EQUIPA DA ADF
Quando as crianças se preparavam para regressar à escola nos Camarões, uma onda de violência varreu as regiões do Noroeste e Sudoeste, provocando receios de um agravamento do conflito.
O recrudescimento dos combates começou em Agosto, quando os separatistas da região anglófona avisaram o governo de que não reabririam as escolas, como previsto, em Setembro. O que se seguiu foi uma série de atentados bombistas, raptos e ataques, incluindo violações. No dia 19 de Setembro, a explosão de uma bomba num mercado em Bamenda fez um morto e seis feridos, incluindo um bebé. Os separatistas afirmaram que os actos de violência tinham por objectivo impor um confinamento na capital da região de Noroeste.
“A situação está a tornar-se muito difícil,” o jornalista veterano camaronês, Moki Edwin Kindzeka, disse à revista Africa Defense Forum. “Neste momento, há nada menos do que 3.000 escolas que ainda estão encerradas e os separatistas disseram que essas escolas não vão abrir. Quando não se permite que os alunos vão à escola, o que é um direito humano fundamental, é um problema grave.”
O conflito remonta a 2016 e 2017, quando o governo reprimiu um protesto de advogados e professores anglófonos que alegavam discriminação por parte da maioria francófona. Os combatentes das regiões anglófonas dos Camarões lançaram ataques contra alvos governamentais com o objectivo de estabelecer uma república separatista conhecida como Ambazónia. O conflito provocou a deslocação de 800.000 pessoas e causou a morte de cerca de 6.000.
A violência também criou um ambiente sem lei, em que tanto os bandos armados como os separatistas recorrem ao rapto como fonte de rendimento ou para aumentar as suas fileiras. A insegurança paralisou a economia regional, que depende das indústrias do óleo de palma, da borracha e da banana. Os combates estão a alastrar-se, através das fronteiras porosas, para a vizinha Nigéria, onde se receia uma parceria anglófona com os separatistas do Biafra.
Kindzeka afirmou que o recente nível de violência é, de facto, ligeiramente inferior ao de há vários anos, mas disse que ambos os lados parecem profundamente enraizados nas suas posições. “Quando falo com os líderes separatistas, eles dizem que só deixarão de atacar se o governo ordenar às suas tropas que abandonem a região anglófona. O governo insiste que nunca o fará,” disse. “Por isso, seria muito difícil prever que este problema fosse resolvido nos próximos anos.”
Kindzeka identificou várias áreas-chave que têm de ser resolvidas para se conseguir a paz.
Paridade linguística: Embora os Camarões sejam nominalmente um país bilingue, na prática, os manuais, os exames e as aulas do ensino superior são maioritariamente em francês. O mesmo se passa nos níveis superiores do governo e das forças armadas. Uma análise de 2017 dos ministros políticos revelou que 36 dos 37 eram francófonos e que muitas das leis e regulamentos do país não estavam traduzidos para o Inglês. Esta falta de acesso linguístico é uma fonte de raiva entre a população anglófona.
Investimento económico: A região anglófona regista alguns dos mais elevados níveis de pobreza do país, apesar de albergar recursos naturais como a madeira, o petróleo e terrenos agrícolas ricos. Kindzeka disse que a falta de oportunidades económicas facilita o recrutamento de combatentes pelos grupos armados. “Quando os separatistas vierem e lhes propuserem dar 100 dólares por mês ou 200 dólares por mês, eles estarão prontos para ir lutar,” disse. “Por isso, se não forem criados postos de trabalho, será muito difícil.”
Autonomia regional: Os Camarões deixaram de ser um país federal em 1972 e o seu actual sistema de governo significa que muitas das decisões relativas às suas 10 regiões são tomadas pelo governo central na capital, Yaoundé. Em 2019, com o desenrolar da crise anglófona, o parlamento dos Camarões concedeu às regiões de Noroeste e de Sudoeste um “estatuto especial” e mais autonomia para controlar os assuntos locais, mas os observadores dizem que a autonomia regional não foi totalmente implementada.
Diálogo: Em 2019, o Presidente dos Camarões, Paul Biya, organizou um “Grande Diálogo Nacional” que incluiu os grupos separatistas e que tinha por objectivo resolver a crise. Os observadores consideram que chegou a altura de rever algumas das queixas apresentadas durante essas reuniões e de realizar novas sessões de diálogo para negociar os termos da paz.