EQUIPA DA ADF
Quando a variante Ómicron apareceu no laboratório do pesquisador Sikhulile Moyo, do Botswana, isso passou a ser a mais recente contribuição que os cientistas africanos fizeram para lutar contra a pandemia da COVID-19.
Um estudo publicado na revista British Medical Journal concluiu que os cientistas africanos publicaram 1.130 artigos sobre a pandemia, aproximadamente 3% do total da pesquisa a nível global, durante o primeiro ano da pandemia.
“As nossas conclusões indicaram uma robusta capacidade africana de gerar conhecimento relevante a nível local e inovações para África,” escreveu o autor principal do relatório, Dr. Musa Abubakar Kana, professor associado da Universidade Federal de Lafia, Nigéria.
A pandemia tornou-se uma oportunidade para demonstrar a capacidade científica de África e o motor propulsor da expansão daquela mesma capacidade. Desde o começo da pandemia:
- Laboratórios de Gana, Etiópia, Senegal, África do Sul e outros lugares rastrearam a propagação da COVID-19 em tempo real — algo que não podia ser feito uma década atrás.
- No Quénia, o matemático Shem Sam desenvolveu um modelo estatístico que o permite prever o início e a duração das vagas de infecções.
- No Instituto Pasteur de Dakar, no Senegal, os pesquisadores produziram o primeiro teste rápido de baixo custo para a COVID-19, a nível do continente, no início da pandemia, eliminando a necessidade de enviar amostras para o estrangeiro e ajudando a acelerar a resposta de saúde pública ao vírus.
O pesquisador nigeriano, Dr. Christian Happi, director do Centro Africano de Excelência para a Genómica de Doenças Infecciosas, da Universidade Redeemer, comunicou o primeiro caso da COVID-19 da África Subsariana, no dia 27 de Fevereiro de 2020.
O anúncio de Happi demonstrou que os países africanos não tinham mais de depender dos laboratórios de fora do continente para fazer o sequenciamento de vírus, um processo que leva muito tempo e criou atrasos que chegaram a colocar vidas em risco na resposta a surtos.
O Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (Africa CDC) criou o seu centro de pesquisa genómica dois anos antes de a pandemia ter irrompido. Desde essa altura, o centro juntou-se a outros de todo o continente para criar a capacidade de África de identificação e resposta à COVID-19.
Em Setembro, Happi disse que o seu laboratório tinha formado pesquisadores de 14 países em matérias de sequenciamento genómico de vírus. Até Dezembro, tinha formado mais 16. Laboratórios da África do Sul e do Senegal também formaram pesquisadores em matérias de como identificar a COVID-19 e rastrear potenciais variantes.
“Agora estamos a assumir o controlo da situação,” disse Happi, numa conferência de imprensa da Organização Mundial de Saúde. “Conseguimos ultrapassar a situação.”
Os cientistas africanos alertaram ao mundo sobre pelo menos cinco novas variantes da COVID-19, duas das quais — Beta e Ómicron — propagam-se a nível mundial.
Outros estiveram atarefados na busca de tratamentos para as pessoas infectadas com a COVID-19. O projecto continental ANTICOV está a testar uma variedade de medicamentos já disponíveis contra a COVID-19, procurando encontrar tratamentos não-dispendiosos.
Com décadas de experiência no combate ao HIV e tuberculose, a África do Sul emergiu como um actor fundamental na luta do continente contra a COVID-19.
A Plataforma de Pesquisa, Inovação e Sequenciamento de Kwa-Zulu Natal (KRISP, na sigla inglesa), sediada em Durban, confirmou a descoberta do Dr. Moyo, da Ómicron, e anunciou a sua existência, em finais de Novembro. A KRISP também comunicou a existência da variante Beta, em 2020.
“Existe muita capacidade técnica na África do Sul para fazer o sequenciamento genómico de patogénicos, porque nós adquirimos esta experiência ao longo de muitos anos trabalhando com o HIV e com a TB,” o especialista em doenças contagiosas da KRISP, Dr. Richard Lessels, disse à Bloomberg. “Muito antes do início da pandemia, reconhecemos que o sequenciamento genómico e a vigilância genómica seriam muito importantes.”
O surgimento da COVID-19 inspirou maior investimento em pesquisas públicas que prepararam o continente para futuras epidemias e pandemias, dizem os pesquisadores.
“Antes do aumento da incidência de emergência de infecções em África, as contribuições dos africanos em publicações científicas a nível global eram limitadas e isso pode atribuir-se a fracos investimentos nas capacitações e pesquisa nas instituições africanas,” escreveu Kana.
Com base no sucesso que os cientistas africanos tiveram na resposta à COVID-19, os governos africanos devem aumentar as despesas na pesquisa, para aumentar a contribuição de pesquisas dirigidas por africanos em matérias de doenças contagiosas, acrescentou Kana.
Com esse fim, o Director do Africa CDC, Dr. John Nkengasong, apelou para uma maior expansão do grupo de epidemiologistas africanos e especialistas de outras doenças como parte de um plano para combater futuros surtos de doenças.
“Está claro na minha mente que o continente possui grande capacidade humana para a saúde pública, incluindo liderança e operações,” disse Nkengasong, recentemente.