Testemunhas Relatam Uso de Crianças-Soldado no Conflito do Sudão

EQUIPA DA ADF

A batalha pelo controlo da base do Corpo Blindado Al Shajara das Forças Armadas do Sudão (SAF), no sudeste de Cartum, custou dezenas de vidas e revelou um novo aspecto perturbador da luta em curso entre os dois generais beligerantes do país. Entre os mortos encontravam-se crianças-soldado que lutavam para as Forças de Apoio Rápido (RSF).

Desde essa batalha de Agosto, o espectro de crianças que lutam e morrem no conflito do Sudão começou a receber mais atenção. Em Setembro, as SAF entregaram 30 crianças-soldado ao Comité Internacional da Cruz Vermelha.

As crianças encontravam-se entre as 230 capturadas durante os combates com as RSF, o grupo paramilitar cujo general, conhecido por Hemedti, é o rival do general das SAF, Abdel Fattah al-Burhan. Os dois homens lançaram a sua luta pela supremacia sobre o Sudão a 15 de Abril.

“As crianças desacompanhadas e as crianças de famílias pobres são alegadamente visadas pelas RSF nos arredores de Cartum, bem como no Darfur e no Cordofão Ocidental, para serem recrutadas para funções de combate,” Siobhán Mullally, relatora especial das Nações Unidas sobre o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças, declarou num comunicado que condena esta prática.

“O recrutamento de crianças por grupos armados para qualquer forma de exploração — incluindo funções de combate — é uma violação grosseira dos direitos humanos, um crime grave e uma violação do direito humanitário internacional,” acrescentou.

O Sudan War Monitor publicou no X, o site anteriormente conhecido como Twitter, um vídeo das RSF que mostra pelo menos dois adolescentes armados entre um grupo de combatentes a fazer-se à câmara na Escola Básica Idriss para Raparigas, em Omdurman.

A presença de crianças no campo de batalha não é novidade para o Sudão. Há décadas que os observadores internacionais têm denunciado o recrutamento de crianças como soldados e muitas outras violações do direito internacional destinadas a proteger as crianças envolvidas em conflitos, segundo Alison Bisset, professora associada de Direito Internacional dos Direitos Humanos, na Universidade de Reading.

“O problema não é a ausência de quadros jurídicos internacionais relevantes, mas a recusa dos Estados e de outras partes beligerantes em cumpri-los,” escreveu recentemente Bisset para o site Just Security.

Os grupos de defesa dos direitos humanos estimam que mais de 1 milhão de crianças foram deslocadas devido aos combates entre as SAF e as RSF.

Os jovens que têm carências básicas, como comida, acabam por ser atraídos para os grupos armados como forma de sobrevivência, disse o jornalista Ahmed Gouja, de Nyala, ao Arab News. Gouja disse que dois dos seus primos com menos de 18 anos aderiram às RSF.

Para além do recrutamento de crianças como combatentes, Mullaly, da ONU, informou que raparigas de Cartum foram raptadas e levadas para Darfur para exploração sexual, incluindo escravatura sexual.

Segundo a Radio Dabanga, testemunhas relataram que as crianças que combateram em Al Shajara tinham sido recrutadas entre os Darfuri e outras populações marginalizadas que viviam em Cartum. Alguns dos combatentes tinham apenas 14 anos.

O grupo de activistas Youth for Darfur confirmou a presença de crianças-soldado através de vídeos publicados nas redes sociais. O grupo exortou os pais a protegerem os seus filhos contra aquilo que a Youth for Darfur descreve como práticas coercivas das RSF.

O Director da Youth for Darfur, Ahmed Abdallah, disse à Radio Dabanga que o acto de alistar crianças é “equivalente a um crime de guerra.” Acusou as RSF de terem adoptado esta prática desde o início do seu conflito com as SAF.

A Ordem dos Advogados de Darfur manifestou a sua preocupação com as notícias de que as crianças também estariam a ser utilizadas pelo exército, depois de ter denunciado a presença de possíveis crianças-soldado numa base das SAF.

“A deterioração da situação humanitária e a falta de acesso a alimentos e outros serviços básicos tornam as crianças, especialmente as crianças desacompanhadas e separadas nas ruas, alvos fáceis para o recrutamento por grupos armados,” disse Mullally.

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