Em Março, os vídeos gráficos de um massacre nas aldeias que rodeiam a cidade de Solenzo, no Burquina Faso ocidental, espalharam-se rapidamente nas redes sociais. Dezenas de corpos sem vida — na sua maioria mulheres, crianças e idosos — foram espalhados pelo chão com as cabeças cobertas e as mãos e os pés atados.
Armados com espingardas de assalto e armas brancas manchadas de sangue, os perpetradores usavam uniformes e camisetas que os identificavam como uma mistura de forças de segurança burquinabês, grupos de autodefesa locais e a milícia apoiada pelo governo conhecida como Voluntários para a Defesa da Pátria (VDP). Muitos tiravam fotografias e faziam vídeos com os seus smartphones enquanto caminhavam entre os corpos.
“Famílias inteiras de pastores Fulanis foram mortas nos arbustos de Solenzo, nas zonas de Bema e Ban,” um residente local disse à Agence France-Presse, sob condição de anonimato. “Aconteceu entre 10 e 11 de Março. Membros desta comunidade que viviam em Solenzo há décadas foram massacrados pelos VDP e pelas forças de defesa e segurança.”
Depoimentos de testemunhas e sobreviventes e pelo menos 11 vídeos publicados em plataformas de redes sociais detalharam execuções, cadáveres queimados, valas comuns e casas totalmente incendiadas. A junta militar no poder no Burquina Faso negou os relatos e considerou os vídeos como sendo falsos.
De acordo com o Burkinabe Democrats Panel, um grupo de defesa de direitos civis, o massacre teve como alvo o povo Fulani, um grupo étnico essencialmente da África Ocidental, conhecido pela pastorícia seminómada. Há muito que os Fulani são acusados de apoiar os grupos extremistas insurgentes violentos que se espalharam pela região.
“Já vimos isso antes,” o presidente interino do painel, Aboubacar Tall, disse ao analista de segurança, Zagazola Makama. “Esta é uma continuação do extermínio sistemático de civis sob o pretexto de combate ao terrorismo.”
O massacre enquadra-se num padrão de ataques de vingança por parte dos insurgentes, das forças de segurança e dos VDP. De facto, a Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), filial da al-Qaeda, respondeu com uma vaga de ataques de retaliação, incluindo um grande assalto a 28 de Março contra uma base em Diapaga.
A JNIM terá morto 30 soldados e 20 membros dos VDP e capturado três veículos militares, 13 motociclos e centenas de armas e caixas de munições. Num vídeo de 8 de Abril em que reivindicava o ataque, um líder da JNIM chamou a Diapaga “o início da vingança de Solenzo.”
Estes últimos surtos de violência reacenderam um debate burquinabê sobre a composição étnica das milícias dos VDP e sobre a sua predisposição para a violência contra grupos rivais, independentemente de estarem ou não alinhados com terroristas.
“Muitas vezes, compostos por homens indisciplinados e mal treinados, com um forte desejo de vingança, os VDP tem exacerbado enormemente os ciclos de conflito étnico ao visar sistematicamente as comunidades que acredita serem cúmplices da violência e das actividades extremistas,” o analista Charlie Werb num artigo de 28 de Março escreveu para o The African Insight.
“A violência cometida contra [os Fulani] pelas forças do Estado empurrou mais membros da comunidade que procuravam vingança ou protecção para os braços dos grupos terroristas, enquanto outros decidiram viver ou cooperar com os extremistas devido à falta de melhores alternativas.”
Ao descrever em pormenor o massacre de Solenzo, a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) falou com um homem de etnia Fulani que fugiu da zona de Solenzo há mais de um ano.
“Todos os ataques jihadistas são acompanhados de uma represália,” disse. “Actualmente, ser Fulani é sinónimo de ser terrorista. … Os membros da minha família ainda se encontram em Bèna [a 16 quilómetros de Solenzo] e receio que alguns deles também possam ter sido atacados.”
Ilaria Allegrozzi, investigadora sénior da HRW para o Sahel, afirmou que o massacre de Solenzo sublinha a falta de responsabilização dos VDP e de outras milícias alinhadas com o governo.
“À medida que o conflito armado no Burquina Faso entra no seu nono ano, as forças de segurança e as milícias suas aliadas e os grupos armados islâmicos estão a cometer crimes graves contra uma população exausta, sem receio de consequências,” disse num comunicado de 14 de Março. “Uma resposta concertada das autoridades às informações que implicam as milícias em Solenzo enviaria uma mensagem de que o governo leva a sério o fim da impunidade.”