EQUIPA DA ADF
Quando os extremistas lançavam assaltos homicidas sobre igrejas burquinabês em 2019, o vizinho Gana tomava notas. Nos anos anteriores, o terrorismo e a violência apoiados por islamitas, que nasceram no Mali e que se espalharam em direcção ao Sul, tinham-se infiltrado no Burquina Faso e alastravam-se para cada vez mais próximo da fronteira norte do Gana.
Embora ocorressem a centenas de quilómetros a norte da fronteira, os ataques contra igrejas ainda eram uma fonte de preocupação. A sua brutalidade contra os fiéis e contra os locais de culto era surpreendente.
Em Silgadji, Burkina Faso, homens armados chegaram de motorizadas, em alta velocidade, e mataram um pastor, dois dos seus filhos e outros três membros da congregação, em Abril de 2019, noticiou a BBC. Menos de um mês depois, mais de duas dezenas de extremistas mataram seis pessoas, incluindo um padre, durante uma missa na igreja, em Dablo. Depois incendiaram a igreja e a deixaram em cinzas.
O medo voltou a ser instigado nos ganeses pouco depois do domingo, dia 2 de Junho de 2019, quando um cidadão de 51 anos de idade, de nacionalidade burquinabê, acabou por entrar ao acaso numa igreja católica, em Hamile, uma cidade nortenha da fronteira norte do Gana. O pedreiro, vestido de uma camiseta e calças, trazia uma pistola semiautomática e levantou a suspeita dos membros da congregação.
A polícia chegou e prendeu o homem antes de mais nada ter acontecido. O homem armado disse às autoridades que tinha chegado àquela zona, uma semana antes, para trabalhar num projecto de construção, de acordo com o Graphic Online, um canal ganês de notícias. Ele também disse à polícia que trazia a arma para a sua protecção, porque anteriormente já tinha sido vítima de roubo em Burquina Faso.
O Conselho Regional de Segurança de Upper West reuniu com líderes cristãos e muçulmanos para encorajar a vigilância e para que os residentes locais continuem atentos a pessoas suspeitas, de acordo com o Graphic Online. “Este é um alerta para se despertar para a segurança pública,” disse o Reverendíssimo Richard Kuuia Baawobr, bispo da Diocese de Wa.
Enquanto a violência dos militantes islamitas continua a aumentar em Burkina Faso, Mali e em outros lugares, duas coisas ficam claras: os grupos extremistas tornaram público o seu desejo de expandir o seu alcance para os países costeiros da África Ocidental. E aqueles países estão a trabalhar juntos no sentido de os impedir.
“De algum tempo para cá, o entendimento que todos nós, que tralhamos neste espaço, é que o extremismo violento está a descer em direcção aos Estados da região costeira do Sahel — de Mali, passando por Níger até Burkina Faso — e subsequentemente a procurar assumir o controlo de Estados das regiões costeiras, incluindo o Gana,” Mutaru Mumuni Muqthar, director-executivo do Centro de Combate ao Extremismo da África Ocidental (WACCE, na sigla inglesa), disse à ADF. “E, por isso, temos estado a acompanhar este assunto com muita atenção em termos de lidar com as comunidades ao longo das fronteiras, as nossas fronteiras do norte.”
A SEDUÇÃO DOS ESTADOS COSTEIROS
A propagação da violência a partir do Mali para o Burkina Faso e para outros lugares pode ser explicada através de várias dinâmicas. Em primeiro lugar, as respostas de segurança regionais e internacionais obrigaram que os militantes saíssem quando procuravam por locais seguros nos novos territórios, como ao longo das fronteiras porosas de Burkina Faso, Mali e na região de Liptako-Gourma, do Níger.
Em segundo lugar, os militantes procuram “expandir o campo de batalha” para diluir a eficácia das forças de segurança, fazendo com que as autoridades cubram territórios cada vez maiores, de acordo com o Dr. Daniel Eizenga, assistente de pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos de África. Por último, as populações da região, incluindo as que se encontram nos Estados das regiões costeiras, tendem a estar cultural e eticamente interligadas de formas que desafiam os limites fronteiriços, especialmente com relação ao movimento de pastores, entrando e saindo pela região. Isso pode complicar ainda mais a segurança e não está directamente ligado à violência de 10 anos originada no Mali.
