EQUIPA DA ADF
Enquanto a Etiópia começa a difícil tarefa de fomentar a paz e reconciliação depois de uma guerra civil devastadora, os observadores alertam que a vizinha Eritreia pode prejudicar o processo.
Alguns estão particularmente preocupados de que o presidente da Eritreia, Isaias Afwerki, cuja parte considerável do exército permanece reunido na fronteira conjunta, pode lançar ou apoiar um ataque contra o seu inimigo de longa data, a Frente Popular de Libertação de Tigré (TPLF). A TPLF liderou a coligação que governou a Etiópia durante 30 anos e lutou numa guerra contra a Eritreia, de 1998 a 2000.
“O presidente da Eritreia considera este conflito como um jogo de soma zero. O seu objectivo é acabar com a TPLF de uma vez por todas,” escreveu Mohamed Kheir Omer, um investigador da Eritreia, para a revista Foreign Policy. “Todas as partes interessadas em ver este acordo de paz bem-sucedido devem ter conhecimento do papel prejudicial que Isaias desempenhou no passado no Corno de África — e o risco de ele poder fazer isso de novo.”
Existem também apelos para uma investigação completa de alegados crimes de guerra cometidos por soldados da Eritreia durante o seu envolvimento no conflito de Tigré.
As mais recentes revelações têm a ver com um massacre de mais de 300 residentes das aldeias, próximo da cidade de Adwa. De acordo com relatos de testemunhas recolhidos pelo The Washington Post, os soldados da Eritreia passaram de porta em porta a disparar contra pessoas, incluindo mulheres, crianças e padres idosos. Imagens de satélite recolhidas por Maxar Technology mostram 67 estruturas danificadas ou destruídas. Os ataques ocorreram poucos dias antes da assinatura do acordo de paz, no dia 2 de Novembro de 2022.
“Queremos que o mundo saiba o que aconteceu,” uma mulher que contou que sete membros da sua família foram mortos, disse ao Post. “Queremos que as pessoas saibam o que aconteceu com os nossos familiares.”
A Eritreia desempenhou um papel central no conflito. Depois da assinatura do acordo de paz com a Etiópia, em 2018, que pôs fim a aproximadamente 20 anos de hostilidades, os líderes dos dois países — o Primeiro-Ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, e Isaias, da Eritreia — tornaram-se aliados.
Em 2020, quando o governo federal da Etiópia entrou em guerra com a TPLF, a Eritreia ofereceu apoio e mobilizou o seu exército. Com um serviço nacional obrigatório para pessoas de 18 a 40 anos, a Eritreia pressionou milhares de homens — muitos com pouca formação — a estarem nas linhas da frente. Aqueles que se recusassem eram presos, e os seus familiares enfrentavam punições que incluíam serem desalojados das suas casas. No seu auge, aproximadamente 100.000 tropas da Eritreia, incluindo 10 brigadas mecanizadas, estiveram envolvidas nos confrontos, segundo a The Associated Press.
Os defensores dos direitos humanos a nível mundial acusaram todos os lados envolvidos no conflito, incluindo o exército federal da Etiópia, as forças tigreanas e as milícias étnicas Amhara, de cometerem crimes de guerra e violações de direitos humanos.
As Nações Unidas estabeleceram como alta prioridade a investigação destes crimes, com Mohamed Chande Othman, Presidente da Comissão de Especialistas de Direitos Humanos na Etiópia, afirmando que os sobreviventes exigem que as suas histórias sejam ouvidas. Ele considerou a investigação dos abusos da guerra “como tão importantes quanto nunca para a criação de uma paz duradoura.”
“A paz e a justiça são dois objectivos que se reforçam mutuamente,” disse Othman. “Uma não pode existir sem a outra.”
Mas à medida que o processo lento de cura começa na Etiópia, os observadores alertam que a comunidade internacional deve proteger-se contra a interferência da Eritreia.
“A guerra é uma forma de Afwerki permanecer envolvido na política da Etiópia,” analista baseada em Nairobi, Asia Abdulkadir, disse à Bloomberg. Ela acrescentou: “Não acredito que seja do seu interesse que este conflito termine. Isso é pura sobrevivência para ele.”