No Burquina Faso, ‘Diariamente uma Cidade ou Aldeia É Cercada’

EQUIPA DA ADF
 
Os insurgentes mataram cerca de 100 pessoas, na sua maioria crianças e idosos, na aldeia de Zaongo, no norte do Burquina Faso, no início de Novembro.

Um procurador local disse que os assaltantes eram desconhecidos, mas que grupos rebeldes ligados à al-Qaeda e ao grupo do Estado Islâmico (EI) operam na zona.

Durante meses, esses grupos cometeram crimes de guerra contra civis e bloquearam o acesso a alimentos e água em 46 localidades, informou a Amnistia Internacional. Os ataques ocorrem geralmente em zonas controladas por grupos terroristas, cerca de 30% do Burquina Faso.

“Hoje em dia, diariamente uma cidade ou aldeia é cercada,” o dirigente de uma organização da sociedade civil disse à Amnistia Internacional. “Arbinda tem estado sob cerco desde 2019. A situação é semelhante em Gorgadji, Sollé, Mansila e Titao e os riscos para os habitantes são reais.”

A violência em todo o país tem aumentado nos últimos anos. O Burquina Faso registou 1.135 mortes atribuídas a terroristas em 2022, um aumento de 50% em relação a 2021, de acordo com um relatório do Índice Global de Terrorismo de 2023 publicado em Março.

Desde os golpes militares de Janeiro e Setembro de 2022, o número de pessoas mortas por “violência militante islamita” quase triplicou em comparação com o período de 18 meses antes do golpe de Janeiro, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos de África.

O grupo extremista Ansaroul Islam, em particular, intensificou os ataques contra civis nos últimos anos.

“No início, eles [os combatentes do Ansaroul Islam] só visavam os soldados, mas desde a chegada de voluntários das comunidades vizinhas a Djibo, há menos de um ano, são muito mais assertivos e visam também civis,” disse um entrevistado à Amnistia Internacional. “Estes voluntários chegaram por volta da época das colheitas de 2021. São, na sua maioria, pessoas deslocadas de Pobe-Mengao, Nassoumbou, Belehede e algumas pessoas de Djibo.”

As respostas do exército burquinabê e dos Voluntários para a Defesa da Pátria (VDP), uma força civil, aumentam por vezes as ameaças aos civis.

Em Novembro de 2022, as forças burquinabês atacaram Holdé, uma aldeia perto de Djibo que era controlada pelo Ansaroul Islam. Durante o ataque, combatentes em veículos e motorizadas desceram sobre a aldeia e mataram pelo menos 49 pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, de acordo com sobreviventes entrevistados pela Amnistia Internacional.

O Ansaroul Islam e outros grupos extremistas visam frequentemente zonas onde os residentes apoiam os VDP.

Em Junho de 2022, um posto dos VDP em Seytenga, uma aldeia a cerca de 10 quilómetros da fronteira com o Níger, foi evacuado pelo exército depois de um ataque do EI ter matado nove gendarmes.

No dia seguinte, os combatentes do EI cercaram a aldeia. Os homens armados iam de casa em casa, matando indiscriminadamente os homens. Mais de 86 pessoas, na sua maioria civis, foram mortas durante o ataque, que durou cerca de 14 horas.

“Os agressores eram muitos,” disse um sobrevivente à Amnistia Internacional. “Por volta das 21 horas, pararam de disparar para afugentar os animais e voltaram para saquear as lojas de Seytenga. Eu morava em Ouro Loumo e perdi seis parentes. Boubacar Soria foi morto à frente do meu filho de 11 anos. Ele conduzia um triciclo com o seu aprendiz. A criança diz que eles foram alvejados e que se baixaram. Estou traumatizado.”

Os residentes das zonas sitiadas afirmam que os grupos terroristas também roubam gado, bloqueiam rotas comerciais, atacam comboios de ajuda e destroem pontes e infra-estruturas hídricas sem consequências. Estas são ameaças críticas numa nação onde 4,9 milhões de pessoas necessitam de ajuda humanitária, de acordo com o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas.

Algumas pessoas deslocadas internamente (PDI) disseram à Amnistia Internacional que o Mercado de Djibo, outrora um dos mercados de gado mais conhecidos e importantes da África Ocidental, estava “completamente morto,” disse Ousmane Diallo, um investigador do escritório da organização na África Ocidental e Central, durante uma conferência de imprensa em Novembro.

“Não há mais produtos,” disse Diallo. “Não há mais nada para comprar, não há mais nada para vender. Mesmo que um habitante de Djibo tivesse dinheiro, seria muito difícil comprar alimentos, porque o mercado está completamente desabastecido.”

Os grupos terroristas também proíbem as comunidades de cultivar ou aceder a pastagens. Em algumas zonas, os habitantes recorrem à ingestão de folhas silvestres.

“Recentemente, como o arroz se tornou mais raro, tivemos de comer apenas as folhas de oulo,” disse outro deslocado interno à Amnistia Internacional. “Estas folhas eram para as pessoas mais pobres antes do cerco, mas agora são um produto comum e até é difícil encontrá-las na natureza.”

Em muitas zonas, os insurgentes também estabeleceram postos de controlo nas principais vias de comunicação e colocaram engenhos explosivos improvisados para limitar o tráfego.

Devido ao conflito, mais de 370 centros de saúde foram encerrados desde Junho, afectando o acesso médico de 3,5 milhões de pessoas, informou a Amnistia Internacional.

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