Na África Ocidental, a Costa do Marfim é vista como um bastião de estabilidade com um forte histórico de desenvolvimento económico. Especialistas acreditam que é por isso que as operações de desinformação russas nos países do Sahel liderados por juntas militares têm como alvo o processo democrático do seu vizinho costeiro.
Em Agosto, várias contas nas redes sociais com dezenas de milhares de seguidores espalharam notícias falsas sobre distúrbios violentos na capital, Abidjan, durante protestos pacíficos contra a candidatura à reeleição do presidente Alassane Ouattara.
As contas “tentaram mostrar que tinha havido uma insurreição para incitar a agitação,” afirmou a Agência Nacional para a Segurança dos Sistemas de Informação da Costa do Marfim. “De acordo com as nossas investigações, as contas responsáveis por esta campanha [de desinformação] são identificadas principalmente como tendo ligações com o Burquina Faso e os seus apoiantes.”
Um grupo burquinabê com 116.000 seguidores afirmou que “teriam sido ouvidos tiros na zona oeste da cidade e que dezenas de pessoas teriam sido mortas.”
Ouattara opôs-se veementemente aos golpes que levaram as juntas militares ao poder no Burquina Faso, no Mali e no Níger. Os três países abandonaram a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e criaram a sua própria Aliança dos Estados do Sahel, que está estreitamente alinhada com a Rússia. Em Março, uma campanha de desinformação alegou que Ouattara tinha morrido. Em Maio, outra campanha espalhou alegações falsas de que Ouattara tinha sido capturado num golpe. O Ministro das Comunicações da Costa do Marfim, Amadou Coulibaly, disse à BBC que o seu departamento de segurança cibernética rastreou a informação falsa até “países vizinhos.”
As operações de guerra de informação do Kremlin ajudaram a desestabilizar ainda mais o Sahel em meio ao aumento do terrorismo, anos antes de os líderes golpistas contratarem mercenários russos.
Em Fevereiro de 2023, redes de desinformação ligadas ao notório Grupo Wagner da Rússia espalharam rumores de um golpe no Níger. Em Julho, as forças armadas derrubaram o presidente democraticamente eleito. Um mês depois, a junta apelou ao Grupo Wagner para enviar ajuda.
Informações falsas ajudaram a Rússia a ganhar espaço no Sahel, e os pesquisadores documentaram como o Kremlin ajudou governantes militares no Burquina Faso, no Mali e no Níger a desenvolver as suas próprias operações de propaganda. Agora, eles estão de olhos postos na Costa do Marfim.
“Eles estão no olho do furacão,” um funcionário de um país da África Ocidental disse ao Conselho Europeu de Relações Exteriores.
“A Rússia e as equipas burquinabês treinadas pela Rússia estavam a direccionar grande parte dos seus recursos para a Costa do Marfim antes das eleições presidenciais no final de Outubro,” o investigador do Conselho Will Brown escreveu num documento de políticas de Outubro de 2025. “Moscovo desenvolveu uma poderosa máquina de propaganda que aproveita a antipatia existente em relação à Europa, particularmente à França, para aproximar os governos africanos dos seus objectivos de política externa.”
O Batalhão de Intervenção Rápida de Comunicação (BIR-C) é um grupo que partilha a propaganda da junta militar burquinabê nas redes sociais.
“Análises e investigações independentes revelaram contas ligadas às … juntas militares e, em alguns casos, controladas por elas, incluindo indivíduos directamente ligados à junta burquinabê, como os dois irmãos do [líder da junta] Capitão Ibrahim Traoré,” um analista de segurança baseado no Sahel disse à Agence France-Presse.
O irmão mais novo de Traore, Kassoum, é responsável pelas comunicações nas redes sociais do líder da junta. Ele é suspeito de estar por trás da BIR-C, juntamente com o irmão mais velho Inoussa, conselheiro especial de Traore e responsável pela economia digital, disse o analista.
Contas que apoiam os líderes militares do Burquina Faso, do Mali e do Níger partilham entusiasticamente críticas ao presidente da Costa do Marfim, disse Jeremy Cauden, co-director da Afriques Connectees, uma empresa de gestão de reputação online sediada em Abidjan.
“A chave para o sucesso da BIR-C é a sua capacidade de aproveitar os acontecimentos actuais, transformá-los em conteúdo distorcido e manipulado e divulgá-lo de forma coordenada e rápida através de contas muito activas com uma enorme audiência,” disse à AFP.
Beverly Ochieng, analista da empresa de consultoria Control Risks, espera que a campanha de desinformação continue.
“Desestabilizar o processo eleitoral da Costa do Marfim permite às juntas desviar a atenção das suas próprias transições [políticas prometidas] e justificar a sua permanência no poder, desacreditando as alternativas democráticas vizinhas,” disse à AFP.
