Para O Bem Comum

A Comissão do Oceano Índico Ajuda os Países Insulares de África a Combaterem o Crime Marítimo

EQUIPA DA ADF

O Baba Ali, uma embarcação de pesca das Seychelles, estava a passar pela zona económica exclusiva (ZEE) do país quando as autoridades a interceptaram em Maio de 2021.

Através de uma operação coordenada pela Força Aérea das Seychelles, a Guarda Costeira das Seychelles e o seu Centro Nacional de Partilha de Informação e Coordenação, as autoridades entraram a bordo e fizeram a inspecção da embarcação. O que encontraram – heroína e haxixe avaliados em cerca de 1,2 milhões de dólares – demonstra a magnitude da ameaça regional de tráfico.

A captura das drogas e a apreensão de três seichelenses e quatro cidadãos indonésios demonstraram que os esforços daquele país insular para reforçar a segurança marítima estavam a funcionar, Ministro das Pescas das Seychelles, Jean-François Ferrari, disse durante uma conferência de imprensa.

“Com a ajuda das informações colhidas, fomos capazes de levar a cabo uma operação nesta embarcação e os colocamos nas mãos das forças policiais,” disse Ferrari. “Não serei capaz de entrar em pormenores, visto que este é um caso policial, mas de acordo com as informações que recolhemos, a quantidade total de drogas a bordo do Baba Ali era três vezes maior do que aquilo que recolhemos, visto que uma parte desapareceu no Oceano Índico.”

Um arquipélago com cerca de 1.800 quilómetros a nordeste de Madagáscar, as Seychelles são compostas por 115 pequenas ilhas, fazendo com que as suas águas sejam difíceis de policiar. O mesmo ocorre com outros países insulares do Oceano Índico Ocidental, incluindo as Ilhas Comores, Madagáscar, Ilhas Maurícias e o departamento francês, Ilha da Reunião.

Nos últimos 25 anos, contudo, os países insulares melhoraram gradualmente a segurança marítima através da participação como membros da Comissão do Oceano Índico (IOC), que os ajudou a aumentar a cooperação das agências da lei, a partilha de informações e a coordenação em todas as fronteiras para combater a criminalidade marítima.

 A comissão é a única organização intergovernamental composta exclusivamente por Estados insulares. A União Europeia (EU) financia os seus esforços de segurança marítima em África.

Uma Grande Rota de Drogas

Os países insulares encontram-se numa notável faixa do Oceano Índico Ocidental que, durante décadas, foi uma rota de trânsito de drogas. Outras questões marítimas da região incluem a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada; a pirataria e os raptos; assim como o tráfico de armas, seres humanos e produtos provenientes da fauna bravia.

Os desafios da segurança marítima da região causaram consequências sociais graves. As Seychelles possuem a maior taxa per capita de consumo de heroína no mundo. Os outros Estados insulares da região enfrentam desafios semelhantes, incluindo um fluxo de entrada de cocaína, cannabis, cannabis sintética, ecstasy e metanfetamina.

“O consumo per capita [de heroína] nas Seychelles e nas Maurícias é uma loucura,” Yann Yvergniaux, analista sénior da Trygg Mat Tracking, uma organização sem fins lucrativos que fornece inteligência pesqueira a países e organizações, disse à ADF. “Tantas drogas são enviadas que uma parte dela acaba no mercado local. Algumas pessoas envolvidas no comércio usam as drogas para fins recreativos. É horrível. Nas Seychelles, alguns proprietários de barcos de transporte de carga disseram-me que já não podem encontrar mais jovens para fazerem parte da tripulação, porque todos andam envolvidos nas drogas.”

As ilhas encontram-se no e próximo do Canal de Moçambique — uma via navegável de 1.600 quilómetros entre Madagáscar e a África Oriental, a qual é responsável por cerca de 30% do tráfico global de navios petroleiros. As vias navegáveis são a rota principal para o envio de heroína para a Europa Ocidental a partir do Afeganistão, passando pelo Paquistão.

As Ilhas Comores estão próximas do centro do limite norte do canal, e a Ilha da Reunião e as Ilhas Maurícias encontram-se a leste da linha costeira de Madagáscar, de 4.800 quilómetros.

A quantidade da heroína capturada na rota de tráfico do Oceano Índico foi mais do que o dobro entre 2018 e 2019, de acordo com os Escritórios das Nações Unidas sobre Drogas e o Crime. O tráfico de produtos provenientes da fauna bravia também aumentou devido à pobreza generalizada e ao aumento da procura de animais exóticos no estrangeiro.

Um homem seichelense recebe metadona para tratar a sua dependência de heroína. As Seychelles apresentam a maior taxa per capita de consumo de heroína do mundo. AFP/GETTY IMAGES

O envolvimento da IOC na segurança marítima da região começou no início da década de 1980 quando a cocaína e a heroína se tornaram na principal fonte de rendimentos para os traficantes. A comissão criou gradualmente uma rede de agências de pescas e de controlo que trocam informações e realizam inspecções conjuntas no mar.

“Mesmo que uma [embarcação suspeita] esteja nas águas da zona económica exclusiva de um país, o inspector pode ser de um outro país,” Raj Mohabeer, o encarregado da missão da IOC, disse à ADF. “Desta forma, os países vizinhos cooperam.”

