EQUIPA DA ADF
A Nigéria utiliza drones nos postos fronteiriços para aumentar a segurança ao longo da sua fronteira porosa e para identificar potenciais ameaças quando estas ainda estão a vários quilómetros de distância.
Os drones Orion, fabricados pela empresa franco-americana Elistair, funcionam na extremidade de um cabo de Kevlar de 100 metros. O cabo fornece energia para um máximo de 50 horas de voo e uma comunicação segura e sem interferências com os operadores. Os drones fazem parte da frota de veículos não tripulados da Nigéria, que faz do país um dos principais actores do continente na tecnologia de drones.
É provável que os terroristas que as autoridades nigerianas procuram os estejam a observar com os seus próprios drones. Segundo os analistas, grupos terroristas como o Boko Haram e a sua ramificação, a Província da África Ocidental do Estado Islâmico, utilizam-nos para recolher informações, ao mesmo tempo que experimentam transformar drones baratos e disponíveis no mercado em dispositivos explosivos improvisados (DEI) voadores que podem utilizar para lançar ataques contra alvos civis e militares.
A Nigéria é representativa do continente africano em geral, uma vez que a rápida proliferação da tecnologia de drones indicia uma iminente corrida ao armamento. Os drones já estão a remodelar a forma como as forças armadas, de Marrocos à África do Sul, protegem os seus cidadãos, vigiam as suas costas, combatem a caça furtiva de animais selvagens e muito mais.
O crescimento da tecnologia de drones de nível militar é paralelo à disponibilidade acelerada de drones comerciais de nível civil, muitos deles fabricados e comercializados pela China, que têm o potencial de serem transformados em armas por grupos extremistas.
“É uma tecnologia pouco sofisticada que ganha sofisticação rapidamente,” Adam Rosman, director-geral da fabricante sul-africana de drones, Aerial Monitoring Solutions, disse à ADF. “Há muitas possibilidades em África.”
QUEM TEM DRONES?
Os primeiros drones utilizados em África surgiram em 1978, lançados pela África do Sul para monitorizar a guerra civil na então Rodésia. A África do Sul produziu os primeiros drones do continente, também conhecidos como veículos aéreos não tripulados (VANT), no final da década de 1980. A utilização de drones modernos começou em 2001, quando o Botswana encomendou uma série de VANT Silver Arrow Micro-V de fabrico israelita. Desde então, os drones tornaram-se cada vez mais uma tecnologia imprescindível para os governos de todo o continente.
Quase todos os países do continente utilizam drones de alguma forma. Na maioria dos casos, essas utilizações são pacíficas — desde a entrega de material de saúde a comunidades remotas até à monitorização de reservas da vida selvagem ameaçadas por caçadores furtivos. A pandemia da COVID-19 chamou a atenção para a capacidade nascente de drones em África quando os países utilizaram drones aéreos e terrestres para fornecer informações vitais de saúde pública e para monitorizar os confinamentos.
“O continente africano está a tornar-se um local-chave para a adaptação de drones para muitos fins militares e não militares,” Nichola Heras, director sénior de estratégia e inovação do New Lines Institute for Strategy and Policy, disse à ADF.
Os países são menos transparentes quanto à utilização de drones no que respeita às suas forças armadas. Os críticos afirmam que essa falta de transparência suscita preocupações quanto ao facto de os drones estarem a ser utilizados de acordo com as normas internacionais em matéria de direitos humanos e com as regras tradicionais de combate.
“Isso impede debates abertos sobre a utilização militar de drones em África,” comentou a organização de paz PAX, sediada nos Países Baixos, num relatório sobre a utilização de drones no continente. O relatório da PAX apresenta uma lista de 20 países do Norte de África, do Sahel e do Corno de África que adquiriram drones militares. O Marrocos também os fabrica.
“Um número incontável de drones está cada vez mais a monitorizar e a afectar vidas em todo o Norte de África, no Sahel e no Corno de África,” informou a PAX.
