Perda da Garoupa Branca Ameaça a Segurança Alimentar e a Cultura do Senegal

EQUIPA DA ADF
 

Pessoas de todo o Senegal têm saboreado o thieboudienne, o prato nacional, pelo menos desde o século XIX. A receita deste prato saboroso, confeccionado com peixe recheado, arroz, legumes e uma variedade de especiarias da África Ocidental, percorreu toda a África Subsaariana.

No Senegal, o peixe preferido para thieboudienne é a garoupa branca. Contudo, a pesca predatória liderada pela frota chinesa de pesca em águas distantes (PAL) provocou o colapso da população desta espécie.

 

O nutricionista senegalês, Codou Kébé, disse que o colapso da garoupa levou à perda de uma proteína fundamental para os residentes do país. Não restam muitas outras espécies para ocupar o lugar da garoupa, uma vez que 90% das pescas do país estão totalmente esgotadas ou em risco de colapso, de acordo com dados compilados pela Fundação para a Justiça Ambiental (EJF) e pelas Nações Unidas.

A escassez de peixe fez disparar os preços do pescado.

“O mar já não suporta o peso que é posto sobre este, e isto fez com que o peixe fugisse,” disse Kébé à The Associated Press. “Este é o trabalho dos barcos com as suas redes, que são numerosas no mar.”

Há anos que os pescadores artesanais do Senegal se queixam da presença de arrastões industriais chineses que pescam ilegalmente nas águas do país.

A China é o pior infractor mundial de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), de acordo com o Índice de Pesca INN. Das 10 principais empresas envolvidas na pesca ilegal a nível mundial, oito são da China.

A pesca predatória praticada pela China e por outros países tem sido catastrófica no Senegal e em toda a África Ocidental. Cerca de 20% do peixe capturado ilegalmente em todo o mundo provém de águas próximas da Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Mauritânia, Senegal e Serra Leoa, de acordo com um relatório da organização noticiosa Investigative Journalism Reportika, ou Ij-Reportika.

A África Ocidental é actualmente considerada o epicentro mundial da pesca INN, que rouba anualmente aos governos locais um valor estimado entre 2,3 bilhões e 9,4 bilhões de dólares, de acordo com a Financial Transparency Coalition.

De acordo com a EJF, o Senegal perde mais de 270 milhões de dólares em receitas todos os anos devido à pesca ilegal.

Em 2022, Karim Sall, presidente da Associação de Pescadores de Joal, no Senegal, levou uma equipa de reportagem da France 24 para um dia de pesca no Golfo da Guiné no seu barco de pesca artesanal. Suando sob o sol, Sall puxou a sua rede de pesca à mão.

“Esta é a segunda rede, não há peixe,” disse Sall. “Havia muito peixe por aqui, mas mesmo que esperemos uma hora, não vamos apanhar nada. Olhem, as nossas águas transformaram-se num deserto líquido.”

Em terra, Sall estava numa praia quase vazia, onde outrora um mercado vendia toneladas de peixe por dia.

“Onde estamos agora não haveria espaço para nos sentarmos ou sequer ficarmos de pé devido à quantidade de peixe que havia,” lamentou Sall. “Agora, os navios já não estão cheios. As quantidades baixaram. Isso se deve à pesca predatória comercial.”

No dia em que esteve com Sall, a equipa de reportagem filmou três arrastões industriais estrangeiros de 40 metros de comprimento a pescar em zonas reservadas aos pescadores artesanais. Utilizando redes enormes que raspam o fundo do oceano, capturando indiscriminadamente todo o tipo de vida marinha, os arrastões podem apanhar rapidamente 30 vezes mais peixe do que uma canoa artesanal.

Pelo menos um deles era um navio de bandeira senegalesa que estava registado na China. Os arrastões chineses têm a fama de praticar o “flagging in,” para países africanos, significando que usam e abusam de regras locais para atribuir bandeira a embarcações detidas e operadas por estrangeiros, colocando-as num registo africano para pescar em águas locais. O flagging in é um sinal comum de que a embarcação está envolvida na pesca ilegal.

“Se virmos um arrastão a pescar ilegalmente e denunciarmos o navio, as autoridades senegalesas podem demorar até 48 horas para responder,” disse o pescador local Mor Mbengue. “As autoridades dizem que não estão a permitir a entrada em serviço de novas canoas enquanto estão a dar licenças a estes arrastões, navios chineses, no Senegal.”

Perplexo e zangado, Mbengue virou as palmas das mãos para cima e fez uma careta.

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