África conta com um litoral vasto e rico em recursos, mas os seus 37 países costeiros, muitas vezes, têm dificuldades de encontrar recursos para patrulhá-lo e protegê-lo.
A costa do continente, que se estende por 40.000 quilómetros, representa mais de 11% do total mundial. O Oceano Atlântico, o Golfo da Guiné, o Oceano Índico Ocidental e o Mar Vermelho são ricos em recursos naturais e oferecem rotas importantes para o transporte marítimo global. Mas o seu acesso marítimo também é um problema de segurança, com criminosos a aproveitarem-se da sua extensão. Roubos, sequestros e pirataria perturbam as rotas marítimas e ameaçam o comércio mundial. A pesca ilegal devasta as economias costeiras, esgota os recursos pesqueiros e até destrói os leitos oceânicos. O contrabando e o tráfico de drogas, armas e pessoas comprometem a segurança pessoal, nacional e corporativa.
Mesmo para países com grandes marinhas, como vários da África do Norte, o crime marítimo é um problema. Noutras partes de África, potências económicas, como a África do Sul e a Nigéria, enfrentam dificuldades para financiar adequadamente as marinhas e as guardas costeiras nacionais.
Investigadores afirmam que muitos países africanos, ao elaborarem os seus orçamentos militares ao longo dos anos, tiveram de investir a maior parte dos seus recursos nos exércitos, em detrimento das marinhas e guardas costeiras.
“À medida que os países africanos e os interesses estrangeiros procuram explorar todo o potencial da economia oceânica, enfrentam criminosos que competem de forma semelhante por este espaço oceânico geoestratégico,” escreveu Carina Bruwer, investigadora sénior do Instituto de Estudos de Segurança em Pretória, África do Sul. “Estes actores beneficiam igualmente do aumento do comércio marítimo e dos desenvolvimentos tecnológicos que tornam os navios maiores, mais rápidos e capazes de percorrer distâncias mais longas.”
Bruwer disse à ADF que a combinação da riqueza dos recursos marinhos de África com a falta de recursos de segurança marítima foi agravada por governos fracos e altos níveis de corrupção e suborno.

Um exemplo disso, segundo ela, foi o aumento da pirataria somali no Corno de África, que se tornou uma preocupação mundial por volta de 2011. Entre outras coisas, os investigadores culparam um ambiente de segurança fragmentado, no qual os países não trabalhavam em conjunto nem partilhavam informações sobre o domínio marítimo. Isso obrigou as marinhas e outros grupos a unirem-se no que muitos consideraram uma resposta sem precedentes para proteger as rotas marítimas dos seus países. O resultado foi a quase eliminação da pirataria durante algum tempo.
Nos últimos anos, o número de incidentes tem-se mantido relativamente estável, com o Centro de Notificação de Pirataria do Gabinete Marítimo Internacional a registar uma diminuição de 3% da pirataria mundial em 2024, em comparação com 2023. Mas os relatos de pirataria somali, pela primeira vez desde 2017, estão novamente a suscitar preocupações.
Bruwer disse que as respostas iniciais fracas da região à pirataria expuseram as deficiências dos seus recursos e procedimentos.
“Uma coisa é criminalizar a pirataria, mas depois é preciso ter a capacidade de realmente capturá-los,” disse. “Depois, é preciso ter a capacidade e os meios para processá-los com sucesso. Pode-se interceptar traficantes de drogas nas suas próprias águas, mas quando se tem um navio suspeito de pirataria a 200 milhas náuticas da costa, é realmente muito difícil provar.”
Muitas das marinhas e guardas costeiras africanas estão muito dispersas, avisou.
A escassez de recursos de segurança é um tema comum em todos os países costeiros. Isso ficou claro em meados de Maio de 2025, quando os terroristas atacaram um navio de pesquisa marinha ao largo da costa da província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique.
A Marinha de Moçambique é responsável por proteger uma costa de 2.500 quilómetros que se estende ao longo do Oceano Índico, da Tanzânia, no norte, à África do Sul, no sul. Estima-se que o país tenha menos de 20 navios de patrulha operacionais. No ataque terrorista, o navio estava a pesquisar os recursos pesqueiros de Moçambique, de acordo com o Centro de Integridade Pública. Quando duas lanchas rápidas nas proximidades começaram a disparar contra eles, a tripulação do navio recuou para o alto mar. Contactaram imediatamente a Marinha de Moçambique para pedir ajuda, “mas essa ajuda não chegou,” disse uma testemunha ao site de notícias Club of Mozambique.
Os atacantes acabaram por desistir devido ao mar agitado e retiraram-se. Os investigadores afirmaram desde então que não havia desculpa para a falta de resposta das autoridades aos seus pedidos de ajuda. Semanas após as queixas, as autoridades moçambicanas afirmaram que ainda estavam a investigar o incidente.

