A Linha Férrea de Bitola Padrão construída pela China no Quénia devia ser rentável através do transporte de carga de Mombaça para a República Democrática do Congo, o Ruanda e o Uganda, trazendo depois as mercadorias desses países de volta ao Quénia.
Um estudo de viabilidade chinês que serviu de base ao projecto afirmava que a linha férrea, também conhecida por SGR, movimentaria 22 milhões de toneladas de mercadorias por ano, ou seja, 20 comboios por dia. De acordo com algumas estimativas, a linha férrea movimenta apenas cerca de um quarto desse volume de carga.
As críticas ao projecto abundam devido às suas deficiências, à natureza opaca do seu negócio e à dívida que gera.
“Disseram que este comboio era um progresso, mas de quem é este progresso?” Daniel Tipape, um mototaxista que trabalha perto da linha de chegada do comboio, disse ao The New York Times. “Às vezes, construímos coisas só por construir.”
A construção do projecto de 4,7 bilhões de dólares começou em 2014. Parou muito antes do Uganda, quando as preocupações com o reembolso levaram os credores chineses a limitar o financiamento.
A linha férrea termina agora a mais de 300 quilómetros da fronteira com o Uganda. O Uganda desistiu do projecto — que faz parte da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) da China — optando por recorrer a uma empresa turca para desenvolver a sua parte da linha férrea.
“A SGR é uma perturbação económica, social e fiscal,” o economista queniano Tony Watima disse ao The New York Times. “A perturbação que criou na economia queniana será sentida durante anos.”
“O futuro da linha férrea é incerto, uma vez que a China continua a reduzir o financiamento e o Quénia continua a ter de pagar os empréstimos de quase 5 bilhões de dólares contraídos junto de bancos chineses.
Muitos dos empréstimos da China ao Quénia e a outros países africanos são empréstimos de “não-concessão” através de instituições como o Banco de Exportação e Importação da China. Por isso, não podem ser perdoados. Pelo contrário, os empréstimos são, muitas vezes, renegociados de forma a prolongar os seus prazos e pagamentos para além dos prazos originais.
O economista queniano, Victor Kimosop, argumentou que o projecto podia ter sido realizado de forma diferente.
“Gostaria que os responsáveis pela SGR tivessem olhado para o reembolso,” disse Kimosop à Voz da América. “Trata-se de um projecto de investimento maciço… para ser reembolsado em 20, 30 anos. Isso era bastante ambicioso. … A outra coisa é também o nosso modelo de desenvolvimento, em compensações. Torna o desenvolvimento muito caro… e também abre espaço para a corrupção.”
O Council on Foreign Relations, um grupo de reflexão dos Estados Unidos, afirmou que muitos dos acordos da ICR exigem o recurso a empresas chinesas, o que conduz a custos inflacionados.
Kingsley Moghalu, antigo vice-governador do Banco Central da Nigéria, afirmou que os problemas internos que afectam a economia chinesa levaram a uma diminuição drástica do financiamento dos projectos da ICR.
“Os níveis de financiamento nos últimos dois anos não ultrapassaram os 2 bilhões de dólares em todo o continente,” disse Moghalu à BBC. Este valor está estimado em menos 10 a 20 bilhões de dólares do que há uma década, acrescentou.
Contudo, o interesse de Pequim nos projectos africanos da ICR não diminuiu.
No início de Fevereiro, a China anunciou um plano para gastar mais de 1 bilhão de dólares na remodelação de uma linha férrea que liga a cintura de cobre da Zâmbia ao porto de Dar es Salaam, na Tanzânia, no Oceano Índico, informou a Bloomberg. A China construiu e financiou a linha férrea de 1.860 quilómetros, conhecida como Tazara, na década de 1970, mas esta encontra-se em mau estado de conservação e funciona actualmente com uma fracção da sua capacidade.
A Tanzânia e a Zâmbia concordaram em entregar a concessão da linha férrea a uma empresa estatal chinesa, a China Civil Engineering Construction Corp., informou o The Maritime Executive.