Compreender A Missão, O Terreno E O Inimigo
O Major-General Abdul Khalifa Ibrahim, Comandante da MNJTF, Explica Por que Ele Pensa Que a Bacia do Lago Chade Está No Caminho Certo Para Derrotar os Grupos Extremistas
O Major-General Ibrahim, do Exército Nigeriano, tem uma carreira militar de mais de 35 anos. Tem um mestrado em estudos estratégicos pela Universidade de Ibadan e participou em operações internacionais de apoio à paz na Libéria e no Sudão. A nível interno, dirigiu tropas em operações na Península de Bakassi, no Delta do Níger e em Kaduna. Durante a sua carreira, recebeu distinções, incluindo a Estrela de Serviços Distintos, a Medalha de Honra do Comando de Campo e a medalha da Operação Lafiya Dole. Em Agosto de 2021, foi nomeado comandante da Força-Tarefa Conjunta Multinacional (MNJTF), um esforço regional de cinco países mandatado para incluir até 10.000 soldados com o objectivo de restaurar a paz na Bacia do Lago Chade. Ele falou à ADF a partir do quartel-general da MNJTF em N’Djamena, Chade, em Março de 2023, pouco antes do fim do seu mandato. Esta entrevista foi editada por questões de espaço e clareza.
ADF: A MNJTF tem uma estrutura de forças especial com quatro sectores dentro das fronteiras nacionais dos países da Bacia do Lago Chade (BLC). Para além disso, as brigadas da MNJTF trabalham com as forças armadas nacionais. Como é que esta estrutura ajudou na luta contra os grupos extremistas violentos?
Ibrahim: Uma vez que cada sector está domiciliado no país em torno da BLC, isto dá-nos a vantagem de mantermos os olhos abertos e de analisarmos os desafios dentro das áreas. A área da BLC é muito vasta; o terreno é muito difícil. Temos grandes massas de água. Isso permite ao Boko Haram, que não respeita qualquer fronteira, deslocar-se de um país para o outro. O facto de estarmos espalhados pelos quatro sectores, pelos quatro países, deu-nos mobilidade, acesso, alcance e permite a cooperação entre nós. Isso ajudou-nos muito a combater a ameaça dos grupos extremistas violentos.
ADF: Considera que esta situação pode servir de modelo para outras regiões do continente que enfrentam insurgência nas regiões fronteiriças?
Ibrahim: Sim, de facto, a MNJTF é já um modelo para o continente e mesmo para além deste. Temos pessoas das Nações Unidas e de outras organizações que vêm procurar saber: “Como estão a operar?” A MNJTF é composta por três países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental – Benim, Nigéria e Níger – enquanto os Camarões e o Chade pertencem à Comunidade Económica dos Estados da África Central. A Nigéria é anglófona, enquanto os Camarões, o Níger e o Chade são francófonos. E os chadianos também falam muito árabe.
Quando se olha para esta mistura, ela pode constituir um desafio, mas, de alguma forma, temos sido capazes de a ultrapassar, compreendendo a nossa missão e compreendendo que o inimigo comum que temos, os grupos extremistas violentos –– pode chamar-lhes Boko Haram, pode chamar-lhes ISWAP [Província do Estado Islâmico da África Ocidental] –– levam a cabo operações num país e fogem para outro. Com o conceito de operações e dos vários programas que foram criados na MNJTF, somos mais flexíveis. Posso viajar para os Camarões, para o Níger, para partes do Chade onde a minha força está domiciliada, sem qualquer impedimento, pelo que isto nos afectou positivamente.
ADF: Quais são os últimos desenvolvimentos na região?
Ibrahim: No último ano, milhares de pessoas anteriormente deslocadas internamente regressaram às suas residências. A autoridade política do Estado de Borno fechou os campos de deslocados internos e transportou as pessoas de volta para cidades como Baga, Monguno, Cross Kauwa, e elas ainda lá estão. Nos Camarões, no ano passado, milhares de pessoas foram deslocadas do campo de refugiados de Minawao. Abrimos também a rota internacional de N’Djamena, no Chade, para Kousseri, nos Camarões, e depois para Maiduguri, na Nigéria. Esta estrada está aberta e as pessoas podem transportar os seus bens comerciais. O número de ataques diminuiu significativamente. As pessoas podem regressar às suas machambas; as pessoas podem dedicar-se à actividade comercial. Em Baga, as pessoas voltaram a pescar. Quando se olha para isto, vê-se que a paz está gradualmente a regressar à BLC. É preciso fazer mais, mas estamos num bom caminho.
