Partes Beligerantes no Sudão usam o Acesso aos Alimentos como Arma

EQUIPA DA ADF

De todas as armas de que dispõem, os dois generais em guerra no Sudão voltaram-se nos últimos meses para uma arma que é barata, familiar e devastadora: a fome.

“Tanto as SAF (Forças Armadas do Sudão) como as RSF (Forças de Apoio Rápido) estão a utilizar os alimentos como arma e a matar civis à fome,” afirmou recentemente um painel de peritos das Nações Unidas. Descreveram a situação no Sudão como sem precedentes.

Cerca de 25,6 milhões de pessoas — metade da população do Sudão — enfrentam uma crise alimentar em 14 circunscrições, incluindo Darfur, Cartum e al-Gezira, o coração da zona agrícola do Sudão. Segundo os especialistas, até Outubro, 2,5 milhões de pessoas poderão morrer de fome.

A guerra perturbou a produção agrícola do Sudão, após o ano de 2023 em que a produção alimentar também foi inferior ao normal.

“Esta situação terrível não é o resultado de uma má colheita ou da escassez de alimentos induzida pelo clima,” o especialista sobre o Sudão, Alex de Waal, director-executivo da World Peace Foundation, escreveu recentemente. “É a consequência directa das acções de ambos os lados da terrível guerra civil do Sudão.”

Juntamente com a fome, doenças como a malária estão a propagar-se entre as populações enfraquecidas pela fome.

À medida que os combatentes das RSF se deslocavam pelo sul do Sudão, de Darfur a Sennar, saqueavam casas e lojas, retirando tudo o que podiam levar. Estão também a invadir armazéns de ajuda internacional. As comunidades que eles conquistam ficam sem nada.

“Os combatentes das RSF actuam como gafanhotos humanos,” escreveu de Waal.

No Darfur do Norte, onde as RSF cercaram a capital controlada pelas SAF, el-Fasher, os habitantes chegaram a comer terra para sobreviver.

Garang Achien Akok e a sua família fugiram para o Darfur do Norte em Dezembro, depois de milicianos árabes terem atacado a sua comunidade e queimado a sua casa. Akok disse à Reuters que assiste impotente à sua mulher e filhos enrolarem terra em bolas e engolirem-na com água.

“Estou sempre a dizer-lhes para não o fazerem, mas é a fome,” disse. “Não há nada que eu possa fazer.”

Noutros locais da região do Darfur, el-Geneina, a capital do Darfur Ocidental, é a cidade africana mais afastada de um porto marítimo. Em tempos normais, as entregas demoram semanas a chegar. Desde que as RSF assumiram o controlo do Darfur Ocidental, a região está completamente isolada dos abastecimentos.

Por seu lado, as SAF utilizam o seu controlo sobre Port Sudan para bloquear o transporte de alimentos e outras importações para regiões fora do seu controlo. A estratégia tem como objectivo virar os combatentes das RSF contra a sua liderança.

As organizações internacionais apelaram às SAF e ao seu líder, o General Abdel Fattah al-Burhan, para que cedessem e permitissem que as colunas de ajuda atravessassem as linhas da frente e entrassem no território controlado pelas RSF. Al-Burhan, o presidente de facto do país, continua a recusar-se a fazê-lo.

Os especialistas dizem que al-Burhan está a tirar uma lição da história do Sudão ao usar a fome como arma contra os seus inimigos. Nas décadas de 1980 e 1990, os dirigentes sudaneses tentaram matar de fome os rebeldes do então sul do Sudão, a fim de pôr termo a uma rebelião nesse país. Segundo os analistas, os líderes sudaneses acabaram por ceder à pressão internacional e, mais tarde, consideraram essas entregas de ajuda como uma razão fundamental para a rebelião que levou à independência do Sudão do Sul em 2011.

“Ainda hoje, os generais que lideraram esses esforços lamentam que a ajuda humanitária internacional os tenha impedido de levar essa guerra de fome até à sua conclusão lógica,” escreveu de Waal.

Os peritos da ONU apelaram a ambas as partes para que deixassem de bloquear a ajuda e de pilhar os recursos locais. De Waal vê isso como improvável.

“É provável que nenhuma das partes ceda por si só,” escreveu de Waal. “A fome é barata e eficaz, e sem uma forte pressão internacional. Os líderes esperam sair impunes.”

Comentários estão fechados.