EQUIPA DA ADF
As pessoas de África já estão a sentir os feitos devastadores em cascata da invasão da Rússia à Ucrânia.
A guerra da Rússia terá um impacto duradouro sobre as economias do continente, essencialmente no aumento de preços de cereais, fertilizantes e combustível.
“Algumas vezes, dormimos com fome, porque a vida ficou tão cara,” uma vendedora de um mercado queniano, Beatrice Atieno, disse ao site de notícias Der Spiegel. “Principalmente o pão é algo que já não consigo comprar. Comemos batatas no matabicho ao invés de pão.”
Os especialistas afirmam que os preços dos alimentos continuarão a aumentar significativamente, porque a maior parte do trigo importado por Argélia, Egipto, Quénia, Nigéria, Sudão, Tanzânia, Tunísia e vários outros países africanos provêm da Ucrânia e da Rússia.
Em 2020, os países africanos importaram 4 bilhões de dólares em produtos agrícolas provenientes da Rússia, cerca de 90% dos quais eram trigo. O continente também importou 2,9 bilhões em produtos agrícolas provenientes da Ucrânia, aproximadamente metade dos quais eram trigo.
Os dois países também são líderes mundiais na exportação de milho e óleo de girassol.
“Os preços do trigo já explodiram aqui, e os moageiros têm muito pouco acesso ao capital,” Paloma Fernandes, da Associação Cereal Millers do Quénia, disse ao Der Spiegel, observando também que os custos de transporte aumentaram com os preços de combustível.
Wandile Sihlobo, membro sénior do Departamento de Economia Agrária da Universidade de Stellenbosch e economista chefe da Câmara de Comércio Agrário da África do Sul, acredita que a intensificação dos ataques da Rússia pode prejudicar o comércio e a segurança alimentar em todo o mundo.
Os grandes aumentos dos preços de cereais e das oleaginosas estiveram entre os principais causadores dos aumentos de preços dos produtos alimentares a nível internacional desde 2020, disse.
“O prejuízo causado no comércio, por causa da invasão, na região de grande importância de produção do Mar Negro, iria acrescentar aos preços elevados de produtos agrícolas a nível mundial — com potencial efeito em cascata para os preços de produtos alimentares em todo o mundo,” escreveu recentemente para a organização de notícias sem fins lucrativos, The Conversation África.
“O aumento nos preços dos produtos já era evidente poucos dias depois do início do conflito.”
A Rússia também é um dos principais fornecedores de insumos agrícolas, lidera o mundo na exportação de ingredientes de fertilizantes, e os preços dispararam nestes últimos meses. O preço do amoníaco, por exemplo, aumentou 260% entre Dezembro de 2020 e Dezembro de 2021.
Espera-se que os agricultores de pequena escala de África Austral utilizem menos fertilizantes do que o normal nesta época, o que pode limitar significativamente as colheitas.
Abeer Etefa, porta-voz do Programa Mundial de Alimentação, sediada em Cairo, disse que o panorama global é preocupante.
“A guerra causa maior insegurança alimentar, e a insegurança alimentar aumenta as possibilidades de instabilidade e violência,” disse ao jornal The Guardian. “Por isso, um conflito na Ucrânia causando a fome e empurrando as pessoas para insegurança alimentar em outros lugares pode ter um potencial de instabilidade e violência noutras regiões. Na verdade, o mundo não pode permitir um outro conflito.”
Existem outros efeitos debaixo do radar da agressão russa no continente, uma vez que as sanções das Nações Unidas reprimiram os bancos, o turismo, as viagens e as empresas russas.
O país mais populoso de África está a sentir o impacto.
A falta de combustível para aeronaves na Nigéria obrigou as linhas aéreas a cancelarem e a adiarem vários voos em rotas principais. Os preços elevados de produtos alimentares e a inflação de dois dígitos obrigaram muitos nigerianos a substituírem medicamentos modernos por remédios à base de plantas, de acordo com o site da internet, Africanews.
A guerra também ameaça a conclusão do Complexo de Aço de Ajaokuta, avaliado em vários bilhões de dólares, na Nigéria, que a Rússia concordou em concluir e colocar em pleno funcionamento até 2023. O projecto, que já gastou mais de 8 bilhões de dólares desde que uma empresa russa começou a trabalhar em 1979, prometeu 100.000 empregos.
Talvez o maior choque para África do impacto da invasão seja a ajuda humanitária. Alguns bens e serviços existentes serão desviados para a Ucrânia. Está cada vez mais difícil encontrar financiamentos para África.
A ONU recentemente soou o alarme da falta de fundos para o alívio das vítimas da seca na Somália onde 4,5 milhões de pessoas, cerca de 30% da população, foram afectadas.
Adam Abdelmoula, coordenador humanitário da ONU para Somália, disse que a organização angariou apenas 3% dos 1,46 bilhões de dólares necessários.
“O panorama já era sombrio antes da crise da Ucrânia,” disse durante uma conferência de imprensa de 9 de Março, na capital queniana, Nairobi. “Estou extremamente preocupado.”