Nas quase duas décadas desde que a União Africana lançou a sua missão para estabilizar a Somália, houve uma arma que causou os maiores danos. O grupo terrorista al-Shabaab utilizou repetidamente dispositivos explosivos improvisados para destruir a paz, espalhar o medo e fazer descarrilar o progresso.
Os terroristas colocam as bombas, também conhecidas como DEI, nas principais rotas de abastecimento, em mercados com muita gente e em todo o lado. O Serviço de Acção contra as Minas das Nações Unidas chamou a estas bombas caseiras um “problema de 20 dólares que requer uma solução de um milhão de dólares.”
Em 2007, o primeiro ano da missão da UA, foram registados 57 ataques com DEI na Somália. Em 2023, 600 ataques com DEI resultaram em 1.500 mortes. No início da insurgência, o grupo terrorista pode levar um ano a construir um dispositivo explosivo improvisado transportado por veículo (VBDEI) capaz de matar dezenas de pessoas. Em 2023, o al-Shabaab estava a detonar vários VBDEI por mês.
“O al-Shabaab considera agora os DEI como a sua arma de eleição,” o Coronel Wilson Kabeera, comandante da Escola de Engenheiros de Combate do Uganda, disse à ADF. “Tem evoluído ao longo do tempo.” Kabeera acrescentou que as primeiras bombas eram simples explosivos de 5 quilos accionados por uma placa de pressão, enquanto os DEI actuais podem conter uma carga explosiva de 100 quilos.
Entre 2015 e 2022, os ataques com DEI multiplicaram-se na África Oriental numa altura em que os grupos terroristas visavam civis e militares.

A Somália não é o único foco de DEI. Os terroristas estão a utilizar DEI em Moçambique, no Sahel e na Bacia do Lago Chade. Na Nigéria, os ataques com DEI, sobretudo por parte do Boko Haram, são a forma mais mortífera de violência, sendo responsáveis por 84% dos civis mortos em ataques terroristas.
No segundo semestre de 2024, grupos extremistas nigerianos fizeram manchetes ao voltarem à táctica dos atentados suicidas. A África Ocidental registou um aumento drástico dos ataques com DEI, passando de quatro incidentes em 2013 para 540 em 2021.
Os especialistas acreditam que cabe a qualquer exército que enfrente uma insurgência investir em formação e tecnologia contra os DEI, principalmente porque os civis são a esmagadora maioria das vítimas.
“O perigo para os civis é bastante grande,” disse Sean Burke, gestor do programa de combate aos dispositivos explosivos improvisados (C-DEI) no Comando dos EUA para África. “Portanto, o problema é que, se estamos a tentar proteger a nossa população e estabelecer ou manter um país estável, este é um dos perigos que definitivamente tem de ser combatido.”
Um Passo à Frente dos Adversários
Um DEI é normalmente definido como qualquer explosivo que não é fabricado industrialmente ou produzido de forma normalizada. Muitas vezes, é fabricado através da montagem manual de componentes que são desviadas da sua utilização prevista.
A utilização de DEI no campo de batalha remonta ao século XVI, quando os soldados cavavam poços conhecidos como “fougasses” e os enchiam de explosivos para acender um rastilho e detoná-los quando um inimigo se aproximasse. Ao longo dos anos, quando explosivos industriais como o TNT, a nitroglicerina e a pólvora negra se tornaram amplamente disponíveis, a prática generalizou-se. Os DEI têm sido utilizados na maioria dos conflitos desde o século XIX. Constituem um dos instrumentos preferidos dos grupos insurgentes que se dedicam à guerra assimétrica a nível mundial.
Os DEI incluem normalmente várias componentes simples: uma fonte de energia, um interruptor que activa o dispositivo, um iniciador que o acende e um agente explosivo. As categorias gerais são:
Um DEI de comando, em que o criminoso controla a explosão.
Um DEI temporizado, concebido para explodir num determinado momento e que é activado por meios eléctricos ou químicos.
Um DEI accionado pela vítima, que é activado quando esta pisa uma placa de pressão ou quebra um fio de disparo.
Um DEI projectado, que é lançado contra o alvo pretendido.
Um DEI suicida, que é detonado por atacantes para se matarem a si próprios e a outros.
Kabeera afirmou que os dispositivos utilizados actualmente são mais baratos, mais mortais e mais difíceis de detectar. Muitos são controlados por rádio e têm uma carga explosiva concebida para lançar um penetrador moldado que pode perfurar a blindagem do veículo. O gatilho pode ser algo tão amplamente disponível como um alarme de mota ou um telemóvel.

