EQUIPA DA ADF
Alguns analistas receavam que os piratas somalis estivessem a encenar um regresso quando um navio mercante com pavilhão maltês, o Ruen, foi sequestrado ao largo da costa da Somália em Dezembro de 2023, marcando o primeiro ataque bem-sucedido a um navio deste tipo na região em seis anos.
O aumento da pirataria nos meses que se seguiram deixou poucas dúvidas de que os piratas somalis estão de volta e parecem mais capazes do que nunca, lançando ataques a grandes distâncias da costa da Somália.
De acordo com o Gabinete Marítimo Internacional, registaram-se 33 incidentes de pirataria e assaltos à mão armada contra navios por piratas somalis nos primeiros três meses de 2024, um aumento em relação aos 27 incidentes registados no mesmo período de 2023. Durante esse período, os piratas mantiveram 35 membros da tripulação como reféns, raptaram nove e ameaçaram outros.
“Trata-se de um grande, grande aumento em termos de actividade pirata,” Ian Ralby, especialista em segurança marítima e PCA da I.R. Consilium, disse à ADF. “É a maior actividade que vimos nos últimos seis anos e é provavelmente o pior período que tivemos desde o declínio vertiginoso em Maio de 2012.”
Os piratas mantiveram o Ruen em cativeiro até Março, altura em que a Marinha Indiana resgatou o navio e os 17 reféns. O navio indiano capturou 35 piratas armados durante uma operação de quase 40 horas ao largo da costa da Somália.
A Marinha Indiana afirmou que seguiu o navio antes de lançar a operação de salvamento e interceptar o navio a cerca de 260 milhas náuticas a leste da Somália. Confirmou a presença de piratas armados através de um drone lançado de um navio.
“Num acto hostil imprudente, os piratas abateram o drone e dispararam contra o navio de guerra da Marinha Indiana,” afirmou um porta-voz da Marinha Indiana numa reportagem da defenceWeb. “Numa resposta calibrada de acordo com as leis internacionais, [um navio da Marinha Indiana] desactivou o sistema de direcção do navio e as ajudas à navegação, obrigando o navio pirata a parar.”
As autoridades prenderam os piratas e levaram-nos para a Índia para serem julgados. Ralby está ansioso por saber o resultado da acção judicial.
“Nada muda mais o cálculo do risco-recompensa do que ser julgado e condenado a um longo período de prisão quando se trata de pirataria,” disse Ralby. “É um risco que a maioria não quer correr, e a recompensa é difícil de alcançar se tivermos a presença constante de forças navais dispostas a fazer pontaria com uma espingarda ou a recolhê-los e levá-los a tribunal.”
Segundo a força naval da União Europeia, o Ruen terá sido utilizado como base para a tomada de um cargueiro com o pavilhão do Bangladesh ao largo da costa da Somália, em meados de Março. Trata-se de uma táctica comum utilizada pelos piratas somalis, a maioria dos quais oriundos do Estado semiautónomo de Puntland.
Em Janeiro de 2024, piratas somalis sequestraram oito navios de pesca no Oceano Índico Ocidental e utilizaram pelo menos cinco deles para realizar mais ataques, de acordo com o grupo Neptune P2P, uma empresa internacional de segurança privada. O aumento da pirataria somali coincide com o facto de as marinhas internacionais abandonarem as águas em torno da Somália para se defenderem dos repetidos ataques da milícia Houthi do Iémen no Mar Vermelho e noutras águas regionais.
“À medida que vemos os Houthis lançarem os seus ataques ao comércio marítimo global, é óbvio que todos na região tenham desviado a sua atenção para proteger a navegação e proteger o aumento maciço do volume de tráfego ao longo da costa africana que se desviou para evitar completamente o Mar Vermelho,” disse Ralby. “É o cenário perfeito para os piratas procurarem obter vantagens criminosas mais uma vez.”
Dois membros de gangues somalis confirmaram à Reuters que estavam a aproveitar a distracção proporcionada pelos ataques dos Houthi, a várias centenas de milhas náuticas a norte, para voltarem à pirataria, depois de terem estado inactivos durante quase uma década.
Abdinasir Yusuf, do Centro de Desenvolvimento e Investigação de Puntland, atribuiu o aumento da pirataria somali a conflitos políticos que distraíram as forças de segurança, bem como à presença de navios de pesca estrangeiros que prejudicam a subsistência dos pescadores locais.
“A pirataria nunca parou,” Yusuf disse ao The Economist, “foi dominada.”
Perturbação do Comércio Mundial
A convergência dos ataques dos piratas somalis e dos Houthis está a perturbar o comércio mundial. As vias navegáveis ao largo da Somália são algumas das mais movimentadas do mundo. Todos os anos, cerca de 20.000 embarcações passam pelo Golfo de Áden a caminho do Mar Vermelho e do Canal de Suez — a rota marítima mais curta entre a Ásia e a Europa. Os ataques, que frequentemente incluem pedidos de resgate, aumentaram os custos de segurança e de seguros.
