EQUIPA DA ADF
Os apagões das redes sociais e os cortes nos serviços de internet são cada vez mais comuns por toda a África. Nos passados cinco anos, pelo menos 15 países africanos desligaram a internet durante as eleições, protestos ou tempos de crises. Os cortes duram entre alguns dias e até meses, causando uma sequência de problemas para o país durante o processo.
Os funcionários do governo afirmam que os cortes são necessários para prevenir desordem social. Os defensores da internet chamam isso de censura.
“Os cortes nos serviços de internet, durante as eleições, simplesmente significam que alguns países são incapazes de realizar eleições livres e justas,” Oluwatomiwa Ilori, pesquisador do Centro dos Direitos Humanos da África do Sul disse à ADF. “Os cortes perpetuam o autoritarismo,”
Considere o exemplo do corte que ocorreu no período que antecedeu as eleições do Uganda, em Janeiro.
O presidente Yoweri Museveni estava a concorrer para o sexto mandato contra o cantor de música pop e membro do parlamento, Robert Kyagulanyi Ssentamu, mais conhecido pelo seu nome artístico Bobi Wine, que tinha um forte apoio entre os jovens. Na noite que antecedeu as eleições do dia 14 de Janeiro, no país, a internet foi interrompida, desligando a capacidade de os apoiantes de Wine mobilizarem votos.
De acordo com o grupo de monitoria da internet Access Now, os cortes de serviços de internet em África registaram um constante aumento de 12 em 2017 para 25 em 2019. Em 2020, outros cortes ocorreram em Argélia, Burundi, Chade, Etiópia, Guiné, Somália, Tanzânia e Togo. Os cortes, muitas vezes, estiveram ligados a protestos ou eleições.
Embora os cortes de serviços de internet frequentemente tenham raízes na política, eles criam maiores repercussões ao desligarem o comércio, o ensino e comunicações não-políticas. Isso é particularmente pertinente agora, quando a pandemia da COVID-19 faz com que a internet seja algo essencial para o dia-a-dia.
Em 2020, os cortes custaram aos países africanos cerca de 250 milhões de dólares em actividades económicas perdidas, quase metade disso apenas na Etiópia, de acordo com o grupo defensor da internet, Top10VPN.
“O custo económico de uma interrupção dos serviços de internet persiste muito além dos dias em que as interrupções ocorrem,” Juliet Nanfuka, analista de direitos digitais da Colaboração na Política Internacional de TIC na África Oriental e Austral, disse à ADF. Os cortes subvertem as cadeias de fornecimento e criam problemas que se reflectirão em toda a economia, disse.
Com um único portal de internet de propriedade do Estado, as autoridades etíopes possuem controlo quase total sobre o acesso dos seus cidadãos à internet. Recentemente, as autoridades bloquearam informação sobre a luta na região do Tigré.
“De agora em diante, o governo etíope deve encontrar formas sustentáveis e soluções justas para os factores que causam violência repetitiva e de gerações bem como o trauma no país,” Berthan Taye, analista político sénior do Access Now, disse num comunicado. “Desligar a internet não é uma abordagem construtiva e aconselhável para lidar com os problemas recorrentes da Etiópia.”
De acordo com Ilori, os cortes dos serviços de internet revelam o verdadeiro progresso que certos países africanos em específico fizeram em direcção à democracia.
“O acesso à internet para muitos é muito mais do que um nome – apenas uma tecnologia que liga,” disse Ilori à ADF. “É também um verbo, que está activamente a criar oportunidades para distúrbios políticos ocasionais. E isso é o que as tiranias não querem.”
Enquanto os países africanos adoptam tecnologia de comunicação e de vigilância chinesas, defensores dos direitos civis do continente alertam que eles irão também adoptar as tácticas chinesas para ocultar informação.
Há um ano, o Dr. Li Wenliang tornou-se uma das primeiras vítimas conhecidas da COVID-19. Entretanto, antes disso, ele foi vítima de esforços da China para esconder a verdade sobre a doença respiratória mortal que em breve se propagaria para todos os cantos do globo terrestre.
No dia 30 de Dezembro de 2019, Li, um oftalmologista de Wuhan, alertou aos seus colegas médicos num grupo de chat para se protegerem da doença respiratória mortal que se estava a propagar pelo seu hospital.
As autoridades locais rapidamente convocaram Li para o Bureau de Segurança Pública e obrigaram-no a assinar uma declaração confessando que tinha feito declarações falsas para criar distúrbios na ordem social. A última publicação de Li no serviço de mensagens Weibo, da China, no dia 1 de Fevereiro de 2020, confirmou que ele tinha COVID-19. Ele morreu pouco depois de uma semana.
Na sequência da sua morte, censores do governo removeram as publicações online que apelavam para a liberdade de expressão relacionada com crises de saúde pública, noticiou a CNN. Isso pode ter causado, entre a população, o medo de falar sobre o vírus ou de divulgar a informação.
“É impossível saber quantas pessoas morreram, ou poderão morrer no futuro, pelo facto de as pessoas terem decidido fazer uma autocensura, em vez de arriscarem ser vítimas de castigos,” escreveu Paul Gardner para o sítio da internet, The Conversation. “O surto do coronavírus destaca os riscos de um sistema que coloca a estabilidade social e a legitimidade do partido no poder acima do interesse público.”