Um ‘Sentido de Identidade Regional’

As inspecções tipicamente são iniciadas quando os Estados vizinhos partilham informações como a licença e o histórico de inconformidade da embarcação.

A IOC colabora com os órgãos regionais como a Autoridade Intergovernamental sobre o Desenvolvimento, a Comunidade da África Oriental e o Mercado Comum da África Oriental e Austral, nos termos do Programa de Segurança Marítima financiado pela União Europeia.

“Isso tem sido feito pela IOC mas também através da FISH-i Africa, que é um mecanismo que até bem pouco tempo basicamente fazia a monitoria e a vigilância dos Estados insulares, mas [também inclui] Quénia, Somália e outros Estados, fazendo a troca de informações,” disse Yvergniaux.

Agentes das pescas participam num exercício de treino de segurança marítima, em Madagáscar. CENTRO DE OPERAÇÕES DE COORDENAÇÃO REGIONAL

Yvergniaux, um antigo analista financeiro da IOC, acrescentou que um “sentido de identidade regional” entre os Estados insulares menores coloca-os “no curso da cooperação regional antes de outros Estados do continente.”

Até 2019, nas Seychelles, o Centro Regional de Operações de Coordenação (RCOC, sigla inglesa) que, na essência, realiza acções de controlo de cumprimento da lei de forma conjunta no mar, estava a trabalhar arduamente com o Centro de Fusão de Informação Marítima Regional, com sede em Madagáscar, que partilha informação marítima e alerta o RCOC de actividades suspeitas no mar.

Através dos centros criados pela IOC, sete países assinaram acordos para a troca e partilha de informação marítima e participar em acções conjuntas nas águas: Comores, Djibouti, Quénia, Madagáscar, Ilhas Maurícias, Ilha da Reunião e as Seychelles.

“Estamos nas primeiras fases da criação de uma arquitectura para a segurança marítima que irá fazer a monitoria de todas as embarcações na região da IOC e analisar o comportamento e a identificação das embarcações de interesse,” disse Mohabeer. “Se uma embarcação de interesse for o que precisamos de verificar, nós fazê-lo. Estamos nos primeiros estágios da criação do sistema, mas já alcançamos muito. Infelizmente, a COVID-19 veio no ano passado e prejudicou o nosso progresso.”

A IOC continua a encorajar os países costeiros da África Oriental a aderirem.

“Fazemos isso porque estamos a falar de bens comuns como o oceano, mas o que se vê a nível mundial?” questionou Mohabeer. “Poucas pessoas olham para o bem comum como algo que tivessem de ter em conta. É necessário trabalhar para o bem comum.”

Um membro das Forças Armadas Populares de Madagáscar acompanha um detido durante um evento de treino de simulação do Cutlass Express, em Pemba, Moçambique. SUBOFICIAL DE PRIMEIRA CLASSE KYLE STECKLER/MARINHA DOS EUA

Apesar dos esforços da IOC, a criminalidade marítima na região não demonstra sinais de redução. De acordo com uma pesquisa da ENACT — Melhorar a Capacidade de África para Combater o Crime Marítimo Transnacional — aproximadamente 40 toneladas de heroína são movimentadas pela região anualmente e 5 toneladas ficam em locais de desembarque.

Em Abril de 2021, a autoridade de Controlo de Drogas e de Cumprimento da Lei e a Força de Defesa Popular da Tanzânia capturaram uma tonelada de heroína de uma embarcação que navegava no Oceano Índico Ocidental bem a norte de Moçambique, noticiou o jornal The East African. Sete pessoas foram presas.

Mais tarde, nesse mesmo mês, as autoridades tanzanianas apreenderam 270 quilogramas de heroína de um nigeriano e dois cúmplices tanzanianos que traficavam a droga por via marítima. Um mês antes, duas pessoas foram condenadas à prisão perpétua por traficarem para dentro do país 275,40 gramas de hidroclorato de heroína na Tanzânia, noticiou o jornal.

Um Modelo para a África Continental

Um relatório de 2021, do Instituto de Estudos de Segurança, argumenta que os esforços da IOC para melhorar a segurança marítima nos países insulares pode servir de modelo para que outros países africanos possam seguir.

A partilha de informação marítima e as patrulhas conjuntas demonstraram algum sucesso no Golfo da Guiné, onde o flagelo da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada está a esgotar rapidamente as unidades populacionais de peixe da África Ocidental e já provocou o aumento dos ataques de piratas. A região representou 130 dos 135 sequestros marítimos a nível mundial em 2020.

As autoridades formaram a Força-Tarefa da África Ocidental do Comité das Pescas do Centro-Oeste do Golfo da Guiné, em 2015, para combater a pesca ilegal na região. Os países participantes são Benin, Costa do Marfim, Gana, Libéria, Nigéria e Togo.

A força-tarefa está a “trabalhar na mesma base de partilha de informações sobre as licenças,” conforme disse Yvergniaux, da IOC. “Isso é ainda muito novo. As patrulhas conjuntas não estão a acontecer agora, mas estão a aprender.”.  

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