Por que os Golpes de Estado Militares Regressam Para África?

Os Golpes de Estado Aumentam Depois de Anos de Relativa Calma

As tentativas de golpes de Estado foram frequentes em África nos períodos pós-independência e da Guerra Fria.

Em comparação, os passados cerca de 20 anos foram calmos. De 2011 a 2020, o continente teve, em média, menos de um golpe de Estado concluído por ano. Mas, desde essa altura, a relativa estabilidade deu lugar àquilo que parece ser um ressurgimento acentuado de tentativas de golpe de Estado.

De 1 de Janeiro de 2020 a Dezembro de 2022, houve pouco mais de uma dezena de tentativas de golpe de Estado no continente. Dentre estas, seis resultaram numa mudança inconstitucional de governo nas mãos de oficiais militares.

A tendência causou preocupação entre as organizações continentais e regionais. O desenvolvimento fez com que a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) convocasse uma cimeira de emergência, em Acra, Gana, em Fevereiro de 2022, para debater a questão.

O Presidente da CEDEAO e Presidente do Gana, Nana Akufo-Addo, disse à cimeira que os golpes de Estado tinham-se tornado “contagiosos” e que a tendência “deve ser contida antes que ela devastasse toda a nossa região,” de acordo com a Al-Jazeera.

De igual modo, Moussa Faki Mahamat, Presidente da Comissão da União Africana, expressou a sua preocupação quanto ao “reaparecimento de mudanças inconstitucionais de governo.”

Bandeiras da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental usadas em Lomé, Togo. Os golpes de Estados podem fazer com que os países sejam suspensos de organizações regionais e experimentem isolamento diplomático. AFP/GETTY IMAGES

Os golpes de Estado são eventos complexos e prejudiciais. As suas causas podem ser várias e preveni-los pode ser difícil. Mas compreender o que causa os golpes de Estado é o primeiro passo para a criação de exércitos profissionais que têm o conhecimento, a formação e o desejo de evitá-los.

Quando é que acontece um golpe de Estado?

Um golpe de Estado ocorre quando forças organizadas, sejam elas militares ou políticas, agem para depor um governo nacional do poder. Os golpes de Estado em África geralmente envolvem acções feitas por uma facção de dentro do exército do país. Alguns deles são violentos, outros envolvem oficiais de segurança que cooptam canais de comunicação nacionais e detêm líderes e oficiais do governo de alta patente.

Os golpes de Estado geralmente são considerados como concluídos quando a interrupção durar sete dias ou mais. Outros especialistas afirmam que os conspiradores devem permanecer no poder por pelo menos um mês. Independentemente disso, os estudos demonstraram que cerca de metade de todos os golpes de Estado, em África, nas últimas décadas foram concluídos. Esta tendência foi mantida nos mais recentes conjuntos de golpes de Estado do continente também.

Com que frequência os golpes de Estado ocorrem?

Os golpes de Estados não são casos únicos de países africanos. Eles já ocorreram na Ásia, na Europa e na América Latina ao longo dos anos. Um olhar sobre as tentativas de golpe em África, desde 1950, mostra um período de relativa calmaria até cerca de 1963, que pode ser descrito como o período pós-independência do continente. De 1960 a 1999, as tentativas de golpe de Estado foram em média pouco mais de 40 por década.

A ‘Armadilha do Golpe de Estado’

A história demonstrou que quando os golpes de Estado se enraízam num determinado país, eles tendem a ser mais fácil para reaparecerem. Os investigadores estudaram o fenómeno e atribuíram-lhe um nome: a “armadilha do golpe de Estado.” A história do Sudão serve como uma ilustração útil.

Polícia especializada em manifestações, no Mali, mantém os manifestantes distantes de uma marcha de viaturas, depois de um golpe de Estado, em 2021. AFP/GETTY IMAGES

Entre 1958 e 1971, o Sudão experimentou 11 tentativas fracassadas, impedidas ou concluídas de golpe de Estado. Quatro conspirações — uma concluída e três impedidas — aconteceram somente em 1969. As conspirações para golpe de Estado também ocorreram de 1984 a 1985 e em 1991. A instabilidade constante retomou ao Sudão em 2019, depois da deposição do ditador de longa-data, Omar al-Bashir, e persiste mesmo neste momento, numa altura em que os oficiais militares e civis procuram produzir um plano para o retorno ao governo civil. 

Na verdade, o Sudão lidera o número de tentativas de golpe de Estado no mundo, entre 1945 e 2021, de acordo com a informação compilada pelo portal de investigação, Statista.

Legados de Golpes de Estado

Quando um golpe de Estado ocorre, ele tende a criar, em vez de resolver, problemas. Quando os oficiais militares derrubam um governo civil, particularmente um que foi democraticamente eleito, os líderes militares serão provavelmente vistos como ilegítimos. Uma incapacidade de justificar as suas acções pode colocar o país em risco de outros golpes de Estado, de acordo com uma reportagem, de Dezembro de 2021, feita por Sean M. Zeigler, no blogue Rand.

