter equipamento mais sofisticado, mas de fazer uso daquilo que se tem disponível no melhor das suas capacidades para alcançar os seus objectivos,” sublinhou. “Também fornece as bases para planificar e ter missões definidas, para que não enfrentemos uma missão que esteja muito acima das nossas capacidades.”
Pelo mundo, a formação está a ser actualizada. A formação de fuzileiros está a tornar-se mais interactiva, mais personalizada e concebida para garantir que os formandos retenham conhecimentos em toda a sua carreira.
Mais oficiais não comissionados estão a receber formação estratégica e de liderança para que estejam prontos para tomar decisões quando estiverem a liderar pequenos esquadrões. O conceito de criar um “corpo estratégico,” um suboficial que tem a capacidade de liderar como um oficial, está a ganhar terreno.
“A ameaça está sempre a evoluir, é muito provável que se lute numa natureza muito dispersa,” disse o Major Trevor Hall, que desenvolveu os programas de treino para o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. “Como vocês estarão mais distanciados, não haverá oficiais por perto para tomar todas as decisões. Estas decisões são feitas a nível do esquadrão ou abaixo.”
Senegal é um dos países que está a investir na educação. Em Janeiro de 2022, o país abriu a sua École de la Marine Nacionale, uma escola naval com ênfase em garantir acesso dos marinheiros a cursos inovativos.
Os “recursos humanos” são o “coração” da Marinha, disse o Contra-Almirante Oumar Wade, chefe do Estado-Maior da Marinha Senegalesa. “Para nós, o principal pilar da segurança é a instrução, formação e manutenção das habilidades adquiridas na escola.”
Parcerias emergentes estavam em exposição durante o primeiro Simpósio Africano de Líderes da Infantaria Naval-África presencial, ocorrido em Dakar, nos dias 7 e 8 de Julho de 2022.
Líderes navais provenientes de 22 países africanos e outros oito países tiveram um intercâmbio de melhores práticas e debateram sobre desafios comuns. O evento terminou com a assinatura de uma carta em que todos os países se comprometeram a continuar a partilhar informação e a cooperar em questões de interesse comum.
A África Ocidental deu grandes passos em direcção à cooperação regional. Em 2023, o Código de Conduta de Yaoundé marcará o seu 10º aniversário. A arquitectura de segurança criada por este código agora permite patrulhas coordenadas e a livre troca de informação para rastrear e interceptar navios no Golfo da Guiné e não só.
Os participantes do simpósio observaram que a interoperabilidade entre as marinhas continua a ser um desafio, com as barreiras linguísticas, doutrinas, leis e equipamento por vezes a dificultarem as parcerias.
Mas, disse Wade, “a confiança é a palavra-chave,” observando que a confiança foi construída através de mais de uma década de exercícios conjuntos e cooperação.
“A predisposição para criar interoperabilidade existe, mas são os nossos oficiais que se reúnem constantemente que irão fazer com que o caminho seja possível,” assinalou Wade.
Algumas novas parcerias atravessam oceanos. O corpo de Fuzileiros Navais do Brasil criou um grupo de consultoria na Namíbia e em São Tomé e Príncipe e está a realizar eventos de formação noutros países africanos. O Capitão do Mar e Guerra, André Guimarães, do Corpo de Fuzileiros Navais Brasileiro, falou no simpósio e disse que a formação em diferentes ambientes é de vital importância para o desenvolvimento de um fuzileiro naval. Ele encorajou os líderes participantes a confiarem na formação e disse que o curso ribeirinho exigente do Brasil, no Amazonas, está aberto para fuzileiros navais de todas as partes do mundo.
“Muitas vezes, concentramo-nos muito no equipamento; todos queremos as melhores embarcações,” disse Guimarães. “Mas nós simplesmente precisamos de equipamento adequado com um operador atento e com formação constante. Toda a tecnologia do mundo não resolve muito se não tivermos, na unidade, fuzileiros navais prontos para serem líderes.”
Fall, com décadas de experiência, vê uma comunidade de líderes de infantaria naval, a nível mundial, a emergirem em África, com um propósito comum. Ele espera ver a troca de conhecimentos a continuar não apenas a nível estratégico, mas também a nível técnico.
“É essencial. Temos de criar intercâmbios,” disse. “Neste momento, não são países a agir sozinhos; precisamos de países que trabalhem juntos para enfrentar estas ameaças. Precisamos de coligações. Temos de estar do lado daqueles que procuram fazer a coisa certa, a coisa moral e a coisa democrática. Para podermos enfrentar as ameaças que estão sempre a emergir.”