África perde cerca de 11,2 bilhões de dólares em receitas anuais devido à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN). O desafio é particularmente grave na África Ocidental, que perde cerca de 9,4 bilhões de dólares com este flagelo.
A pesca ilegal praticada por arrastões industriais e semi-industriais estrangeiros, particularmente da China, tem causado insegurança alimentar e ameaçado os empregos de mais de 10 milhões de homens e mulheres que trabalham na pesca artesanal em África.
Os profissionais de segurança reconhecem a ameaça. O Coronel Roland T. Bai Murphy, comandante da 23.ª Brigada de Infantaria das Forças Armadas da Libéria, viu em primeira mão os efeitos da pesca INN nos pescadores artesanais do seu país. A Libéria perde 75 milhões de dólares anualmente devido à pesca ilegal.
“A pesca INN é grave, porque a maior parte da nossa população que vive ao longo da costa é composta por pescadores artesanais,” Murphy disse à ADF durante a Cimeira das Forças Terrestres Africanas em Acra, Gana, em Abril de 2025. “Portanto, quando temos estes arrastões vindos de países asiáticos e de alguns países europeus a pescar ilegalmente de forma agressiva nas nossas águas, isso priva os pescadores artesanais locais do seu sustento.”
Na Libéria, cerca de 37.000 pessoas trabalham a tempo inteiro ou parcial na indústria pesqueira e 80% da população depende do peixe como fonte de proteína. Mas os “super arrastões” industriais estão a pôr em risco este modo de vida, deslocando os pescadores artesanais e dizimando o ecossistema oceânico.

“Existem esses grandes arrastões, alguns com redes de mais de um quilómetro e meio, que arrastam o fundo do mar, danificando os recifes de coral de tal forma que, na Libéria, começaram a aparecer recifes de coral levados pela maré,” revelou Murphy.
Vários países do Golfo da Guiné implementaram um conjunto de iniciativas para combater a pesca ilegal, mas, muitas vezes, elas não são aplicadas nem integradas devido à fraca gestão, aos recursos limitados para fiscalização e à corrupção.
Gareth Johnstone é director-executivo da Trygg Mat Tracking (TMT), uma organização sem fins lucrativos que fornece informações sobre a pesca a países e organizações. Ele defende que a cooperação e a colaboração regionais são imperativas na luta contra a pesca ilegal.
“É uma abordagem simples de nos unirmos,” Johnstone disse à ADF. “Isso significa que se começa a partilhar informações. Começa-se a partilhar recursos. Assim, há mais olhos postos no problema. Isso também aumenta a transparência. É possível ver o que consta da lista de licenças [de pesca do seu país], pelo que, quando os navios são apreendidos, podemos verificar se têm licença legal ou não. A regionalização é realmente uma escolha óbvia.”
Há avanços nessa direcção. Em 2022, o Comité das Pescas do Centro-Oeste do Golfo da Guiné e a Comissão Sub-Regional das Pescas assinaram um memorando de entendimento com a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental que estabeleceu um quadro de colaboração, parceria e cooperação.
Através deste quadro, o Centro Regional de Monitoria, Controlo e Vigilância em Tema, no Gana, faz parte de um esforço para combater a pesca ilegal, melhorar a supervisão da pesca e a aplicação da legislação em matéria de pesca, aumentar a partilha de informações e reduzir os custos para os Estados-membros. A TMT ajuda o centro a identificar embarcações de pesca ilegais, a rastrear as suas actividades e a analisar as suas ligações a outros crimes.

O Caso do Nova Zeelandia
Em Março de 2023, as autoridades de Tema demonstraram o valor do intercâmbio bem-sucedido de informações e da colaboração transfronteiriça quando o navio holandês Nova Zeelandia entrou no porto. Não havia indícios imediatos de que o navio operasse ilegalmente, mas uma avaliação retrospectiva de monitoria, controlo e vigilância identificou lacunas na utilização do sistema de identificação automática do navio, uma prática conhecida como desligamento.
Muitas vezes, os barcos fazem isso para ocultar operações ilegais.