“Frequentemente, os soldados apresentam-se como salvadores dos seus países, acusando o regime deposto de corrupção, falsidade e mau desempenho,” escreveu Zeigler.

Para além disso, as tomadas de poder militares geralmente incluem declarações de que o governo da junta será temporário, afirma a publicação do blogue. Os exércitos irão descrever o seu novo regime como de cuidadores, simplesmente supervisionando e mantendo a ordem, enquanto o país eventualmente restaura o governo civil através de novas eleições.

“Em muitos casos, são formados conselhos militares de transição para supervisionar a transição para a democracia, algumas das quais não se materializam,” escreveu Zeigler.

O Custo dos Golpes de Estado

O impacto que os golpes de Estado têm sobre um país pode ser de longo alcance. Os golpes de Estado podem afectar a economia, as relações diplomáticas e, em alguns casos, iniciar um ciclo de instabilidade. Abaixo encontram-se algumas das formas pelas quais os golpes de Estado podem prejudicar os países.

Suspensão da ajuda: Muitos países e organizações não-governamentais são proibidos de fornecer ajuda a um governo que assumiu o poder como resultado de um golpe de Estado. Quando se suspende a ajuda, isso retira o dinheiro de projectos relacionados com a segurança nacional, saúde pública, agricultura e os sectores de energia. O Sudão, por exemplo, perdeu aproximadamente 4,4 bilhões de dólares em assistência que tinha sido garantida pela comunidade internacional, nos oito meses depois do seu golpe de Estado de 2021.

Prejuízo para a economia: A história demonstra que as empresas têm menos probabilidades de investir num país ou expandir o comércio quando existe um clima de insegurança. A insegurança, o medo e a incerteza formam uma mistura tóxica que pode reprimir a actividade económica e fazer com que um país caia numa recessão. Um estudo envolvendo 94 países, conduzido pelo Instituto de Estocolmo de Economias de Transição, concluiu que, nos países democráticos que experimentaram um golpe de Estado, o crescimento do rendimento individual foi menor na década depois do golpe de Estado do que nos países que não experimentam um golpe de Estado.

Isolamento diplomático: Muitas organizações regionais, continentais e internacionais suspendem os Estados-membros depois de uma transferência de poder não democrática. Por exemplo, depois do seu golpe de Estado de 2021, o Burquina Faso foi suspenso da União Africana, da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, da Organisation Internationale de la Francophonie e de outros grupos. Isso significa que o país perde o seu direito de votar e influenciar questões económicas que poderiam ter sido cruciais para a sua viabilidade futura. Para além disso, os países podem perder o direito a organizar eventos económicos, diplomáticos e desportivos de grande valor, que trazem o dinheiro através do turismo. Por exemplo, o Campeonato Africano das Nações, um dos principais eventos desportivos do continente, foi transferido na sequência de um golpe de Estado. Fazer com que grandes eventos mudem de localização devido à insegurança pode interromper o tecido social de uma sociedade e também ferir os negócios que dependem dos rendimentos associados, prejudicando a economia nacional.

Desafios de governação: Quando os oficiais militares assumem as rédeas do poder, eles fazem mais do que apenas retirar um governante ou governo que consideram inaceitável. Eles ficam com o controlo de uma vasta burocracia governamental que inclui departamentos e ministérios que estão muito longe do ambiente familiar das operações militares. Estes governos também dependem de relações diplomáticas entre fronteiras e regiões. Interromper estas instituições e relações pode prejudicar o país e o seu povo.

Ademais, no seu artigo de 2020, “Não Existe Saída Fácil: O Efeito de Golpes de Estado Militares Sobre a Repressão do Estado,” para o Journal of Politics, o investigador Jean Lachapelle escreveu que “os golpes de Estado aumentam a repressão do Estado, mesmo quando eles têm como alvo os autocratas repressivos.”

Cidadãos sudaneses protestam contra o golpe de Estado militar de Outubro de 2021, em Cartum, no dia 13 de Julho de 2022.
AFP/GETTY IMAGES

Os golpes de Estado são regularmente seguidos de acções como prisão de dissidentes, perseguição violenta contra protestantes e limitação de direitos como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Lachapelle disse que a investigação histórica demonstra que os líderes de golpes de Estado militares tendem a utilizar uma mão particularmente pesada contra o seu povo.

“Os exércitos, em muitas ocasiões, estão mal equipados para policiar a instabilidade social. De facto, os estudiosos concluíram que regimes governados pelo exército tendem a ser mais repressivos do que outros tipos de regime,” escreveu. “Para além disso, um golpe de Estado geralmente relaxa as restrições do poder executivo nos meses que se seguem, porque o exército, muitas vezes, governa por meio de decretos, tal redução de limitações pode aumentar a repressão.”  

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