EQUIPA DA ADF
Confrontos violentos entre mercenários russos e civis próximo das minas de ouro, na República Centro-Africana (RCA), foram algo comum durante anos.
Depois da invasão da Ucrânia, a sede da Rússia pelo ouro africano parece ainda maior e o número de mortes está a aumentar.
“As sanções impostas contra a Rússia estão a motivar a sua pressão pelo ouro,” jornalista Philip Obaji Jr. disse à ADF. “Mesmo que a Rússia possa ter dificuldades para vender as suas reservas de ouro como resultado das sanções, existe ainda o mercado físico, onde o rastreio pode ser difícil. Está cheio de furos que eles podem explorar.”
Mercenários russos mataram centenas de civis numa corrente de ataques de 14 a 18 de Março, em Ouandja, uma área de mineração do ouro na RCA, de acordo com entrevistas com sobreviventes, feitas pela página da internet de notícias Middle East Eye (MEE).
O minerador de ouro Adam Zakaria, que deixou o Sudão por causa da insegurança, disse que seis membros da sua família estiveram entre os mais de 50 sudaneses mortos por mercenários russos nos ataques, que incluíram helicópteros com armamento pesado, tanques e camiões.
“O que vimos foi muito brutal e sangrento,” disse Zakaria à MEE. “Eles utilizam estas forças e armamentos agressivos contra civis, incluindo a morte de comerciantes e mineiros, assim como a pilhagem de ouro e dinheiro. [Eles] querem expulsar os meneiros tradicionais para poderem possam controlar as regiões de mineração do ouro na RCA e posteriormente em toda a região do Sahel por si próprios.
“Perdemos centenas de vítimas que fugiram da região quando as forças russas perseguiam deslocados até que estivessem próximo da fronteira do Sudão.”
Desde que chegaram à RCA, em 2017, os mercenários russos do Grupo Wagner centraram-se em garantir concessões mineras e locais de mineração. Também foram acusados de crimes de guerra contra civis, incluindo mortes, tortura, violação, retirada forçada de populações e alvejar de forma indiscriminada estruturas de civis.
Um relatório de 2021, feito pela força de manutenção da paz das Nações Unidas, na República Centro-Africana (MINUSCA), afirma que os russos “podem ter cometido crimes de guerra, especialmente na execução de civis e outros indivíduos que não participavam das hostilidades,” na região central do país.
Num comunicado, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Mercenários disse que estava “profundamente transtornado pelos papéis interconectados dos Serviços de Segurança Sewa, Lobaye Invest SARLU, de proprietários russos e a organização baseada na Rússia popularmente conhecida como Grupo Wagner.”
Lobaye Invest é uma empresa de mineração detida pelo oligarca russo Yevgeny Prigozhin, um aliado próximo de Putin.
“Estamos a ver algumas das mais graves violações de direitos humanos e violações de leis humanitárias e estamos a vê-las em grande escala,” Sorcha MacLeod, um membro do grupo de trabalho da ONU, disse numa entrevista à CNN. “As pessoas no terreno estão absolutamente aterrorizadas.”
As minas de ouro da RCA e do Sudão foram zonas de conflitos muitos anos antes de os russos terem sido destacados, mas os observadores afirmam que os recentes níveis de violência não têm precedentes.
Sentindo a pressão das sanções internacionais, a Rússia tem mais motivos para aumentar as suas reservas já substanciais de ouro.
“A Rússia tem vindo a criar a sua influência em África desde 2014, incluindo com os governos da África Ocidental e produtores de ouro de Mali e da República Centro-Africana,” a Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional escreveu num boletim de Abril de 2022. “As fortes relações da Rússia com os governos regionais levantam preocupações de que o sector de ouro pode ser uma avenida para a angariação de fundos e para a lavagem de ouro para evadir-se das sanções impostas contra Moscovo e outros actores.”
Especialistas acreditam que a Rússia utiliza o Grupo Wagner para ter como alvo os países africanos, ricos em ouro e depósitos de diamante, para se preparar para as sanções depois de ter invadido e anexado a Península da Crimeia, em 2014.
Conflitos relacionados com ouro na região fronteiriça entre a República Centro-Africana e o Sudão intensificaram-se desde 2017, quando o antigo presidente sudanês, Omar al-Bashir, permitiu que empresas russas praticassem a mineração ao longo da fronteira.
“Os russos estão a expandir a sua influência na região com muitos relatos de testemunhas oculares a confirmarem que a empresa de Wagner está a expulsar os mineiros e a cercar toda a região,” jornalista Abdel Moneim Madbo disse à MEE. “O governo do Sudão possibilitou que os russos tivessem presença no país e o governo da RCA também permitiu os russos de modo a ajudar Bangui na sua luta contra os rebeldes da milícia Seleka.”
Estes esforços foram prejudicados recentemente quando o Grupo Wagner alegadamente retirou centenas de mercenários da RCA para enviá-los à Ucrânia, deixando o grupo de mercenários a continuar com suas operações na RCA com novos recrutas.
“A Rússia está em necessidade desesperada por combatentes preparados para a batalha, por isso, está a retirar combatentes experientes para Ucrânia e a substituí-los por pessoas que mais ou menos estão a aprender o trabalho,” disse Obaji. “Se essa é a razão do recente massacre, é difícil afirmar, porque mesmo aqueles considerados experientes estiveram envolvidos em incidentes semelhantes no passado.”