EQUIPA DA ADF
Com arcos, fisgas e lanças na mão, os jovens aldeões avançaram em fila numa floresta na cidade de Pala, no sudoeste do Chade. À medida que a luz da manhã se espalhava por entre as árvores, alguns rastejavam por entre a vegetação rasteira enquanto outros se agachavam atrás de eucaliptos.
O seu líder fez um sinal e eles dividiram-se em pequenos grupos. Um outro sinal parou os homens e eles apontaram as armas para um alvo imaginário.
“Libertem os reféns e baixem as armas,” gritaram, segundo a Agence France-Presse. O exercício de treino foi concebido para preparar a probabilidade de enfrentar os raptores na zona.
O comité de vigilância Pala-Coton Tchad é um dos vários grupos de vigilantes que se formaram para combater o flagelo dos raptos que assola a região de Mayo-Kebbi Ouest há mais de 20 anos.
Nesse período, houve mais de 1.500 vítimas, de acordo com as estimativas de uma organização não-governamental chadiana chamada Organização de Apoio às Iniciativas de Desenvolvimento, que tem monitorizado o problema desde o início da década de 2000.
Segundo a Comissão Europeia, a região de Mayo-Kebbi Ouest, uma das mais populosas do país, é o epicentro de uma epidemia de raptos que se espalhou pela região da tríplice fronteira entre o Chade, a República Centro-Africana (RCA) e os Camarões. Os residentes locais chamam-lhe o “Triângulo da Morte.”
Na ausência de apoio adequado por parte das autoridades locais no Chade, os residentes encarregaram-se de organizar grupos de vigilantes.
Amos Mbairo Nangyo, de 35 anos, director de uma empresa de segurança em Pala e coordenador dos comités de vigilância e fiscalização de Mayo-Kebbi Ouest, disse que os grupos funcionam como unidades de informação que passam informações às forças de segurança.
“Orientamos os gendarmes no mato, mas também somos os primeiros a ir atrás dos criminosos após um rapto,” disse à AFP. “Nós perseguimo-los, armados com os nossos arcos e as nossas lanças.”
Ulf Laessing, director do programa sobre Sahel, da Fundação Konrad Adenauer, um grupo de reflexão alemão, disse que a guerra no Sudão deslocou as preocupações de segurança do Chade para a sua fronteira oriental.
“Eles mudaram a sua capacidade para controlar melhor a fronteira,” disse ao jornal britânico The Guardian em Julho. “Esta pode ser a razão pela qual não são capazes de vigiar eficazmente a fronteira com os Camarões como antes.”
As autoridades chadianas afirmaram que os resgates pagos na região de Mayo-Kebbi Ouest em 2022 foram de cerca de 43 milhões de francos CFA centro-africanos (cerca de 71.000 dólares americanos), um valor que aumentou para 52,4 milhões de francos CFA em 2023.
Cerca de 86 milhões de francos CFA foram pagos como resgate em seis incidentes ocorridos entre Fevereiro e Maio de 2023 na região do norte dos Camarões, de acordo com um relatório de Janeiro de 2024, da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC).
“Apesar de as operações militares contra os zaraguinas (o termo genérico para os bandidos) terem proporcionado ganhos moderados na região do Norte em 2022, a história da criminalidade no norte dos Camarões sugere que a pressão militar é susceptível de apenas deslocar geograficamente a violência ou catalisar uma transformação na dinâmica criminal da região,” afirma o relatório.
O GI-TOC alertou para o facto de a crescente onda de raptos poder “causar perturbações económicas prejudiciais em toda a região … numa altura em que os Camarões se tornam a principal artéria comercial do Chade e da RCA. A maioria das importações e exportações para estes países passa actualmente pela região da tríplice fronteira.”
Os chefes dos serviços camaroneses e chadianos reuniram-se em Yaoundé, nos Camarões, em Outubro de 2023, para debater a colaboração na luta contra a criminalidade transfronteiriça. Mas os especialistas acreditam que é necessário um esforço regional mais alargado para desmantelar as redes criminosas que operam nas florestas remotas da região.
Nangyo disse que mais de 4.000 jovens da região de Mayo-Kebbi Ouest se juntaram a grupos de vigilantes, embora admita que os seus arcos e fisgas não estejam à altura dos raptores fortemente armados.
“É um trabalho voluntário perigoso, e pedimos ao Estado recursos para nos podermos deslocar — motas e cavalos ou mesmo apenas botas,” disse.
É um problema complexo que exige mais atenção, disse Timothée Fenessoubo, um advogado de Pala e membro de um colectivo jurídico regional formado em Fevereiro de 2023 para ajudar as vítimas de rapto.
“Os residentes locais estão a abandonar as suas terras para se refugiarem nas cidades e aldeias,” disse ao jornal francês La Croix em Julho. “A agricultura e a pecuária permitem às famílias pagar a educação dos seus filhos. Se o governo não resolver este problema e não ajudar as vítimas, a região pode se incendiar.”