Meses após os rebeldes do M23 lançarem uma ofensiva e tomarem as duas maiores cidades do leste da República Democrática do Congo, testemunhas oculares, as Nações Unidas e grupos de direitos humanos estão a acusar os militantes de uma série de possíveis crimes de guerra.
Os esforços do M23 para consolidar o controlo de Goma, capital da província do Kivu do Norte, incluíram a execução de pelo menos 21 civis, de acordo com a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW). O grupo disse ter recebido relatos credíveis de dezenas de outros assassinatos.
“O controlo brutal do M23 sobre Goma criou um clima de medo entre aqueles que são considerados aliados do governo congolês,” Clémentine de Montjoye, investigadora sénior da HRW para a região dos Grandes Lagos, disse num comunicado. “Os assassinatos em massa não parecem ser acções de combatentes rebeldes, mas sim esforços da liderança do M23 para consolidar o seu controlo por todos os meios necessários.”
Três carrinhas que transportavam dezenas de combatentes do M23 chegaram a várias partes do bairro de Kasika, em Goma, no dia 22 de Fevereiro, segundo testemunhas. O seu alvo era o acampamento militar de Katindo, um antigo quartel do exército. Alguns dos soldados e as suas famílias ainda viviam nas proximidades.
“Nem todos os soldados conseguiram fugir,” um morador local disse à BBC. “Alguns largaram as armas e ficaram na vizinhança.”
Havia relatos de crimes e actividades do Exército Congolês (FARDC), bem como do “Wazalendo,” grupos milicianos locais independentes alinhados com o governo.
“Eles começaram a disparar e levaram cerca de 25 pessoas das ruas,” um morador da área disse à HRW.
Testemunhas afirmaram que os militantes executaram sete pessoas perto de Katindo. Mais onze corpos, incluindo o de um menino, foram encontrados num estaleiro de obras a menos de 100 metros do acampamento. Os moradores disseram ter visto mais de uma dezena de corpos na Avenida Kasika.
“[O M23] mostrou-me os corpos das pessoas no chão e disse: ‘É isso que vamos fazer com vocês’,” uma mulher disse à HRW. “Eu vi 18 corpos. Outros estavam noutras ruas.”
No dia 23 de Fevereiro, combatentes do M23 reuniram pessoas, inclusive para recrutá-las à força, e mataram três homens que tentavam fugir.
“Os comandantes e combatentes que ordenaram ou cometeram directamente os abusos devem ser responsabilizados criminalmente,” a HRW disse no seu relatório de 3 de Junho.
Outras organizações relataram crimes cometidos pelo M23 desde o início da ofensiva, em Janeiro.
Em Maio, a Amnistia Internacional afirmou que os rebeldes mataram, torturaram e forçaram o desaparecimento de detidos, mantiveram alguns como reféns e os submeteram a condições desumanas em locais de detenção em Goma e Baucau, a capital da província do Kivu do Sul, controlada pelo M23.
“As declarações públicas do M23 sobre trazer ordem ao leste da RDC mascaram o tratamento horrível que dispensam aos detidos,” Tigere Chagutah, director regional da organização de direitos humanos para a África Oriental e Austral, disse num comunicado. “Eles punem brutalmente aqueles que acreditam ser seus opositores e intimidam os outros, para que ninguém ouse desafiá-los.”
Um outro relatório da Amnistia Internacional, publicado em Março, afirma que combatentes do M23 invadiram hospitais em Goma à procura de soldados congoleses feridos e levaram 130 pessoas, incluindo profissionais de saúde. Muitos foram torturados e alguns continuam desaparecidos.
O UNICEF, agência da ONU para a infância, informou que o número de casos de violação tratados em 42 centros de saúde no leste da RDC aumentou cinco vezes em Fevereiro, descrevendo-o como a pior violência sexual em anos. Quase um terço das vítimas eram crianças, disse a agência. Num caso, uma mãe disse que homens armados à procura de comida violaram as suas seis filhas, incluindo a mais nova, de 12 anos.
Especialistas dizem que o M23 provavelmente continuará a enfrentar desafios em Goma, pois não tem capacidade para garantir a segurança das grandes cidades.
“Goma e suas áreas periféricas enfrentam insegurança persistente desde que o M23 a capturou,” escreveram dois analistas na edição de 29 de Maio do Africa File, do Critical Threats Project. “Um grande número de combatentes Wazalendo e tropas das FARDC misturaram-se com a população em Goma em Janeiro e contribuíram para o aumento dos crimes violentos após o M23 capturar a cidade.”
Os residentes locais descrevem um estado de quase anarquia nos centros das cidades, onde gangues de homens armados, alguns fugitivos das prisões locais, atacam civis usando armas deixadas pelo exército.
“Antes, havia má governança, mas éramos livres,” um jovem residente de Goma disse à BBC. “Havia desvio de dinheiro. Havia má gestão e nós nos manifestávamos contra isso. Tivemos a oportunidade de ir a tribunal. Hoje, há má governação, mas vivemos no terror e no silêncio.”