Com uma população de aproximadamente 8,3 milhões de habitantes, a Serra Leoa registou apenas 125 mortes por COVID-19 desde que a pandemia começou. Assim como em outros países, especialistas acreditam que o verdadeiro número de mortes por coronavírus na Serra Leoa provavelmente seja muito mais elevado.
Num esforço para determinar os verdadeiros números da mortalidade por COVID-19 naquele país, a Universidade de Njala iniciou um projecto de autópsia verbal electrónica em que os trabalhadores vão de porta a porta para perguntar os residentes se nas suas casas houve alguma morte desde 2020.
Em Abril, Augustine Alfa era um dos quatro trabalhadores do projecto que inquiriu as casas da aldeia de Funkoya. O trabalho é sensível e intensivo, mas necessário para fornecer informação exacta às autoridades sanitárias.
Numa das casas, Alfa perguntou a um jovem se alguém na sua residência havia morrido nos últimos dois anos.
“Sim, a minha mãe,” respondeu o homem, de acordo com uma reportagem do The New York Times.
Alfa deu as suas condolências, depois perguntou gentilmente sobre dados relacionados com a morte da sua mãe, como por quanto tempo ela havia ficado doente, quais foram os sintomas que ela teve, se ela foi ao médico e se recebeu medicamentos ou não.
Alfa registou as respostas do homem num laptop. Depois de terminado, Alfa colocou um autocolante na casa, para marcar que o inquérito já tinha sido concluído na mesma, depois passou para a próxima casa.
Os dados são enviados para os escritórios da sede do projecto, na Universidade de Njala, onde são registados numa pesquisa de saúde pública chamada Acção de Vigilância Nacional da Mortalidade (COMSA). Na Universidade, um médico faz a revisão dos sintomas para determinar as causas da morte.
Apenas um quarto das mortes, na Serra Leoa, é registado no sistema de registo nacional, mas nenhuma destas mortes é atribuída a uma causa, de acordo com o The New York Times. As estatísticas da COVID-19 da Serra Leoa são rastreadas pelo Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (Africa CDC).
Sem dados fiáveis sobre as mortes, é difícil as autoridades da Serra Leoa prepararem políticas de saúde — e formularem um orçamento de prestação de cuidados sanitários — para proteger os seus residentes.
O primeiro estudo da COMSA, realizado em 2018 e 2019, concluiu que a malária era a doença que mais matava adultos na Serra Leoa. Esses resultados contrariaram a crença dos profissionais de saúde de que a malária matava crianças abaixo de 5 anos de idade e de que aqueles que sobrevivessem alcançavam um nível de imunidade que impedia que a doença os matasse.
A informação da COMSA deu às autoridades uma ideia mais clara do verdadeiro número de mortes pela doença e ajudou-as a trabalhar para melhor proteger a população adulta.
Colher estatísticas exactas sobre as mortes e as causas de morte é um desafio comum no continente e em todo o mundo. Aproximadamente metade das pessoas que morrem no mundo anualmente não tem a sua morte registada.
“Não existem incentivos para o registo da morte,” o Dr. Prabhat Jha, que dirige o Centro de Pesquisas Globais de Saúde, em Toronto, disse ao jornal. Jha foi pioneiro nos esforços como o da COMSA há duas décadas.
Mesmo assim, a Serra Leoa está a trabalhar para melhorar os seus esforços de registo para rastrear a causa e o número total de mortes. Jennifer Ellis, que dirige um programa chamado Dados para a Saúde, disse ao The New York Times que esta informação devia estar disponível em formato digital para fácil acesso e melhor armazenamento.
Outros países africanos estão a utilizar métodos únicos para obter uma verdadeira imagem do impacto da pandemia.
Na Zâmbia, por exemplo, os dados estatísticos da morgue da cidade capital, Lusaca, demonstraram que 32% dos mais de 1.000 corpos em 2020 e 2021 estavam infectados com COVID-19, comunicou a revista Nature. De acordo com o estudo da morgue, 80% dos que foram testados nunca foram tratados num hospital e a maioria era proveniente de bairros de baixa renda.
Para cada morte por COVID-19 registada por um hospital zambiano, aproximadamente quatro pessoas morreram nas suas comunidades, longe das instalações que poderiam fornecer oxigénio ou cuidados intensivos, de acordo com o epidemiologista Lawrence Mwananyanda. Assim como na Serra Leoa, esta informação pode ajudar o país a melhor responder a futuros surtos de doenças.