Os sequestros alargaram a área em que as seguradoras impõem prémios adicionais de risco de guerra aos navios. Estes prémios são um custo adicional que as companhias de seguros cobram para cobrir os riscos associados à guerra, ao terrorismo e à agitação política em zonas de conflito. Os prémios de risco de guerra acrescentam centenas de milhares de dólares ao custo de uma viagem típica de sete dias, funcionários da indústria de seguros disseram à Reuters. O custo de contratar uma equipa de guardas armados privados a bordo dos navios durante três dias também aumentou em Fevereiro de 2024 para entre 4.000 e 15.000 dólares mensais, um aumento de cerca de 50%.
No dia 15 de Abril, os piratas somalis cobraram um resgate de 5 milhões de dólares depois de libertarem o cargueiro Abdullah do Bangladesh e cerca de 23 tripulantes. Em meados de Março, os piratas apoderaram-se do navio de transporte de carvão a cerca de 600 milhas náuticas a leste da Somália.
“O dinheiro foi-nos trazido há duas noites, como de costume,” Abdirashiid Yusuf, um dos piratas envolvidos no sequestro, disse à Reuters. “Verificámos se o dinheiro era falso ou não. Depois, dividimos o dinheiro por grupos e partimos, evitando as forças governamentais.”
Nos seus tempos áureos, os piratas somalis cobravam 53 milhões de dólares de resgate por ano, segundo o Banco Mundial. A pirataria atingiu o seu auge na Somália quando os piratas lançaram 212 ataques em 2011, durante os quais 1.200 tripulantes foram feitos reféns e 35 morreram. Nesse ano, o grupo de monitorização Oceans Beyond Piracy calculou que a pirataria custou à economia mundial cerca de 7 bilhões de dólares.
As autoridades registaram apenas cinco ataques de piratas somalis entre 2017 e 2020. O abrandamento foi atribuído a operações navais coordenadas de combate à pirataria, a medidas de segurança, tais como guardas armados nos navios e ao aumento da perseguição e detenção de piratas.
O Presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, reconheceu a nova ameaça de pirataria em Março de 2024. “Se não acabarmos com [a pirataria] enquanto ainda está a dar os primeiros passos, pode voltar a ser o que era,” Mohamud disse à Reuters.
Os analistas do The Economist duvidam que a pirataria regresse aos níveis de 2011, porque as oportunidades expostas pelos Houthis acabarão por diminuir.
O Envolvimento do Al-Shabaab
No início de 2024, surgiram notícias de que os militantes do al-Shabaab na região de Sanaag, no norte da Somália, tinham feito uma oferta de cooperação com os piratas. Os analistas acreditam que o acordo consiste em fornecer protecção aos piratas em troca de 30% de todas as receitas de resgates e de uma parte de qualquer pilhagem, noticiou o jornal dos Emirados, The National. O acordo poderá fornecer fundos essenciais ao al-Shabaab, depois de o governo somali ter reprimido as suas outras fontes de dinheiro ilegais e congelado as suas contas bancárias. Os terroristas também são suspeitos de negociar com piratas e rebeldes Houthis para adquirir armas.
Os ataques dos Houthis ao comércio marítimo “são uma grande inspiração para qualquer pessoa que tenha a capacidade e a intenção de atacar a navegação,” porque os Houthis conseguiram ganhar visibilidade, legitimidade e credibilidade a nível mundial, o que lhes permitiu recrutar mais membros, o que pode atrair os piratas e os seus apoiantes, disse Ralby.
“É aí onde se mantém a preocupação de que o al-Shabaab — quase por ciúme da ascensão dos Houthis — faça alguma coisa para recuperar a sua própria visibilidade e o seu impulso,” acrescentou Ralby. “Por isso, se o al-Shabaab estiver atento, o que estou certo de que está, devido ao fluxo de tráfico de armas de longa data que passou pelo al-Shabaab até ao Iémen, suspeito que o al-Shabaab procurará oportunidades semelhantes para ganhar impulso e proeminência. Esta é uma área de verdadeira preocupação.”
Historicamente, os piratas não têm estado ligados a organizações terroristas, uma vez que os piratas quase só procuram dinheiro, enquanto os terroristas procuram financiamento por razões ideológicas. A ligação entre piratas e terroristas pode ser perigosa, argumentou Ralby.
“Porquê? Porque se estamos a classificar os piratas como terroristas, torna-se muito difícil negociar um resgate,” disse. “Se estivermos a tentar retirar pessoal ou um navio raptado do controlo dos piratas e lhes chamarmos terroristas, dificultamos a nossa própria capacidade de os recuperar.”
Afirmou que espera que a “resistência feroz” à pirataria por parte da Marinha Indiana e de outras forças internacionais impeça novos ataques, “embora seja provável que haja mais.”
Um instrumento importante na luta contra a pirataria é o Centro de Coordenação Regional de Operações (RCOC) das Seychelles, que organiza operações regulares de segurança marítima.
Em Dezembro, o RCOC alargou a sua área de responsabilidade e coordena agora as operações de combate a crimes marítimos em 21 países.
“Este é um mecanismo muito forte que não existia anteriormente,” disse Ralby. “Por isso, deveremos assistir a uma dissuasão mais eficaz e esperamos que qualquer tipo de actividade operacional na água seja acompanhado de um desfecho legal em tribunal, de modo a garantir que os piratas são verdadeiramente responsabilizados e não apenas apanhados e libertos. Isso não é uma dissuasão eficaz.”