Na África Subsaariana, a África do Sul tornou-se outro actor importante na indústria de drones. A África do Sul fabrica drones para venda a outros países e considerou a possibilidade de os destacar ao longo dos seus 5.244 quilómetros de fronteira. A Nigéria também fabrica os seus próprios drones. Os Camarões adquiriram pequenos drones militares em 2018. O Quénia utiliza drones para monitorizar os insurgentes do al-Shabaab na vizinha Somália. A República Democrática do Congo e Moçambique também utilizaram drones em combate.
O Botswana, a Costa do Marfim, o Sudão e a Zâmbia acrescentaram drones tácticos de tamanho médio à sua frota militar. O sucesso dos drones turcos Bayraktar TB2 na guerra civil da Líbia deu visibilidade aos drones armados, e as forças armadas da Etiópia, Marrocos, Ruanda, Togo e Tunísia adquiriram-nos. Angola está a ponderar adicioná-los também.
“A utilização de drones pela Turquia na Líbia demonstrou aos países de rendimento médio e médio-baixo de todo o mundo que os drones lhes proporcionam uma força aérea barata que pode ter um impacto devastador no campo de batalha,” afirmou Heras.
UM MULTIPLICADOR DE FORÇAS — COM LIMITAÇÕES
Quer estejam a seguir barcos de pesca ilegal no mar, a perseguir caçadores furtivos numa reserva de vida selvagem ou a lançar ataques contra células terroristas, os drones tornaram-se um multiplicador de forças para as agências de segurança de todo o continente.
“A utilização de SANT [sistemas aéreos não tripulados] representa uma nova iteração da tecnologia digital,” escreveu a analista Karen Allen para o Centro de Estudos Estratégicos de África.
O baixo custo da tecnologia de drones em relação a um navio da marinha ou a um caça da força aérea significa que as forças armadas descapitalizadas podem aumentar capacidades gastando pouco dinheiro. Os drones com tecnologia de raios infravermelhos podem ver no escuro, uma ferramenta útil para observar os caçadores furtivos que, muitas vezes, operam a coberto da noite. Também podem pairar sobre um alvo ou mesmo segui-lo durante um período prolongado. O seu perfil pequeno torna-os difíceis de detectar e de abater.
A presença de drones sobre uma embarcação de pesca, ao longo de uma fronteira ou sobre um parque de vida selvagem também pode semear dúvidas na mente dos potenciais maus actores — dúvidas que podem levá-los a interromper as operações ilegais, segundo Rosman.
Apesar das suas capacidades, os drones têm limitações. Podem ser desactivados através de interferência ou pirateados e virados contra os seus operadores. Podem ser imobilizados por tempestades de areia, copas de árvores densas ou nuvens espessas, condições que se encontram habitualmente em África.
Os drones também funcionam durante um período de tempo limitado antes de terem de reabastecer ou recarregar. Isso pode dificultar a cobertura eficaz de grandes distâncias.
“Um drone não é uma bala de prata que vai resolver todos os seus problemas,” disse Rosman à ADF. “É preciso ter pessoas no terreno.”
Essas limitações são frequentemente ignoradas a favor da mística associada à tecnologia de drones, acrescentou. Os líderes africanos são bombardeados com propostas de países e empresas ansiosos por lhes venderem tecnologia de drones, alguns fazendo promessas que o seu equipamento não consegue cumprir.
Para além disso, os líderes militares esperam, por vezes, que os drones façam coisas de que simplesmente não são capazes, como ver o interior de um tanque.
“É sempre possível saber que filmes andaram a ver,” disse Rosman.
A procura de drones mais avançados produziu uma mistura de tecnologia de vários países, incluindo a China, o Irão, Israel e a Turquia. Segundo Rosman, os utilizadores navegam numa miscelânea de software e de línguas.
Depois de comprarem a tecnologia, alguns líderes recusam-se a gastar o dinheiro extra para formar os operadores, optando por deixá-los resolver o problema sozinhos. Esta abordagem “faça você mesmo” pode resultar em drones perdidos no fundo do oceano ou numa pilha de destroços no chão. Outras vezes, o equipamento não vai a lado nenhum.
“Há uma enorme quantidade de equipamento neste continente que não está a ser utilizado,” disse Rosman.