ADF: Um aspecto notável da MNJTF tem sido a utilização da força aérea. Pode descrever a forma como a força aérea tem apoiado as operações de combate à insurgência em terra?
Ibrahim: Na guerra moderna, um dos temas dominantes é a utilização da força aérea, porque dá um alcance adicional, permite a entrega em locais que as tropas terrestres não conseguem alcançar facilmente. A força aérea tem sido um multiplicador de forças de proporções imensas. Os países contribuintes de tropas da zona da BLC investiram muito, especialmente a Nigéria, e o resultado é bastante óbvio. Não tenho a liberdade de entrar em pormenores, mas esta melhoria das capacidades da Força Aérea Nigeriana, que utilizamos como componente da Operação Hadin Kai e da MNJTF, conduziu, de facto, à maioria dos sucessos que alcançámos. Temos muitos serviços de inteligência e informações que saem da zona e tiramos partido dessas informações, informando rapidamente a nossa componente aérea. Os aviões são capazes de utilizar rapidamente os instrumentos de que dispõem e vários alvos de elevado valor foram destruídos. Abatemos vários líderes importantes do Boko Haram e da ISWAP, os seus campos e o seu equipamento, mas isso é pouco divulgado. A força aérea tem sido fundamental para o nosso sucesso, e continuará a sê-lo.
ADF: Falou da necessidade de uma abordagem de “toda a sociedade” no ambiente do combate à insurgência. O que é que isso significa para si e como é que a MNJTF tem procurado implementar essa abordagem?
Ibrahim: A abordagem de toda a sociedade consiste basicamente no emprego do governo, das forças armadas, dos paramilitares, da polícia, das organizações da sociedade civil e da sociedade em geral na prevenção da insurgência e na atenuação dos seus efeitos. Isso é feito utilizando meios cinéticos e não cinéticos. Os meios cinéticos são as operações que levamos a cabo, mas apercebemo-nos de que as operações podem, na melhor das hipóteses, combater uma insurreição a uma taxa de 20% a 30%. Setenta por cento do trabalho que tem de ser feito deve ser não cinético. Temos o gabinete de cooperação civil-militar, que é chefiado por um oficial superior que actua sob a minha direcção. E não ficámos por aí. Também temos o gabinete de cooperação civil-militar na Comissão da Bacia do Lago Chade, que é o quartel-general de supervisão da MNJTF. Estas duas células reúnem-se e depois descobrimos junto da população; o que é que precisamos de fazer para apoiar estas pessoas? Como é que se constrói a resiliência da comunidade?
No último ano, realizámos actividades como a renovação de escolas, a renovação de hospitais e mercados, para que as pessoas tenham um local para negociar. Por vezes, os nossos soldados são afectos a escolas. Eles ensinam. Os nossos médicos oferecem, por vezes, tratamento juntamente com os nossos enfermeiros. Basicamente, acreditamos que vencer uma operação de combate à insurgência não é apenas uma questão militar. Todos os outros sectores da sociedade devem contribuir para que possamos ter uma sociedade melhor para o benefício de todos.
ADF: Como é que a MNJTF tentou encorajar as deserções dos grupos extremistas?
Ibrahim: Hoje, posso dizer-vos, com toda a confiança, que, na área de operações da MNJTF e nas nossas operações nacionais vizinhas –– Hadin Kai na Nigéria, Operation Emergence nos Camarões e outras –– mais de 110.000 indivíduos se renderam ou desertaram. Este número inclui os combatentes, as suas famílias, os seus colaboradores e aqueles que eles obrigaram a ir com eles. Estes são os resultados das operações cinéticas propriamente ditas. Nós pressionamo-los e eles não conseguem obter as coisas que normalmente obtêm para sobreviver. Mas é sobretudo o aspecto não cinético, que são as operações psicológicas e as comunicações estratégicas. Recorremos aos meios de comunicação social internacionais para falar com eles, porque sabemos que quando falamos de uma determinada maneira eles ouvem-nos. Dizemos-lhes: “Se os vossos colegas se renderam e não foram mortos, o que estão a fazer no mato?” Não se trata de religião.
