Conversações Entre Quénia e Sudão do Sul Podem Ser um Modelo para Resolver Conflitos Fronteiriços

ADF STAFF

O Triângulo de Ilemi é uma faixa pouco habitada e mal demarcada de terra na fronteira entre o Quénia e o Sudão do Sul. Durante anos, analistas alertaram que esta pequena região árida possui um potencial para impulsionar um conflito transfronteiriço.

Contudo, o Quénia e o Sudão do Sul estão a dar passos para definir o controlo sobre o Triângulo de Ilemi, os quais podem constituir um modelo de como outros países africanos podem resolver disputas fronteiriças, afirmam os especialistas.

O Triângulo, que cobre entre 10.000 e 14.000 quilómetros quadrados, é um legado de fronteiras coloniais mal traçadas. Múltiplas pesquisas entre 1902 e 1950 criaram quatro configurações diferentes para o Triângulo.

A mais antiga destas pesquisas, conhecida como a Linha de Maud, concede todo o Triângulo de Ilemi ao que agora é o Sudão do Sul. Desde 1928, o Quénia tem administrado o Triângulo como parte do seu condado de Turkana no noroeste. Faz isso, utilizando os limites de 1950, conhecidos como a Linha de Patrulha do Sudão, que concede ao Quénia todo o Triângulo.

Este mapa mostra o Triângulo de Ilemi que está a ser disputado. As linhas verde, azul, rosa e vermelha representam as diferentes demarcações históricas da fronteira. WIKIMEDIA COMMONS

Durante várias gerações, a terra foi ocupada pelos pastores de Turkana que se movimentam entre o Triângulo de Ilemi e partes do Uganda. Actualmente, a possibilidade de a área do Triângulo de Ilemi poder ter petróleo aumentou o potencial para conflitos entre o Quénia e o Sudão do Sul.

O Triângulo de Ilemi é emblemático das disputas fronteiriças em toda África, que se transformaram em concorrência pelo controlo de recursos — particularmente o petróleo.

Somente na África Oriental:

  • O Sudão e o Sudão do Sul disputal a posse da região de Abiyei, rica em petróleo, um litígio que começou 50 anos atrás e tornou-se um problema fronteiriço quando o Sudão do Sul ganhou a sua independência, em 2011.
  • O Uganda e a República Democrática do Congo continuam a debater sobre o controlo de partes do Lago Albert e as regiões circunvizinhas que podem produzir petróleo, diamantes, ouro e coltan.
  • A Tanzânia e o Malawi disputam pelo controlo de terras ao longo do Lago Malawi, que podem produzir petróleo.
  • O Quénia e o Uganda estão em disputa pela posse da Ilha de Migingo, no lago Vitória, em parte, por causa de petróleo, mas também pelas unidades populacionais de peixe que lá existem.

Estes e outros conflitos fronteiriços representam um desafio para a política e diplomacia da região, de acordo com Al Chukwuma Okoli, um especialista em segurança, da Universidade Federal de Lafia, na Nigéria.

“Para além de criar tensão diplomática entre os países, a situação resultou na perda de vidas e de meios de subsistência,” Okoli escreveu recentemente no The Conversation. “Também desestabilizou a região — um retrocesso para a integração regional.”

Assim como a disputa sobre Abiyei, muitos dos conflitos fronteiriços de África decorrem há décadas sem resolução. Em muitos casos, a falta de uma resolução final reflecte o facto de que os países querem evitar que se perceba que estão a perder território ou recursos como parte de uma solução negociada, de acordo com Okoli.

O Quénia e o Sudão do Sul concordaram, em 2019, em criar uma comissão conjunta para a resolução do conflito sobre o Triângulo de Ilemi e das regiões fronteiriças ao redor. O lançamento da comissão decorreu em Fevereiro de 2023, depois que as tropas quenianas responderam no início daquele mês a um surto de violência entre os grupos étnicos de Turkana e Taposa que se localizam próximos da fronteira com o Sudão do Sul.

Neste processo, as tropas do Quénia entraram na comunidade de Nakodok, uma cidade que se situa na zona cinzenta entre os dois países. O mapa internacional mostra Nakodok no Quénia, mas o Sudão do Sul também a reivindica com base num acordo de 2009 herdado do Sudão para estabelecer um posto fronteiriço avançado em Nadapal, 10 quilómetros mais adiante no território queniano.

Alguns residentes e líderes do Estado de Equatória Oriental, do Sudão do Sul, protestaram a acção do Quénia como uma tentativa de usurpação de terra.

O Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros do Sudão do Sul, Deng Dau Deng, disse à Voz da América (VOA) que o seu país possui várias áreas com fronteiras não claras, incluindo com o Uganda. Ele apelou os sul-sudaneses para ficarem calmos e permitirem que os esforços de resolução decorram.

“Queremos informar os nossos jovens para serem calmos, serem pacientes. O vosso país está a abordar todas estas questões,” disse o Ministro à VOA.

Nakodok encontra-se localizada numa zona rica em petróleo a oeste do Triângulo de Ilemi, mas ilustra o que está em causa nas disputas fronteiriças em toda a África. A comissão conjunta Quénia-Sudão do Sul pode indicar o caminho para uma resolução pacífica para esta dificuldade e muitas outras, de acordo com Okoli.

“É necessário desenvolver um mecanismo regional de gestão fronteiriça que pode abordar de forma proactiva e multilateral as questões relacionadas com as fronteiras para encontrar uma resolução permanente,” escreveu Okoli. “A comissão conjunta da fronteira entre o Quénia e o Sudão do Sul é um passo na direcção certa.”

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