Uma investigação revelou que o navio tinha operado com navios doadores com bandeira dos Camarões para transbordar ilegalmente peixe no mar. Os Camarões são um Estado de bandeira sancionado pela União Europeia por violações das regras de pesca. Após análise, o Gana contactou Angola através do Centro de Coordenação de Monitoria, Controlo e Vigilância da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e confirmou que o navio também tinha transbordado ilegalmente peixe no mar, uma prática conhecida como saiko, juntamente com os outros quatro navios. Os documentos do Nova Zeelandia também eram falsos.
Durante a investigação, a plataforma de comunicação regional da Força-Tarefa da África Ocidental organizou uma colaboração em tempo real com Angola, Benin, Costa do Marfim e Gana, todas as áreas por onde o navio navegou. Isso levou Angola a abrir um processo judicial contra o Nova Zeelandia e os outros navios envolvidos na saiko. Em 2024, o Nova Zeelandia foi proibido de continuar a operar em Angola. Os Camarões multaram cada proprietário de navio por incumprimento das leis nacionais de pesca.
“O caso Nova Zeelandia serve de modelo para futuros esforços de aplicação da lei multirregionais, mostrando como a implementação robusta do PSMA [Acordo sobre Medidas do Estado do Porto] e a aplicação da lei baseada em informações podem encerrar redes de pesca INN,” Johnstone escreveu num relatório da TMT.
Protegendo as Águas da África Austral
Dentro da SADC, o Madagáscar é visto como promotor da transparência e da cooperação regional nos esforços para combater os crimes marítimos e melhorar a economia azul.
O Centro Regional de Fusão de Informações Marítimas do Madagáscar ajuda a identificar embarcações suspeitas. A monitoria constante pela sala de vigilância do centro ajuda a alertar as agências regionais de fiscalização da lei marítima sobre ameaças em tempo útil.

O centro do Madagáscar partilha informações com a sua operação irmã, o Centro Regional de Coordenação Operacional das Seychelles, e com qualquer país que enfrente uma ameaça marítima. O centro das Seychelles realiza principalmente acções conjuntas de fiscalização da lei no mar.
Os analistas recomendaram que todos os países da região se juntem à arquitectura do Programa de Segurança Marítima para que possam receber informações dos centros regionais. Comores, Djibouti, França em nome da Ilha Reunião, Quénia, Madagáscar, Maurícias, Seychelles e Tanzânia são os actuais membros do programa.
Em Abril de 2025, o Centro de Coordenação de Monitoria, Controlo e Vigilância da SADC; o centro do Madagáscar; Stop Illegal Fishing; TMT; o Fundo Mundial para a Natureza; e Fitsinjo, um observatório local de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada; participaram num workshop de quatro dias com o objectivo de estabelecer um registo regional de embarcações de pesca. Eles apresentaram aos inspectores de pesca de seis portos do Madagáscar as ferramentas e a metodologia promovidas pelo centro da SADC para avaliar os riscos dos navios de pesca e reforçar os processos de tomada de decisão para lidar com actividades suspeitas.
Em Agosto de 2024, o Madagáscar revelou um plano quinquenal para implementar quotas de pesca, criar áreas marinhas protegidas e diversificar as fontes de rendimento das comunidades pesqueiras.
“Ao capacitar os pescadores, através de formação e educação, pretendemos garantir que a pesca em pequena escala continue a ser uma actividade viável e sustentável para as gerações futuras,” Paubert Mahatante, Ministro das Pescas e da Economia Azul do Madagáscar, disse à SeafoodSource.
Os Métodos Malignos da China
A China, que possui a maior frota de pesca em águas longínquas do mundo, tem o pior histórico de pesca ilegal do mundo, de acordo com o Índice de Risco de Pesca INN. Entre as principais 10 empresas envolvidas na pesca ilegal, a nível mundial, oito são provenientes da China. Os arrastões de Pequim podem capturar cinco vezes mais peixes num dia do que uma pequena frota de uma aldeia num ano.