O objectivo é causar o máximo de carnificina e pânico. Algumas bombas utilizadas na Somália foram concebidas para serem activadas quando as forças de segurança passam um detector de metais por cima delas. Noutros casos, os DEI secundários são estrategicamente colocados para atingir o pessoal médico e os socorristas após uma explosão inicial.
Os especialistas em C-DEI têm de correr constantemente para se manterem um passo à frente dos adversários em termos de tecnologia e tácticas.
“A formação e a reciclagem devem manter-se durante toda a operação para compensar a tendência humana para a complacência,” disse Kabeera. “Através da sensibilização, formação, actualização e sensibilização para as ameaças, tanto para os operadores de C-DEI como para as tropas de infantaria, todos estão conscientes da situação e sabem o que fazer.”
O Uganda esforçou-se por melhorar a sua formação. Todos os soldados da Força de Defesa Popular do Uganda (UPDF) destacados para a Somália frequentam cursos sobre a neutralização de DEI e outros engenhos, cursos de sensibilização para os riscos dos explosivos e sobre como procurar DEI nas estradas. Existem cursos de actualização durante o destacamento. A UPDF também está a formar especialistas em investigação pós-explosão, tratamento de traumas de combate e contramedidas electrónicas, entre outras coisas.
No campo de batalha, segundo Kabeera, as tropas adoptaram uma abordagem que incorpora informações recolhidas de civis e da vigilância aérea. As tropas são informadas sobre os DEI antes de qualquer operação e existem estratégias para proteger as zonas libertadas dos ataques de DEI.
“O progresso feito pela UPDF tem sido muito eficaz, mas não é suficiente para mitigar e derrotar os grupos terroristas por si só, sem o envolvimento de parceiros,” disse Kabeera. “É necessário mais apoio por parte dos Aliados e Parceiros, e é essencial a orientação do pessoal da UPDF através de especialistas na matéria para evitar a perda de competências. No entanto, a abordagem C-DEI da UPDF dotou as nossas equipas dos atributos correctos para derrotar os DEI.”

Um Impulso Continental
Em toda a África, as forças armadas estão a investir na formação em C-DEI com currículos avançados, novas instalações e tecnologia. Os EUA e outros parceiros, incluindo a França, a Alemanha, a Itália e o Reino Unido, tentaram normalizar a formação utilizando apenas módulos do currículo da ONU para a destruição de DEI, o que permite a continuidade da formação entre parceiros.
A Tunísia emergiu como um líder continental e está a fazer progressos no sentido de ter o primeiro Centro de Excelência C-DEI de África certificado pela ONU. O centro de Túnis está totalmente equipado com peritos e tem capacidade para ministrar o conjunto completo de cursos sobre C-DEI e neutralização de engenhos explosivos.
O Quénia está a construir um centro de formação em C-DEI em Embakasi, na sua Escola Humanitária de Apoio à Paz, que já oferece cursos a estudantes militares de todo o continente. Em Agosto de 2024, o Quénia acolheu a 6.ª Conferência sobre Dispositivos Explosivos Improvisados.
O Senegal está a expandir a formação em C-DEI no seu Centro de Formação de Desminagem de Bargny e está a construir uma nova escola de engenharia militar no mesmo local. Em 2023, os desminadores senegaleses tornaram-se os primeiros a concluir o curso de Derrota de Dispositivos Explosivos Improvisados da ONU com a ajuda de instrutores do Exército dos EUA.
Os defensores esperam que o aumento das competências locais permita que as equipas de instrutores africanos exportem conhecimentos sobre C-DEI para todo o continente e que as novas instalações africanas permitam um maior acesso à formação.
“Estão a começar a partilhar o peso da formação,” disse Burke. “É esse o significado disso. Isso mostra que os nossos parceiros africanos têm os conhecimentos necessários.”
O aspecto mais difícil do trabalho com os C-DEI é interromper a cadeia de abastecimento que permite aos grupos extremistas produzir os engenhos. A formação sobre “atacar a rede” é difícil porque muitas das componentes utilizadas em simples DEI também têm aplicações civis. Artigos como iniciadores eléctricos, cordões detonantes, telemóveis e precursores de explosivos, como o nitrato de amónio, são necessários para a construção, a agricultura e outras actividades comerciais. No entanto, segundo os especialistas, a única forma de acabar com o problema é atacar as cadeias de abastecimento de DEI, os fabricantes de bombas, os financiadores e as oficinas.
“Se não tentarmos ir atrás dos bandidos, dos fornecedores e dos financiadores de todas as pessoas que são necessárias para apoiar esse tipo de operações, então é um jogo de Whac-A-Mole, e nunca vamos conseguir chegar à frente,” disse Burke.
Na Somália, certos materiais explosivos, precursores e artigos como os detonadores são controlados e requerem autorizações especiais de importação. Contudo, os limites à importação tiveram pouco efeito. Uma avaliação concluiu que cerca de 60% dos explosivos utilizados nos ataques do al-Shabaab perto da fronteira com o Quénia tinham sido obtidos através da captura de munições não deflagradas, como cartuchos de artilharia, ou do roubo de munições militares.
“Os operativos do al-Shabaab não precisam de ir ao estrangeiro para obter materiais básicos para os DEI, a maior parte dos quais são adquiridos localmente. Para além das munições não deflagradas que cobrem o país após um quarto de século de conflito, o al-Shabaab recebe dos seus inimigos as principais cargas de DEI,” Daisy Muibu e Benjamin Nickels escreveram para o Centro de Combate ao Terrorismo em West Point. “Através da apreensão e compra de material disponível na Somália, o al-Shabaab tem todas as peças de que necessita para os DEI.”
Os especialistas em C-DEI afirmam que necessitam de formação forense para detectar a origem das componentes dos explosivos e de uma melhor gestão e contabilização dos stocks para garantir que as munições militares não caem em mãos inimigas. É igualmente necessário criar parcerias regionais para acompanhar as importações suspeitas ou a circulação de mercadorias através das fronteiras.
“É necessária uma abordagem holística e, para ser eficaz, esta abordagem deve abranger uma vasta região geográfica,” os investigadores do Small Arms Survey escreveram num relatório sobre o tráfico de componentes de engenhos explosivos na África Ocidental. “Sem uma abordagem sincronizada e comum a nível regional, os traficantes limitar-se-ão a identificar novas fontes clandestinas e a tirar partido de leis e regulamentos fracos e inconsistentes para obterem os materiais que procuram. Há algumas desvantagens numa abordagem regional e muitos benefícios potenciais.”