Cresce o número de embarcações de proprietários estrangeiros com um histórico de pesca ilegal a içarem a bandeira de cores vermelha, amarela e verde, dos Camarões.Uma investigação da Associated Press (AP) concluiu que 14 embarcações que içam a bandeira camaronesa são de proprietários ou encontram-se sob gestão de empresas da Bélgica, Chipre, Letónia e Malta. Cada embarcação trocou a bandeira para a dos Camarões entre 2019 e 2021.
Pelo menos seis embarcações e seus proprietários têm a fama de subdeclarar as suas capturas, não declarar para onde elas vai e não divulgar quem se beneficia financeiramente delas.
Os barcos de pesca estrangeiros habitualmente praticam o “flag in” para países africanos, significando que eles usam e abusam de regras locais para atribuir bandeira a uma embarcação de pesca de propriedade e operada por estrangeiros, colocando-a num registo aberto. Elas habitualmente pescam em águas locais, mas as embarcações investigadas pela AP não pescam nos Camarões.
Existe pouca supervisão dos registos abertos online. Isso significa que as empresas de pesca estrangeiras podem registar-se para pescar nos Camarões e pagar de forma electrónica uma taxa de registo. Esse acto geralmente chama-se de içar uma “bandeira de conveniência.”
“Estão interessados na bandeira. Não estão interessados nos Camarões,” Beatrice Gorez, coordenadora da Coligação para Acordos de Pesca Justos, disse à AP. A coligação, um grupo de organizações que ilustra os efeitos dos acordos de pesca União Europeia-África, identificou a ligação entre as empresas dos países membros da UE e os Camarões.
Uma das embarcações que iça a bandeira dos Camarões é a Trondheim, um enorme arrastão que esquadrinha as águas da costa da África Ocidental, à procura de sarda e sardinha.
A Trondheim operou com o nome King Fisher quando navegava sob a bandeira de São Vicente e Granadinas antes de ter trocado a bandeira para a da Geórgia, a antiga República Soviética. A embarcação tem içado a bandeira dos Camarões desde 2019, comunicou a AP.
Os navios que içam a bandeira dos Camarões devem obedecer os acordos de pesca daquele país com os outros países, mas a fraca governação e a falta de capacidade de vigilância fazem com que isso seja difícil, afirmam os especialistas. É um problema comum na África Ocidental, onde o comércio marítimo ilegal lesa a região em cerca de 1,95 biliões de dólares em toda a cadeia de valores pesqueiros e 593 milhões por ano em rendimento de agregados familiares.
As práticas de pesca ilegal rapidamente dizimam as unidades populacionais de peixe que já se encontram em declínio, destruindo ecossistemas e impulsionando outros crimes como a pirataria, os raptos e o tráfico de drogas.
Refúgio da Pesca Ilegal
Devido aos seus registos abertos, fraca capacidade de vigilância e outros problemas de segurança, os Camarões, assim como muitos países da África Ocidental, há muito tempo têm sido um refúgio para a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).
Aproximadamente 70 embarcações de pesca industrial operaram nos Camarões em 2021, maior parte das quais chinesas ou nigerianas, de acordo com uma investigação de Maurice Beseng, da Universidade de Sheffield, Reino Unido.
Beseng, um cientista social ambiental, concluiu que algumas embarcações artesanais e industriais dos Camarões foram interceptadas e utilizadas para o contrabando de combustível, armas e imigrantes ilegais. Muitas das armas contrabandeadas para os Camarões são provenientes da Nigéria.
As embarcações estrangeiras são famosas por pescar em zonas destinadas à pesca artesanal, utilizar produtos químicos proibidos, não declarar os seus dados de captura e por submeterem documentos fraudulentos para pescar e subornar as autoridades locais.
Tais práticas levam a uma sobrepesca flagrante e destruição dos ecossistemas e impedem os esforços dos Camarões para estimular a sua “economia azul.” A presença de arrastões industriais de pesca estrangeiros nos Camarões também ameaça os meios de subsistência de mais de 200.000 pessoas que trabalham no sector das pescas.
Em 2017, o governo dos Camarões avaliou o custo global da pesca ilegal em 33 milhões de dólares por ano.
A UE emitiu um cartão amarelo contra os Camarões, em 2021, depois de determinar que o nível de desenvolvimento e envolvimento daquele país contra a pesca INN era inadequado. Um cartão amarelo é um aviso formal que pode levar a uma proibição total de exportação de mariscos do país para a UE.
“Infelizmente, os Camarões ainda não foram capazes de garantir um controlo adequado das actividades de pesca que ocorrem sob sua bandeira,” Virginijus Sinkevičius, comissário da UE para o meio ambiente, oceanos e pescas, disse na altura.