Também tem havido lutas internas intensas entre o Boko Haram e o ISWAP, que resultaram em mais rendições. O que fazemos para os encorajar a renderem-se é tratá-los bem. Por eles estarem a sair, não pensamos [que] são inimigos e disparamos contra eles. Respeitamos as leis dos conflitos armados; falamos com eles e pedimos-lhes que falem com outras pessoas. Acreditamos que as rendições podem potencialmente ser uma estratégia para acabar com o conflito. Reduz a população de onde se podem encontrar combatentes.
ADF: Os grupos insurgentes prosperam em locais como a BLC, com condições de elevado desemprego juvenil, um clima difícil e falta de infra-estruturas. O que é necessário fazer para garantir que a BLC não seja um terreno fértil para o recrutamento de extremistas no futuro?
Ibrahim: A zona e as ilhas da BLC são historicamente difíceis. O terreno é muito difícil. Pode ser pantanoso, pode ser lamacento, pode ser arenoso. Tem grandes massas de água. Infelizmente, durante muito tempo, a presença dos governos não se fez sentir lá. Isso se verifica nos quatro países. Isso criou condições em que as pessoas se sentiram privadas e caíram facilmente na radicalização. Penso que tem de haver um enfoque especial nesta área, algo como o Plano Marshall que surgiu após a Segunda Guerra Mundial. Temos de olhar para esta zona e pensar em como torná-la atractiva para as pessoas que lá vivem. As instalações escolares, os hospitais, os mercados e até as estradas não estão bem desenvolvidos na zona. Penso que temos de pensar em ter infra-estruturas. Mas o mais importante é educar as pessoas e dar-lhes um sentimento de pertença.
ADF: Como descreveria a actual força dos grupos insurgentes?
Ibrahim: A força do Boko Haram e do ISWAP diminuiu significativamente, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Este facto pode estar relacionado com o problema do terreno. É um ambiente muito exigente. Por vezes, pensa-se que a área à volta do Lago Chade é um deserto, mas não é assim. Está coberta de florestas densas. Há zonas muito difíceis de alcançar. Mas estamos a trabalhar para isso. No ano passado, tivemos a Operação Lake Sanity, em que conseguimos penetrar nas ilhas do Lago Chade. Estivemos lá durante vários meses e centenas de reféns foram libertados. Alguns escaparam por si e quando lhes perguntámos como tinham escapado, disseram que foi o efeito dos nossos bombardeamentos e acções ofensivas que distraíram o inimigo, permitindo-lhes fugir. O próximo passo é estudar as lições aprendidas com esta operação.
ADF: O senhor assumiu o cargo de comandante da força em Agosto de 2021. O que é que aprendeu com a experiência em termos de estratégia e determinação necessárias para derrotar uma insurgência?
Ibrahim: Trata-se de um equipamento operacional de combate à insurgência, que é diferente de uma operação de apoio à paz. Para ter êxito, tem de compreender-se muito bem a sua missão. O que é que estamos aqui a fazer? Quando se percebe isso, é preciso compreender o terreno. Depois, deve-se compreender a natureza do inimigo. O adversário que estamos a combater é um inimigo altamente móvel, altamente determinado e fanático. Se os quisermos derrotar, temos de ser de alto nível e muito profissionais. Tem de tratar os seus soldados como eles devem ser tratados.
Também devemos ter o equipamento correcto. Estas pessoas viajam à noite. Podem deslocar-se 50 a 80 quilómetros numa noite. É preciso ter um equipamento que mostre quando as pessoas estão a viajar quando não devem e, então, tirá-las de lá. E depois, claro, a abordagem de toda a sociedade de que falámos não é sobretudo uma questão militar. Queremos que a sociedade civil participe, queremos o governo e a população local, porque os insurgentes vivem entre eles. Precisamos que eles estejam do nosso lado.
Comentários estão fechados.