Experiência Ligeira da COVID-19 em África Continua um Enigma

EQUIPA DA ADF

Na lista dos países mais afectados pela COVID-19, nenhum país africano está entre os primeiros dez.

A África do Sul, o país mais atingido do continente, é o 11º no mundo. Abaixo encontra-se o Marrocos (30º), a Etiópia (50º) e a Nigéria (58º). Os outros países africanos encontram-se ainda mais abaixo na lista.

Até meados de Outubro, a África tinha registado pouco mais de 1,5 milhões de casos da COVID-19 e 38.600 mortes. Em comparação, a Europa, que tem cerca de 60 porcento da população de África, tem quarto vezes o número de casos e seis vezes o número de mortes.

Por que a experiência de COVID-19 de África foi tão diferente?

“Não temos uma resposta,” Sophie Uyoga, uma imunologista do Instituto de Pesquisas Médicas do Quénia-Programa de Pesquisas da Wellcome Trust, disse à revista Science.

Os pesquisadores estão a estudar algumas possibilidades: A população jovem de África, a sua experiência anterior com epidemias e a separação entre zonas urbanas e zonas rurais.

Juventude e resistência

A COVID-19 é mais mortal em pessoas com 60 anos ou mais, que muitas vezes têm uma outra doença — a qual os médicos chamam de comorbiddade — que faz com que o vírus seja mais letal.

Comparando com outros lugares, os africanos são jovens. A idade média do continente é de 19,7 — cerca de metade da idade média da Europa e da América do Norte e 12 anos mais novos do que América do Sul ou Ásia.

“Indivíduos mais novos têm menos comorbididades, que os colocaria numa predisposição para doenças severas,” Dra. Anne K. Barasa, directora de imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Nairobi, disse à ADF.

Isso pode explicar por que milhares de africanos possuem anticorpos e nenhum sintoma de COVID-19. Um estudo recente demonstrou que 5% dos agregados familiares em Nampula, Moçambique, tinha anticorpos e nenhum sintoma.

Babatunde Salako, director-geral e PCA do Instituto Nigeriano de Pesquisa Médica, considera uma outra possibilidade: os sistemas imunológicos de muitos africanos podem estar preparados para resistir à COVID-19.

“O ambiente tropical em que nós, os africanos, vivemos também nos deixa expostos a muitos microorganismos, especialmente vírus respiratórios, o que pode ter superfícies antigénicas semelhantes que podem ter preparado os nossos corpos para outros vírus relacionados, como a COVID-19,” disse Salako à ADF.

As imunizações contra algumas destas doenças também podem ajudar os africanos a defenderem-se do vírus, explicou.

Experiência anterior

Quando apareceu a COVID-19, os países africanos destacaram ferramentas epidemiológicas preparadas ao longo de décadas em que se lidava com outros surtos de doenças, e mais recentemente o vírus Ébola.

“A experiência anterior com o Ébola ofereceu uma vantagem de não ter de se começar do zero em termos de preparação contra a pandemia — médicos experientes do sector de saúde pública já tinham sido postos à prova na organização de centros de operações de emergência, rastreio de contactos e gestão de casos de surtos de doenças,” recordou Salako. “Isso pode ter feito com que o controlo da pandemia fosse mais fácil.”

A erradicação da poliomielite significou que a África enfrentou a pandemia, frente-a-frente, com uma rede de especialistas de laboratórios de pesquisa, de monitoria da comunidade e de saúde pública.

““As quarentenas e o rastreio de contactos foram uma abordagem já conhecida para a contenção da doença,” Dra. Michele Barry, directora do Centro de Inovação em Saúde Global, na Universidade de Stanford, disse à ADF.

Separação de zonas urbanas e zonas rurais

A COVID-19 propaga-se mais facilmente em cidades superpovoadas. Os países africanos com mais casos — África do Sul, Nigéria, Marrocos, Etiópia — também têm grande número de populações urbanas.

Embora as cidades estejam a crescer de forma rápida, apenas cerca de 40% dos africanos vive nelas, de acordo com o Banco Mundial. Mesmo no densamente populoso Malawi, mais de 80% dos residentes vive no campo, um factor que pode reduzir a propagação da COVID-19, através da criação de distanciamento social natural.

“Definitivamente, menos aglomerações facilitam o distanciamento social devido a menor interacção entre grande número de indivíduos na comunidade, o que ajuda a quebrar o ciclo de transmissão da [COVID-19],” defendeu Barasa.

Salako vê um benefício adicional da vida em zonas rurais:

“As zonas rurais orgulham-se de viver próximos da natureza e podem alimentar-se de produtos naturais ou alimentos orgânicos que podem ajudar na reacção imunológica,” afirmou.

Muito poucos testes?

A experiência relativamente ligeira com a COVID-19 pode resultar de algo muito mais simples: o número de pessoas a serem testadas é insuficiente.

“Estes são os casos registados,” Justin Maeda, epidemiologista tanzaniano e director do Departamento de Vigilância e Inteligência de Doenças do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças de África, disse à BBC. “Quando se olha para os números, existem duas hipóteses: uma é que esta é a real observação, a outra pode ser a habilidade de detectar os casos.”

A organização de Salako engrossou recentemente as filas de laboratórios de governos de África e de empresas privadas que produzem testes, que podem funcionar de forma rápida e menos onerosa, para revelar o estado da COVID-19 nas pessoas. Salako duvida que mais testes possam criar um aumento acentuado no número de casos.

“Não me parece que mais testes irão aumentar o número de casos na Nigéria, visto que agora estamos a ver menos casos positivos nos nossos centros comparado com os números de há cinco meses,” disse Salako. “Estamos, contudo, a prepararmo-nos para qualquer aumento no número de casos quando as escolas reabrirem por completo. Não tenho a certeza se teremos um aumento acentuado, mas se acontecer, seremos capazes de lidar com isso.”

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