Perfis De Liderança
Soldados e Líderes Militares de Toda a África Sacrificaram as Suas Vidas e Carreiras para Proteger a Democracia
EQUIPA da ADF
O cabo tanzaniano, Ali Khamis Omary, estava a servir na missão de manutenção da paz das Nações Unidas na República Democrática do Congo, a procurar impedir a propagação do Ébola. Ele e os seus colegas tinham sido enviados para o leste do país numa missão conjunta com os soldados de manutenção da paz provenientes do Malawi.
Os rebeldes atacaram Omary e outros soldados de manutenção da paz, no dia 14 de Novembro de 2018. Ele foi alvejado na perna e o soldado raso malawiano, Chancy Chitete, correu para ajudá-lo, administrando primeiros socorros para salvar a sua vida.
Chitete arrastou Omary para um lugar seguro, apesar do fogo inimigo, mas ele foi alvejado e morto no processo.
Graças a acções de Chitete, descrito pelo Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, como “um verdadeiro herói,” os soldados de manutenção da paz obrigaram com sucesso os rebeldes a saírem das suas fortalezas, possibilitando que as Nações Unidas continuassem a trabalhar para erradicar o Ébola na região. “Ele pessoalmente fez a diferença — uma diferença profunda,” disse Guterres.
Em Maio de 2019, a ONU homenageou Chitete numa cerimónia em Nova Iorque, onde a sua família recebeu a Medalha do Capitão Mbaye Diagne pela sua coragem excepcional. É a homenagem mais elevada da manutenção da paz da ONU.
Existem muitos exemplos como estes de profissionalismo militar, devoção ao trabalho e coragem em combate. Existem histórias de soldados de manutenção da paz que se recusaram em abandonar as pessoas a quem tinham sido atribuídos a tarefa de proteger, líderes que se recusaram a participar em golpes militares e soldados que deixaram as armas apenas porque respeitam os líderes que os ordenaram a fazê-lo.
Esses são soldados que sabem que os seus países são melhor servidos por um governo civil e não um governo militar. São soldados que acreditam na democracia e no Estado de Direito e conhecem o valor da vida humana.
DEVER DE PROTEGER
O Capitão Mbaye Diagne, cujo nome está no prémio das Nações Unidas que Chitete recebeu, foi um homem como esses. Em 1994, depois do assassinato do presidente do Ruanda, os soldados da guarda presidencial torturaram e mataram a Primeira-Ministra, Agathe Uwilingiyimana, o marido e 10 soldados de manutenção da paz belgas. Extremistas Hútus tomaram o poder e começaram a levar a cabo um genocídio, matando membros da minoria Tutsi e alguns Hútus politicamente moderados.
Como soldado de manutenção da paz da ONU, Mbaye ouviu falar dos assassinatos. O capitão senegalês foi investigar e descobriu cinco filhos da primeira-ministra escondidos. Mbaye escondeu as crianças debaixo de mantas na sua viatura e levou-as para a segurança de um hotel de Kigali, que servia como um edifício da ONU.
O genocídio durou 100 dias, com mais de 800.000 ruandeses mortos. Escondendo-as na sua viatura, Mbaye, a trabalhar sozinho, começou a resgatar pessoas das garras dos assassinos que andavam pelas ruas. Como observador da ONU, ele sempre andava desarmado.
A ONU tinha regras que proibiam que os seus observadores resgatassem civis, mas Mbaye sabia que as circunstâncias exigiam medidas extraordinárias. Nas suas missões de resgate, ele podia transportar até cinco pessoas debaixo das mantas na parte traseira da sua viatura. Passou por dezenas de pontos de controlo em cada viagem.
Mas nunca foi apanhado. Duas semanas antes da data marcada para o seu regresso ao Senegal, ele estava a conduzir para a sede da ONU quando uma cápsula de um morteiro atingiu o seu jeep. Estilhaços atingiram-no na nuca, matando-o. Ele tinha 36 anos de idade.
Em 2014, as Nações Unidas criaram o prémio em sua homenagem. A ONU pensou em 10 pessoas para receberem o prémio antes de decidir que o primeiro devia ir para a família de Mbaye.
No dia 19 de Maio de 2016, o então Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, presenteou a viúva de Mbaye, Yacine Mar Diop, e os seus dois filhos com o prémio inaugural.
O jornalista Mark Doyle descreveu Mbaye em termos simples. O grande soldado senegalês foi “o homem mais corajoso que eu já conheci.”
CESSAR-FOGO RELUCTANTE
Na guerra contra o apartheid na África do Sul, Nelson Mandela foi o rosto e o diplomata do movimento, enquanto Chris Hani foi o seu general militar. Por causa da sua inteligência e educação, Hani era considerado como sendo alguém que era superado apenas por Mandela em termos de popularidade entre as forças anti-apartheid. Ele era admirado particularmente pela sua insistência para que as mulheres do movimento fossem tratadas com igualdade.
Hani orquestrava ataques diários contra empresas e era responsável pela guerra de guerrilha que eventualmente obrigou o governo sul-africano a optar pela mesa das negociações. No dia 7 de Agosto de 1990, depois de 14 horas de conversações entre o governo da África do Sul e os líderes do Congresso Nacional Africano, Mandela anunciou que todos os ataques deviam cessar imediatamente para que uma nova Constituição pudesse ser elaborada.
Hani acreditava que o cessar-fogo era prematuro e enfrentou o dilema moral de continuar as rusgas ou obedecer ao seu comandante em chefe não oficial.
Em entrevistas sem data depois do cessar-fogo, Hani não se desculpou do seu desejo de continuar a lutar.
