EQUIPA DA ADF
Juntamente com os seus projectos de investimentos em infra-estruturas em África, a China está a promover o uso da medicina tradicional chinesa (MTC), o que levanta preocupações sobre o aumento da caça furtiva da vida selvagem no continente e do risco de futuras doenças se transmitirem de animais para seres humanos.
Os praticantes afirmam que a MTC é mais barata do que o atendimento médico convencional e é semelhante à medicina tradicional africana, que, muitas vezes, utiliza ingredientes biologicamente semelhantes aos componentes da MTC.
A pandemia da COVID-19 ofereceu aos promotores da MTC um maior espaço no continente pelo facto de as pessoas estarem desesperadas à procura de tratamentos e dispostas a experimentar remédios não comprovados, de acordo com a Agência de Investigação Ambiental (EIA), do Reino Unido.
“Nos passados dois anos, a pandemia da COVID-19 ofereceu ao governo chinês uma oportunidade inesperada de globalizar a MTC e acelerar a sua promoção, quer a nível interno como no estrangeiro,” disseram os autores do relatório da EIA, intitulado “Lethal Remedy (Remédio Fatal)” e divulgado em Novembro de 2021.
O governo chinês insistiu que a MTC fosse considerada uma forma de tratar o coronavírus, apesar de não existirem evidências da sua eficácia. Entre os produtos recomendados para tratar a COVID-19 encontra-se um que contém a bílis de urso como um ingrediente.
Um outro suposto tratamento da MTC para a COVID-19 ganhou aprovação do governo em pelo menos cinco países africanos, apesar da falta de realização de testes em grande escala.
A dimensão financeira dos investimentos em África ajudou a China a convencer os governos nacionais a promoverem a MTC nos Camarões, Moçambique, Nigéria, África do Sul, Tanzânia, Togo, entre outros países. A África do Sul e a Namíbia aprovaram a MTC como parte dos seus sistemas de saúde pública e o Uganda está solicitar ajuda chinesa para fazer algo semelhante.
À medida que a MTC se expande em África, a procura pelos ingredientes tem a tendência de colocar maior pressão sobre as espécies da vida selvagem mais raras do continente e que se encontram em maior perigo. Rinocerontes, leões e pangolins, todos eles fornecem partes do corpo que são vitais para certas misturas da MTC, apesar de não possuírem qualquer valor medicinal.
“A nossa preocupação muito real é que esta grande expansão da MTC em África, da forma que está a decorrer na Iniciativa do Cinturão e Rota da China, tenha um efeito multiplicador, aumentando dramaticamente a procura por tratamentos que contenham vida selvagem e, por sua vez, fazer com que mais espécies se tornem ameaçadas ou extintas,” disse o activista de defesa da vida selvagem da EIA, Ceres Kam.
Os pesquisadores da EIA estão preocupados com o facto de que empresas que fornecem ingredientes da MTC irão utilizar a sua crescente influência no continente para escapar das restrições de importação de certas partes de animais para a China. Elas possuem o potencial para organizar linhas de produção locais ligadas a produtores africanos, armazéns do governo e caçadores furtivos para exportar os produtos acabados da MTC para a China.
A África do Sul tornou-se um grande mercado para empresas da MTC nos últimos anos. O país já possui quintas que criam leões para a extracção dos seus ossos, que fornecem produtos da MTC. O mercado de leão do cativeiro da África do Sul está a impulsionar a caça furtiva de leões selvagens no Quénia para suprir o mercado da MTC, de acordo com um relatório separado da EIA.
Uma pesquisa do mercado da MTC em Joanesburgo descobriu produtos que potencialmente continham escamas de pangolim, o que já não é permitido na China. Diz-se que um outro produto contem pele de rinoceronte.
“Uma vez que não se pode comercializar legalmente qualquer pele de rinoceronte na China, se o conteúdo corresponde ao rótulo, será um sinal claro de que a vida selvagem africana está a ser usada para alimentar de forma ilegal a MTC,” comunicaram os autores.
Para além do risco para a vida selvagem de África, a expansão da MTC no continente também abre a possibilidade de mais potenciais surtos de transmissão de doenças de animais para humanos. África já luta com os surtos de Ébola, HIV, a doença respiratória conhecida como MERS, entre outras doenças.
Enquanto a população de África cresce, o potencial para futuros surtos de doenças transmitirem-se de animais para seres humanos é cada vez maior, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares.
“O aumento da população humana em partes de África está a acelerar o uso das florestas para caçar animais selvagens para o consumo e para o uso na medicina tradicional e no comércio,” reportou o instituto em 2020. “Assim como na China, os mercados informais de produtos frescos para venda de carne de caça também são encontrados em África e existe uma proporção considerável de comércio internacional ilegal.”
Impulsionando a demanda da MTC em África, a China está a criar as condições para futuros surtos de doença, de acordo com os pesquisadores da EIA.
“Para satisfazer as necessidades da indústria da MTC, quer através do fornecimento a partir de instalações de cativeiros ou da vida selvagem, os animais precisam de ser movimentados em grandes distâncias e em concentrações altamente fora do normal,” escreveram os pesquisadores da EIA. “Isso faz com que diferentes espécies entrem em contacto muito próximo umas com as outras e com os seres humanos, um risco conhecido para a contracção de doenças zoonóticas e contagiosas emergentes, conforme a pandemia da COVID-19 elucidou.”