EQUIPA DA ADF
Todas as vezes que Veracruz, um navio de carga refrigerada de 108 metros, atravessava a fronteira marítima da Namíbia para Angola, parecia que desaparecia.
Possivelmente envolvida em pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), o seu capitão simplesmente desligava o sinal de rastreamento do seu sistema de identificação automática (AIS) para que as autoridades não saibam a sua localização.
Conhecida como “ficar às escuras,” a prática é especialmente comum entre arrastões envolvidos em transbordo ou transferência ilegal de peixe de uma embarcação para outra, algo que parece que o Veracruz pratica, de acordo com um relatório da E&T, uma revista de engenharia e tecnologia.
A pesca INN lesa aos países da África Ocidental em 2,3 bilhões de dólares anualmente, de acordo com as Nações Unidas. A prática também destrói os ecossistemas e já esteve ligada a outros crimes como pirataria, raptos e tráfico de drogas. A China é o pior infractor da pesca INN no mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN e tem como alvo a África Ocidental já há muitos anos.
Apesar das consequências da pesca INN, muitos países da África Ocidental não exigem que as embarcações de pesca utilizem um AIS, de acordo com Peter Hammarstedt, director de campanhas da Sea Shepherd Global, que ajuda vários países da África Ocidental a combaterem a pesca ilegal.
“É impossível determinar quantas embarcações não estão a utilizar os seus AISs, uma vez que não existe um requisito internacional que obrigue as embarcações de pesca a utilizarem um AIS,” Hammarstedt disse à ADF num e-mail. “Depende completamente dos regulamentos do país de bandeira. Na África Ocidental, todas as embarcações de bandeira da União Europeia transmitem AIS, mas apena uma pequena fracção destes são arrastões chineses — estamos a falar de menos de 20%.”
Os receptores do AIS têm sido utilizados desde 2008 e foram destinados a apoiar a navegação segura e evitar colisões, através da transferência automática de informação sobre uma embarcação para outros navios. Tem cada vez mais sido utilizado para fazer cumprir as leis pesqueiras.
“O uso generalizado e obrigatório de AIS, que estamos a testemunhar no sector das pescas, não irá apenas promover segurança no mar, mas também possibilitará que os agentes da lei façam um melhor rastreamento e análise dos movimentos das embarcações de pesca, permitindo uma melhor realização de inspecções e aumentando o nosso conhecimento generalizado das actividades pesqueiras,” Nicholas Ntheketha, presidente da FISH-i Africa, que trabalha para acabar com a pesca ilegal, disse na página da internet da iuuwatch.eu.
Embora desactivar os AISs dos arrastões, muitas vezes, seja considerado como um alerta para as autoridades, as embarcações podem ter motivos legítimos para desligarem o sinal — mesmo aquelas que tenham sido acusadas de pesca ilegal no passado.
Hans Mol é o director-geral da empresa europeia de mercadoria da pesca, GreenSea Chartering, detida em 50% das acções pela Seatrade, uma empresa que já foi multada por violar as regras de transbordo. Mol disse à E&T que a sua frota muitas vezes desliga o seu sinal de AIS no Golfo da Guiné, onde a pirataria e outros crimes marítimos estão a aumentar.
No primeiro trimestre de 2021, o Golfo da Guiné representou 43% de toda a pirataria da região africana, de acordo com o Bureau Marítimo Internacional. Os ataques tiveram como alvo navios de carga, embarcações de pesca e barcos de passageiros. No ano passado, o Golfo da Guiné representou mais de 95% de todos os sequestros marítimos a nível mundial, de acordo com o bureau.
“Existe um diálogo constante no sentido de saber se desligamos o nosso sinal de AIS. Gostaria de estar visível aos piratas?” Mol dissse à E&T. “O Golfo da Guiné é onde, por vezes, desligamos. O primeiro ataque e sequestro que sofremos foi em 2012” ao largo da costa da Nigéria.