EQUIPA DA ADF
Cerca de uma semana após o início dos combates em meados de Abril, no Sudão, membros do regime do antigo ditador Omar al-Bashir saíram da prisão. Estavam detidos na prisão de Kober, em Cartum, desde 2019 e, para alguns, a sua libertação assinalou uma nova e alarmante dimensão do conflito.
Os observadores estão preocupados com o facto de os elementos islamistas do antigo regime, incluindo os prisioneiros, terem provocado os combates e continuarem por detrás da violência na capital e na região de Darfur, Amgad Farid, antigo assistente executivo do Primeiro-Ministro, Abdalla Hamdok, e activista pró-democracia, disse ao OrientXXI.
“Sempre estiveram activos; sempre procuraram sabotar a transição democrática,” disse Farid à publicação.
Para os membros das Forças de Liberdade e Mudança (FFC), a aparição pública de antigos membros do regime fora da prisão prova que “o regime deposto e o seu partido dissolvido estão — através dos seus activos nas forças armadas — por detrás da guerra em curso,” de acordo com uma reportagem da Agence France-Presse.
Os homens que estão no centro da violência no Sudão, o líder das Forças Armadas do Sudão (SAF), General Abdel Fattah al-Burhan, e o líder das Forças de Apoio Rápido (RSF), conhecido por Hemedti, acusam-se mutuamente de recrutar islamistas; ambos negam tê-lo feito.
Em Novembro de 2022, al-Burhan declarou publicamente que os islamistas não regressariam ao poder e avisou-os para evitarem interferir na neutralidade política do exército.
“O exército não permitirá que nenhum grupo regresse ao poder através dele, nem o Congresso Nacional nem o Movimento Islâmico,” disse al-Burhan na altura. “Dizemos ao Congresso Nacional que 30 anos de poder são suficientes para vocês.”
A declaração de al-Burhan foi desmentida pela morte de um combatente islamista chamado Mohammed al-Fadl, que morreu em Cartum quando lutava ao lado das SAF contra a milícia RSF.
Os islamistas sudaneses defendem que o Islão deve moldar os sistemas político e jurídico do país. Desde a eclosão da violência entre as SAF e as RSF, al-Burhan reactivou muitos dos sistemas islamistas do Sudão anteriores a 2019, incluindo os serviços secretos e a Força de Defesa Popular.
Os críticos afirmam que uma aliança entre os islamistas e as SAF tornará mais difícil pôr fim ao caos que assola o país e poderá comprometer qualquer esforço para levar o Sudão à democracia depois de terminados os combates entre as SAF e as RSF.
As forças islamistas no seio das SAF poderão, a dada altura, começar a actuar por conta própria.
Os islamistas levaram al-Bashir ao poder em 1989 e foram cruciais para a sua capacidade de se manter no poder. Al-Bashir recrutou a Janjaweed, um grupo de milícias árabes, para reprimir os rebeldes em Darfur há 20 anos e, mais tarde, elevou esses combatentes às RSF como contrapeso às forças armadas. Tanto as SAF como os islamistas opuseram-se a esta decisão, porque criava uma força armada com financiamento independente no Sudão.
No tempo de al-Bashir, as SAF tinham muitos oficiais islamistas. Após o golpe de 2019 que depôs al-Bashir, os islamistas apoiaram o regime militar com uma burocracia tecnocrática a gerir as operações quotidianas do país.
Os antigos membros do Partido do Congresso Nacional (NCP, na sigla inglesa) de Al-Bashir, actualmente dissolvido, afirmaram publicamente que não tinham qualquer ligação com os combates e que apenas apoiavam politicamente o exército.
No entanto, de acordo com a Reuters, cerca de 6.000 membros do Serviço Nacional de Informações e Segurança (NISS) — uma agência constituída em grande parte por islamistas da era de al-Bashir — aliaram-se às SAF antes do início dos combates a 15 de Abril.
“Estamos a lutar e a apoiar o exército para proteger o nosso país da intervenção externa e manter a nossa identidade e a nossa religião,” um islamista anónimo que luta ao lado do exército disse à Reuters.
Hemedti continuou a acusar as SAF de colaborarem com os islamistas para manterem o controlo do país e prejudicarem a sua transição para um regime civil.
Após o golpe de Estado conjunto SAF-RSF que depôs al-Bashir em 2019, al-Burhan dissolveu o NCP e mandou prender muitos dos seus membros. No entanto, dois anos depois, na sequência do golpe de Estado de 2021, que perturbou a transição do Sudão para um regime civil, al-Burhan trouxe muitos dos antigos membros do NCP de volta ao governo para o manter em funcionamento.
Também dissolveu a comissão que tinha sido criada para desmantelar as redes financeiras criadas por aliados de al-Bashir.
Enquanto líder de facto do Sudão, al-Burhan obteve o apoio do Egipto, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos. Os governos dos três países são anti-islamistas, pelo que uma ligação aberta aos islamistas poderia custar o apoio de al-Burhan.
“O ressurgimento de islamistas nas forças armadas do Sudão representa um desafio significativo para as potências regionais e ameaça minar os esforços no sentido de uma transição democrática,” o analista Kasturi Chakraborty escreveu recentemente para a agência noticiosa BNN Breaking.