CORRIDA DE ARMAS DE IA
Na sua corrida para comprar drones, os países africanos poderão em breve tornar-se o campo de ensaio para o próximo passo na tecnologia de drones: a inteligência artificial.
“África é um mercado emergente para esta tendência,” disse Heras à ADF. “Quando combinada com potenciais capacidades militares, pode ser um local-chave para a criação de protótipos de drones autónomos em contextos militares.”
A guerra civil na Líbia pode já ter dado um vislumbre desse futuro. Com cerca de 1.000 ataques aéreos com drones, a Líbia tornou-se uma montra da sua utilização em combate. O representante especial da ONU para a Líbia, Ghassan Salame, chamou ao conflito “a maior guerra de drones do mundo.”
Desse campo de batalha emergiu um relatório das Nações Unidas que sugere que um drone turco Kargu-2 equipado com IA pode ter, nas palavras do relatório, “caçado e combatido remotamente” soldados inimigos sem ordens de operadores humanos.
O criador do Kargu-2 descreve o drone quadricóptero como tendo sido concebido para pairar sobre um alvo com navegação totalmente autónoma e capacidades de ataque de precisão. A acção de ataque requer a intervenção de um manipulador humano, segundo o site do Kargu-2.
No entanto, não está claro se foi assim que o ataque realmente aconteceu, de acordo com o relatório da ONU.
“Uma vez em retirada, foram sujeitos a um assédio contínuo por parte dos veículos aéreos de combate não tripulados e dos sistemas de armas autónomas letais,” escreveram os autores do relatório.
Zachary Kallenborn, investigador a tempo parcial do Programa de Tecnologia Estratégica, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, que estuda os drones, disse ao The New York Times que o relatório sugeria que, pela primeira vez, um sistema de armas com capacidade de IA encontrou e atacou pessoas de forma independente.
Kallenborn disse à ADF que já existem todas as componentes necessárias para criar um drone deste tipo.
O FUTURO: ATAQUES EM ENXAME
A experiência da Líbia com drones é única no continente, de acordo com Brendan Cannon, que estuda as implicações da tecnologia dos drones na Universidade Khalifa, nos Emirados Árabes Unidos. Mas esse poderá não ser o caso durante muito mais tempo.
“Eu diria que a corrida ao armamento está a acontecer, mas o seu início está a ser lento por razões relacionadas com as limitações de recursos e a disponibilidade de drones,” disse Cannon à ADF num e-mail. Quando essa corrida ao armamento começar, pode ser vantajosa para os grupos extremistas se os países não tiverem cuidado, acrescentou. Os drones disponíveis no mercado podem ser transformados em armas, apesar de poderem transportar apenas cargas leves.
“Isso dar-lhes-á potencialmente uma vantagem para levarem a cabo ataques armados (ainda que em pequena escala) contra alvos suaves, mas altamente visíveis do poder do Estado, como palácios presidenciais ou esquadras da polícia, devido à inadequada ou inexistente defesa aérea na maioria dos Estados,” afirmou Cannon.
Segundo Kallenborn, os avanços no software podem ajudar os extremistas a combater a tecnologia de nível militar dos governos, utilizando dezenas ou centenas de drones disponíveis no mercado para criar ataques em “enxame.
Pela primeira vez na história, a tecnologia dos drones criou a possibilidade de actores não estatais controlarem os céus de uma determinada área, disse Kallenborn à ADF.
Allen sugeriu que os países combatam a potencial corrida às armas de drones, monitorizando de perto e possivelmente restringindo as importações de tecnologia de drones — uma táctica que outros analistas consideram difícil de executar eficazmente, dadas as fronteiras porosas do continente e as muitas utilizações legítimas dos drones comerciais. Os grupos poderiam importar drones de corrida, por exemplo, e convertê-los em DEI voadores, disse Rosman.
“Actualmente, não existe um contra-ataque eficaz à utilização de drones desta forma,” afirmou Heras. “Os efeitos das forças não-estatais que utilizam grandes frotas de drones comerciais pequenos, altamente móveis e de baixo perfil contra a maioria das forças armadas africanas devem manter os estados-maiores de todo o continente acordados à noite.”