“Não dormi quando a nossa delegação ficou trancada nas negociações e, quando a decisão veio, apeteceu-me chorar,” contou ele. “Fiquei profundamente amargurado de que a decisão tinha sido tomada sem consultar aqueles de nós que estávamos envolvidos no lado físico da luta. Mas, como um soldado disciplinado, aceitei. Quando mais tarde me foi explicado de que era importante para manter a dinâmica das negociações, aceitei ser dominado.”
A paz relativa que veio depois não teria sido possível sem a cooperação de Hani. Ele foi tão crucial para o fim do apartheid quanto Mandela.
Hani foi assassinado no dia 10 de Abril de 1993, fora da sua casa. Os dois homens condenados pelo homicídio afirmaram estar a agir sob ordens do Partido Conservador da extrema-direita.
MANTER-SE FIEL À CONSTITUIÇÃO
Quando o presidente malawiano, Bingu wa Mutharika, morreu de forma inesperada, vítima de um ataque cardíaco, no dia 5 de Abril de 2012, os líderes políticos decidiram manter a morte em segredo enquanto procuravam por formas de bloquear a Vice-Presidente Joyce Banda de assumir a presidência.
Banda já não era muito aceite no seio da administração antes da morte do presidente. Mutharika tinha delegado algumas das suas tarefas à sua primeira-dama e queria que o seu irmão o sucedesse quando eventualmente deixasse o cargo. Houve uma resistência considerável na administração à noção de uma mulher algum dia tornar-se presidente.
Os oponentes de Banda pediram que o exército agisse e a impedissem de assumir o poder. O General Henry Odillo, comandante das Forças de Defesa do Malawi, recusou-se, dizendo que era obrigado pela constituição a apoiar Banda. Ele disse que qualquer outro governo seria ilegal. Deu o passo adicional de colocar tropas estacionadas ao redor da casa de Banda. Dois dias depois, Banda foi investida como presidente.
“Não se pode imaginar o que poderia ter acontecido no Malawi se o exército tivesse sucumbido à oferta imprudente de tomar o poder,” disse a zambiana Brigadeiro-General Joyce Ng’wane Puta, de acordo com um relatório do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS).
Dois anos depois, numa disputa entre Banda e os seus oponentes políticos, começou a circular uma informação de que o exército iria tomar o poder num golpe contra ela. Odillo rapidamente emitiu um comunicado em apoio à Banda e ordenou que as suas tropas permanecessem nos seus quartéis até que a crise fosse resolvida.
Peter Mutharika derrotou Banda nas eleições presidenciais de 2014. Odillo foi rapidamente substituído como chefe do Estado-maior. Desde essa altura, ele foi julgado sob acusação de corrupção, mas o seu acto de manter-se fiel à Constituição ainda é considerado como um exemplo brilhante de profissionalismo militar.
NENHUMA POLÍTICA NO SEIO DO EXÉRCITO
In 2015, o partido no poder, do veterano presidente ugandês, Yoweri Museveni, o Movimento da Resistência Nacional, foi acusado de tentar intimidar os líderes da oposição, incluindo ameaças de violência. Houve relatos de alguns líderes da oposição de estarem a formar as suas próprias milícias para se protegerem.
Um dos oficiais do partido no poder disse que as pessoas que se opusessem aos resultados das próximas eleições presidenciais de 2016 seriam fuziladas.
O General Katumba Wamala, então comandante das Forças de Defesa Popular do Uganda, não aceitou cumprir com isso. Ele anunciou que a política não seria tolerada no seio dos seus soldados. O ACSS disse que Wamala emitiu uma ordem, afirmando que “todos os oficiais do exército são avisados a não se atreverem a envolver-se na política e qualquer um que infringir a lei receberia o seu tratamento.”
Mais tarde, ele disse que a tarefa dos seus soldados era de preservar a paz e possibilitar que a população exerça o seu direito de voto. Disparar contra civis, disse ele, não fazia parte da sua missão. “Não existe nada tão importante quanto a paz,” disse.
Acredita-se que a reputação de Wamala como um homem de elevados padrões e uma intolerância para interferência política tenha acalmado o clima político daquele tempo, fazendo com que houvesse um período pós-eleições, em termos gerais, pacífico.
OS SALVADORES GANESES
Durante o genocídio do Ruanda, em 1994, o governo belga decidiu que as tropas da Missão de Assistência das Nações Unidas no Ruanda estavam em perigo. A Bélgica disse ao general canadiano, Roméo Dallaire, comandante da missão, que as tropas se arriscavam a serem atacadas por combatentes ruandeses assim como pelos Interahamwe, uma organização paramilitar Hútu, que era a principal causadora das matanças.
Dallaire instruiu o general ganês, Henry Kwami Anyidoho, comandante-adjunto das forças, a encerrar a missão para evitar quaisquer confrontos com os dois grupos. Anyidoho contestou, dizendo que estava determinado a manter todos os 454 soldados do contingente ganês no lugar, protegendo o maior número possível de ruandeses.
“Eu nem sequer tinha pedido permissão de casa quando lhe disse que iriamos ficar,” disse Anyidoho à Al-Jazeera, em 2014. “Não tínhamos alternativa. Não podíamos abandonar estas pessoas.”
Dallaire estima que por ficarem naquele ponto, os soldados de manutenção da paz ganeses ajudaram a salvar cerca de 30.000 vidas.
“O seu país demonstrou a coragem que muitos outros eram absolutamente incapazes de ter diante de tamanha catástrofe,” disse Dallaire à Al-Jazeera. “Muitos fugiram, mas os ganeses ficaram.”
“O cerne da questão é, para eu ter sido capaz de ficar e fazer qualquer coisa que seja, foi pelo facto de os ganeses e o General Anyidoho terem ficado lá,” acrescentou Dallaire.
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