Onda de Golpes de Estado Alimenta Receios de Uma ‘Década Perdida’

EQUIPA DA ADF

O recente golpe militar no Níger não facilitou a vida dos nigerinos nem dos habitantes da região.

As sanções económicas fecharam a movimentada fronteira entre o Níger e a Nigéria, interrompendo cerca de 1,3 bilhões de dólares de comércio anual. Os preços dos géneros alimentícios aumentaram drasticamente na capital do Níger, Niamey.

“Francamente, já sinto isso no meu bolso. E neste momento, onde estamos, estamos todos a armazenar,” o comerciante Abou Kane, disse à Reuters, lamentando que um saco de arroz tenha subido mais de 25 dólares desde o golpe.

A vaga de golpes de Estado que tem varrido África está a perturbar o progresso económico, sufocando o investimento, o comércio e outras oportunidades de desenvolvimento.

O Banco Mundial alertou recentemente para uma “década perdida” ao prever que o crescimento económico da África Subsaariana abrandará para 2,5% este ano, contra 3,6% em 2022.

O facto de o produto interno bruto (PIB) da região por pessoa, uma medida abrangente da actividade económica, não ter crescido desde 2015 representa um problema maior, afirmou o Banco Mundial a 4 de Outubro no seu relatório Africa Pulse, uma perspectiva semestral para a região.

Citando a instabilidade política, o aumento dos conflitos, a violência e a fragilidade das instituições como causas do abrandamento e da recessão acentuada em alguns países, o Banco Mundial destacou a situação no Sudão.

Após um golpe militar em 2019, o exército sudanês lançou a economia para a estagnação ao assumir o controlo de cerca de 250 empresas envolvidas em ouro, farinha, exportação de carne, goma-arábica e sésamo.

Um segundo golpe de Estado em 2021 conduziu a uma guerra civil sangrenta e prolongada este ano. O Banco Mundial prevê que a economia do Sudão registe uma contracção de 12% em 2023.

“O Sudão tem tido o maior número de golpes de Estado em África, a sua economia nunca foi estável e o país continua a sofrer uma crise,” escreveu o jornalista Israel Ojoko num artigo de opinião para o site de notícias nigeriano The Cable. “O país do Norte de África continua a dar a volta ao mesmo círculo.”

Em toda a África, o impacto dos golpes de Estado nas economias nacionais e regionais está a dissuadir os investidores.

“Quase todos os mercados da região estão a pagar algum preço em termos de aumento do custo da dívida,” Sergey Dergachev, gestor de carteiras da Union Investment, disse à Reuters.

Em Julho, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento publicou um estudo intitulado “Soldiers and Citizens: Military Coups and the Need for Democratic Renewal in Africa (Soldados e Cidadãos: Golpes Militares e a Necessidade de Renovação Democrática em África),” que mostra como os custos se acumulam.

O estudo estimou que o golpe de Estado da Guiné em 2008 e o golpe de Estado do Mali em 2012 eliminaram um total de 12 a 13,5 bilhões de dólares das suas economias ao longo de cinco anos, o que representou 76% do produto interno bruto da Guiné em 2008 e quase metade do PIB do Mali em 2012.

O golpe militar do Gabão, em Agosto, provocou a queda diária mais acentuada das suas obrigações em dólares desde o auge da pandemia de COVID-19.

“A tomada de poder pelos militares vai obrigar os investidores a reavaliar o seu interesse no Gabão e o panorama político mais vasto da região,” Maja Bovcon, analista sénior para África da empresa de informação de riscos Verisk Maplecroft, disse à Reuters.

Eamon Aghdasi, analista de soberania da empresa de investimentos GMO, foi recentemente co-autor de um artigo sobre a importância da democracia para os investidores em dívida.

“É certo que há muitos olhos postos neste tema [do golpe] neste momento,” disse à Reuters. “Como detentor de obrigações, o pior cenário é que um novo governo chegue e repudie a dívida do governo anterior.”

O golpe de Estado no Gabão fez cair as suas obrigações em 10%, mas também teve um efeito de arrastamento nas obrigações de outros países que os investidores receiam que possam vir a ser os próximos a sofrer uma revolta militar, incluindo o vizinho Camarões.

No dia 21 de Setembro, as obrigações dos Camarões tinham caído 6,24%, em comparação com as do Gabão, que caíram 4,84% após o golpe de Estado.

O Presidente Paul Biya, de 90 anos, governa os Camarões há mais de 40 anos e, segundo consta, quer que o seu filho o suceda.

Na Guiné, imediatamente após o Coronel Mamady Doumbouya ter derrubado o governo em 2021, o sector mineiro do país viu os preços dispararem para um máximo de uma década.

Doumbouya tentou tranquilizar os parceiros económicos e comerciais da Guiné. Pediu às empresas mineiras que prosseguissem as suas actividades e isentou as zonas mineiras do recolher obrigatório nocturno. Mas o sector foi muito prejudicado.

“A desculpa que a maioria dos golpistas dá para derrubar um governo em funções é sobretudo a má economia, a corrupção, a insegurança e a má governação,” escreveu Ojoko. “Mas acabam por não acrescentar qualquer valor e, na realidade, mantêm as coisas no mesmo nível em que as encontraram.”

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