Líderes militares de alta patente deixaram claros os seus intentos durante um encontro de Fevereiro de 2020, na região centro do Mali, onde discutiram sobre a expansão para o Golfo da Guiné, primariamente através do Benin e da Costa do Marfim e atacando as bases do exército lá existentes.
Entre os participantes, de acordo com as autoridades de segurança da França, estavam Abdelmalek Droukdel, então líder do al-Qaeda no Maghreb Islâmico; Iyad Ag Ghali, fundador do Ansar al-Dine e líder do Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin, conhecido como JNIM; e Amadou Kouffa, líder da Frente de Libertação de Macina. As forças francesas mataram Droukdel, no Mali, em Junho de 2020.
As motivações financeiras também se encontram entre os prováveis causadores da expansão para os Estados costeiros. O Sahel e as regiões vizinhas são predominantemente pastorais, o que significa que possuem uma indústria pecuária robusta. Os mercados de gado fazem com que as pessoas avancem em direcção à costa. Caso os extremistas consigam controlar e explorar as rotas do comércio e os movimentos nestas rotas, eles podem ajudar a financiar os seus esforços, disse Eizenga.
Aqueles movimentos transfronteiriços são comuns e difíceis de policiar em países como o Benin, Costa do Marfim, Gana e Togo.
Muqthar disse que a infiltração por parte dos extremistas na região norte do Gana é «inevitável.» O seu grupo, WACCE, mantém uma dezena de envolvimentos civis por ano, na sua maioria em Gana, mas o grupo também trabalhou nos Camarões e possui “redes operacionais” em Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali e Senegal. A maior parte dos envolvimentos são workshops para ajudar os civis a criar resiliência contra o extremismo violento. O grupo também realiza pesquisa e trabalho de advocacia e trabalha em estreita cooperação com os ministérios do interior e da segurança nacional do Gana.
WACCE observou movimentos transfronteiriços próximo de Bawku, uma cidade do nordeste do Gana, perto do lugar onde Burkina Faso, Gana e Togo se encontram. O mesmo acontece nas cidades do noroeste, como Hamile e Tumu.
“Existem testemunhos de como grupos de pessoas reivindicando ser familiares ou que partilham familiares no Gana, que entram, atravessam para o Gana e voltam,” disse. «E existem suspeitas de extremistas que utilizam esta ideia de família e atravessam entrando para o país e depois saindo.»
Relatórios de oficiais da imigração, a nível local e nacional, indicam que os extremistas, sob pressão das forças de segurança, fogem para o Gana para se esconderem e também tentam recrutar jovens ganeses. “O que não sabemos — não temos a certeza — é até que ponto isso acontece, os números envolvidos
e a sua decisão de o fazer,” disse Muqthar.
Sampson Kwarkye, investigador sénior dos Escritórios Regionais do Instituto de Estudos de Segurança (ISS) para África Ocidental, Sahel e Bacia do Lago Chade, escreveu que os extremistas do Sahel “estão cada vez mais a aceder à economia terrorista, utilizando o Benin, a Costa do Marfim, Gana e Togo como fontes ou zonas de trânsito para financiamento e logística.”
A pesquisa do ISS, escreveu ele em Junho de 2020, demonstra que os extremistas roubam gado de Burkina Faso, Mali e Níger e vendem a preços baixos em Benin, Costa do Marfim e Gana. O dinheiro é posteriormente canalizado de volta aos seus cúmplices, incluindo terroristas, que o utilizam para adquirir armas, motorizadas, combustível e comida.
Kwarkye escreveu que os contrabandistas trazem fertilizantes avaliados em milhares de dólares, oriundos de cidades da fronteira do Gana, como Hamile, para o Burkina Faso, onde se torna abundante e barato para os extremistas que o utilizam para fazer dispositivos explosivos improvisados e carros-bomba.