Os arrastões chineses são conhecidos por praticarem o “flagging in” em países africanos, o que significa que usam e abusam dos regulamentos locais para atribuir bandeira a uma embarcação de proprietários e operada por estrangeiros, colocando-a num registo africano, para pescar em águas locais. O flagging in é um sinal comum de que os navios estão a pescar ilegalmente. Entre os métodos de pesca ilegal mais destrutivos praticados pela frota chinesa está a pesca de arrasto de fundo. Em toda a África, a frota de arrasto de fundo da China captura cerca de 2,35 milhões de toneladas de peixe por ano, estimadas em mais de 5 bilhões de dólares, de acordo com a Fundação para a Justiça Ambiental. Além de roubar alimentos e rendimentos ao continente, a pesca de arrasto de fundo destrói ecossistemas de que os peixes precisam para sobreviver e captura indiscriminadamente todo o tipo de vida marinha.
Outros métodos ilegais empregues pelos arrastões chineses incluem a pesca com explosivos, a pesca com luzes potentes à noite, a pesca em áreas proibidas, como a zona económica exclusiva de um país, e a “saiko,” o transbordo ilegal de peixe no mar. Na saiko, as capturas são transferidas de um arrastão para uma grande canoa capaz de transportar cerca de 450 vezes mais peixe do que uma canoa de pesca artesanal. Os arrastões de Pequim também são conhecidos por destruir artes de pesca utilizadas pelos pescadores locais e virar as suas canoas, causando por vezes mortes.
Em Abril de 2025, o Ministério das Pescas e Aquicultura do Gana e a Comissão das Pescas suspenderam por 12 meses as licenças de pesca de quatro arrastões chineses por praticarem a saiko, despejarem peixe indesejado, pescarem em zonas restritas e capturarem peixes juvenis. A pesca ilegal, não declarada e não regulamentada custa ao país entre 14,4 e 23,7 milhões de dólares anualmente.
“A saiko está a precipitar o colapso das unidades populacionais de peixes básicos do Gana e, com isso, a pobreza e a fome do seu povo,” Steve Trent, director-executivo da Fundação para a Justiça Ambiental, disse numa reportagem da Dialogue Earth. “Os arrastões chineses estão a ganhar milhões de dólares num comércio ilegal que representa mais da metade dos peixes capturados por barcos industriais no Gana.”
Os arrastões Meng Xin 10, Florence 2, Long Xiang 607 e Long Xiang 608 estavam registados no Gana, mas são propriedade de três empresas chinesas, informou o Ghana Business News.
A frota Meng Xin, propriedade da Dalian Mengxin Ocean Fishery Co., está ligada ao desaparecimento, em 2019, do observador de pesca ganês, Emmanuel Essien. Ele desapareceu do arrastão Meng Xin 15 depois de filmar a tripulação a descartar ilegalmente peixe no mar e apresentar uma denúncia à Comissão das Pescas do país. E jamais foi encontrado.
Em Termos Numéricos
A pesca ilegal rouba receitas ao continente, ameaça o sustento de milhões de trabalhadores e provoca a insegurança alimentar há décadas. Estes números ilustram a dimensão do problema:
- O continente perde 11,2 BILHÕES DE DÓLARES por ano devido à pesca ilegal.
- 9,4 BILHÕES DE DÓLARES são perdidos só na África Ocidental devido à pesca ilegal.
- 40% dos arrastões ilegais do mundo pescam na África Ocidental.
- 7 MILHÕES de pessoas na África Ocidental dependem do peixe para alimentação e emprego.
- Na Costa do Marfim, a captura total anual CAIU QUASE 40% entre 2003 e 2020, em grande parte devido à pesca ilegal.
- O potencial máximo de captura para a Costa do Marfim, o Gana e a Nigéria poderá CAIR CERCA DE 50% até meados do século.
- No Gana, o total da captura de pequenos peixes pelágicos, um alimento básico da dieta nacional, CAIU 59% entre 1993 e 2019.
- Das 10 MAIORES empresas envolvidas na pesca ilegal a nível mundial, oito são CHINESAS.
- A frota de arrasto de fundo da China captura cerca de 2,35 MILHÕES de toneladas de peixe por ano em todo o continente, avaliadas em mais de 5 BILHÕES de dólares.
