A guerra da Rússia contra a Ucrânia abriu uma frente perigosa em África, com o Kremlin a explorar e a enganar civis à procura de emprego para que façam parte da sua máquina de guerra.
As autoridades quenianas desmantelaram recentemente uma rede de tráfico de seres humanos acusada de visar cidadãos vulneráveis com falsas oportunidades de emprego, a fim de os atrair para a Rússia, onde seriam forçados a lutar contra a Ucrânia. No dia 24 de Setembro, a Unidade de Crime Organizado Transnacional da Direcção de Investigações Criminais do Quénia encontrou 21 homens quenianos que estavam “à espera de serem processados para a Rússia” nos Apartamentos de Great Wall, a menos de 20 quilómetros do Aeroporto Internacional Jomo Kenyatta, em Nairobi.
“Estávamos a preparar-nos para deixar o país rumo à Rússia quando os detectives bateram às nossas portas. Estávamos mesmo a assinar os documentos,” disse uma das vítimas ao meio de comunicação social Kahawa Tungu, sediado em Nairobi. Pai de três filhos do Condado de Kiambu, ele disse que estava com dificuldades financeiras e foi atraído pela promessa de um salário mensal superior a 1.900 dólares americanos.
“Um amigo disse-me que havia um emprego bem remunerado na Rússia,” explicou. “Deram-me o número da pessoa que estava a organizar a viagem. Falei com ele e ele disse-me o que fazer e o processo a seguir.”
Os detectives prenderam o queniano Edward Kamau Gituku, acusado de coordenar a viagem para a Rússia em várias datas em Setembro e Outubro. Eles recuperaram documentos que ligavam Gituku e uma empresa chamada Global Face Human Resource Ltd. a uma outra empresa chamada Ecopillars Manpower Ltd. para uma parceria de um ano para recrutar, seleccionar e enviar quenianos para a Rússia.
As vítimas disseram à polícia que assinaram acordos para pagar entre 13.000 e 18.000 dólares a uma agência de emprego no exterior não identificada para vistos, viagens, acomodações e outros serviços logísticos.
“Aqueles que não pagam dentro de 35 dias são cobrados uma multa diária de 1%,” disseram os investigadores quenianos. Algumas das vítimas indicaram que já tinham pago depósitos de até 774 dólares.
Horas após a operação, a investigação levou os detectives em Nairobi a prender Mikhail Lyapin, que, segundo a imprensa local, era funcionário da Embaixada Russa em Nairobi. Uma fonte disse ao jornal queniano The Standard que Lyapin estava “em processo de deportação.” A embaixada russa nega ter ligações com Lyapin e insiste que ele é um empresário.
“Os quenianos estavam a ser enganados para pagar quantias avultadas para garantir emprego na Rússia, mas acabavam por lutar,” afirmaram os investigadores quenianos. “Alguns teriam sido mortos, e os que sobreviveram ficaram com ferimentos causados por tortura ou com distúrbios psicológicos.”
Um queniano que sobreviveu à guerra, o praticante de atletismo Evans Kibet, de 36 anos, teria sido capturado no dia 17 de Setembro pelas forças ucranianas. Kibet disse que foi enganado para se alistar no exército russo. Ele explicou que um agente desportivo ofereceu a ele e a outros três quenianos uma viagem turística com todas as despesas pagas para São Petersburgo. Após o vencimento do visto de turista de duas semanas, o guia do grupo convenceu-os a ficar e trabalhar na Rússia.
“Ele veio à noite com documentos escritos em russo,” disse Kibet numa entrevista em vídeo. “Eu não sabia que era um trabalho militar. Ele disse-me para assinar e levou o meu passaporte e o meu telemóvel, e foi assim que tudo deu errado.”
Kibet disse que foi levado para um acampamento militar, onde lhe disseram que ele teria de servir ou seria fuzilado. Após uma semana de treino básico com armas, Kibet disse que fugiu durante a sua primeira missão de combate, refugiando-se numa floresta na região de Kharkiv e tirando o uniforme. Ele vagou por dois dias antes de encontrar e se render a uma patrulha ucraniana.
O Quénia iniciou uma investigação, de acordo com o secretário principal de Relações Exteriores, Korir Sing’Oei, que disse estar a trabalhar para verificar as alegações de Kibet e reunir mais informações da Embaixada do Quénia em Moscovo.
“Estamos a acompanhar atentamente as informações sobre três ou quatro quenianos que teriam sido traficados para a Rússia e actualmente mantidos como prisioneiros de guerra pela Ucrânia,” disse, de acordo com o site de notícias nigeriano Business Insider Africa.