OS ESTADOS DA ÁFRICA OCIDENTAL RESPONDEM
Kwarkye escreveu que os países costeiros terão de melhorar o controlo das fronteiras, melhorar as suas habilidades de rastrear o comércio entre os países e reunir melhor inteligência, incluindo através do apoio de civis que vivem nas cidades das regiões fronteiriças.
O Gana já está a tomar medidas neste sentido. O presidente Nana Akufo-Addo, em Junho de 2021, anunciou o lançamento da primeira Estratégia de Segurança Nacional daquele país. Os esforços são destinados a fornecer “respostas rápidas, coordenadas e compreensíveis” às ameaças, disse.
O ministro da segurança nacional deve promover workshops para oficiais do governo, líderes religiosos e tradicionais, grupos de jovens e de mulheres, educadores e organizações da sociedade civil para esclarecer os seus papéis na colaboração para a segurança.
Os países vizinhos do Gana também passaram alguns anos a preparem-se para se defender das crescentes ameaças de extremistas emanadas do Sahel.
Em Junho de 2021, a Costa do Marfim inaugurou a sua Academia Internacional de Combate ao Terrorismo, nos arredores de Abidjan. A academia inclui um instituto de pesquisa, uma escola para oficiais do governo e um centro de formação para forças especiais. A mesma irá formar soldados, agentes da polícia, agentes das alfândegas e administradores prisionais de vários países.
“O norte da Costa do Marfim está a começar a ficar sob a influência de grupos jihadistas,” especialista costa-marfinense em matéria de combate ao terrorismo, Lassina Diarra, disse à Agência France-Presse. “Esta região é fundamental para a segurança do Estado costa-marfinense.”
Os extremistas que têm como alvo a Costa do Marfim exploram os laços culturais com o Burkina Faso para atravessar as fronteiras e para fazer o recrutamento e praticar outros actos ilegais. Em Junho de 2020, extremistas atacaram um posto de segurança, em Kafolo, matando 10 soldados. Em 2021, vários outros ataques, ao longo das fronteiras, foram perpetrados nos meados do ano.
No Togo, a leste do Gana, o governo formou um Comité Interministerial para a Prevenção e Luta Contra o Extremismo Violento, em Maio de 2019. O comité, composto por 18 membros, inclui membros de ministérios do governo, o exército e grupos civis e religiosos. O grupo trabalha com painéis locais para fazer campanhas de sensibilização, alertas antecipados de actividades extremistas e melhorar as relações entre os civis e as forças de segurança, de acordo com um relatório do ISS, de Outubro de 2019, intitulado “Togo aperta o cerco contra ameaças terroristas.”
Os países das regiões costeiras da África Ocidental também estão a trabalhar em conjunto. Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Gana e Togo criaram a Iniciativa de Acra, em 2017, em resposta à crescente ameaça regional de extremistas. Dois anos depois, Mali e Níger juntaram-se a eles como observadores. A iniciativa centra-se em três áreas: formação; operações militares transfronteiriças, como a operação Koudalgou I, II e III entre Maio de 2018 e Novembro de 2019; e partilha de informação e de inteligência através de encontros periódicos entre ministros do governo e oficiais de segurança.
Os países da região parecem concordar que as intervenções militares, que tendem a ser de curta duração e esporádicas, não serão suficientes para combater a crescente ameaça. Interagir com civis, construir a confiança e realizar operações de formas que interrompem os fluxos financeiros dos extremistas sem prejudicar as economias locais será crucial.
O Gana destaca-se como um modelo na África Ocidental. Até agora, evitou grandes ataques terroristas apesar de estar num emaranhado de países que sofrem tais abusos. Possui um exército bem formado, um governo estável e um histórico de envolvimento com a sociedade civil. Mesmo assim, deve permanecer em alerta.
O analista em matérias de políticas estrangeiras e de segurança, Abid Saani, disse ao serviço noticioso alemão, Deutsche Welle, em Julho de 2021, que o Gana beneficia da ausência de insurgência activa e outros problemas de segurança interna.
“Em termos gerais, no Gana fomos capazes de manter um nível de segurança humana e uma coesão nacional em todas as partes do país, por isso, os terroristas não têm espaço de enquadramento.”