REUNINDO RECURSOS
Os investigadores afirmam que existem formas de partilhar recursos para resolver questões transfronteiriças, mesmo que de forma limitada.
A partilha de recursos de forma económica inclui a partilha de informações e dados, operações e patrulhas conjuntas e a integração de quadros jurídicos e procedimentos operacionais normalizados. Já existem algumas organizações e ferramentas para ajudar.
O Código de Conduta de Yaoundé, assinado por 25 países da África Ocidental e Central em 2013. A Organização Marítima Internacional (OMI) afirma que o principal objectivo do código é gerir e reduzir os danos “derivados da pirataria, do roubo à mão armada contra navios e de outras actividades marítimas ilícitas, tais como a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada.”
O código enfatiza a colaboração entre os países do Golfo da Guiné e centra-se na segurança marítima nacional e nos planos de contingência.
O Centro de Estudos Estratégicos de África afirma que o Código de Yaoundé se tornou “um modelo de como fazer cooperação marítima a nível regional.”
“Os países do Golfo da Guiné trabalham em conjunto para enfrentar os seus desafios comuns e existe uma ‘cultura de colaboração’, afirmou o Africa Center em 2023. “A criação de confiança entre os participantes é a maior conquista do código de conduta. Outra lição importante é que uma comunidade pequena e motivada de profissionais pode ter um impacto.”
O Africa Center observou que o código ainda estava em desenvolvimento, afirmando que “a arquitectura de Yaoundé funciona, mas não de forma ideal ou igual em todas as zonas.” O Africa Center afirmou que ainda havia problemas com a coordenação e a partilha de informações e que nem todos os países-membros tinham criado estratégias marítimas nacionais nem as tinham financiado adequadamente.

O Código de Conduta de Djibouti, criado em 2009, centra-se no combate à pirataria e ao roubo à mão armada, sobretudo no Oceano Índico Ocidental e no Golfo de Áden. O Código de Djibouti promove a partilha de informações, patrulhas conjuntas e o reforço das capacidades. Existem 20 países-membros, incluindo a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. A OMI afirmou que os países-membros concordaram em realizar as seguintes acções:
Investigação, detenção e julgamento de pessoas “razoavelmente suspeitas” de terem cometido actos de pirataria e roubo à mão armada contra navios, incluindo aqueles que incitam ou planeiam tais ataques.
Interceptação e apreensão de navios suspeitos e bens a bordo.
Resgate de navios, pessoas e bens expostos à pirataria e ao roubo à mão armada, incluindo os cuidados e tratamento adequados às vítimas, tais como pescadores, outro pessoal a bordo e passageiros.
Realização de operações conjuntas entre os países-membros e com marinhas de países de fora da região.
Em 2017, as autoridades acrescentaram a Emenda de Jeddah, que ampliou o código para incluir o tráfico de pessoas e outras actividades marítimas ilegais no Oceano Índico Ocidental e na área do Golfo de Áden. Essas actividades incluem tráfico e contrabando de pessoas; pesca ilegal, não declarada e não regulamentada; tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas; tráfico de armas; comércio ilegal de animais selvagens; roubo de petróleo bruto; e despejo ilegal de resíduos tóxicos.
As Forças Marítimas Combinadas (CMF) são a maior parceria naval multinacional do mundo, com 46 países-membros, incluindo Djibouti, Egipto, Quénia e Seychelles. A parceria afirma estar empenhada em “defender a ordem internacional baseada em regras no mar, promovendo a segurança, a estabilidade e a prosperidade” em 8,3 milhões de quilómetros quadrados de águas internacionais, incluindo algumas das rotas marítimas mais importantes do mundo. As principais áreas de foco das CMF são derrotar o terrorismo, prevenir a pirataria, incentivar a cooperação regional e promover um ambiente marítimo seguro.
As CMF estão a testar drones marítimos como um meio económico para patrulhar os mares. Em 2025, a organização destacou quatro embarcações não tripuladas, também conhecidas como drones marítimos, para patrulhar continuamente o Mar Vermelho durante mais de 50 dias, uma novidade para a organização. Entre Fevereiro e Abril, as embarcações patrulharam uma área operacional de 219.000 quilómetros quadrados — cerca de metade do Mar Vermelho — à procura de sinais de actividades ilícitas. A Marinha dos EUA forneceu os quatro drones marítimos, que mantiveram uma vigilância constante em todas as condições meteorológicas, partilhando feedback em vídeo e radar em tempo real com os operadores da sede das CMF.
“Além de dar à força-tarefa visibilidade em tempo real das actividades na água, o destacamento produziu observações importantes sobre o tráfego marítimo que podem ser facilmente partilhadas com os parceiros regionais,” disse o Capitão Jorge McKee, da Marinha Real Australiana. “Nada supera ter olhos na água.”
McKee, que comandou a força-tarefa responsável pela missão, disse que criminosos e outros actores não estatais “explorarão qualquer brecha que encontrarem.”
“O alto mar é um espaço comum para a prosperidade de todas as pessoas, mas se ninguém estiver a vigiar, sabemos que os contrabandistas transportarão drogas e armas, os pescadores ilegais saquearão os oceanos e os piratas roubarão ou sequestrarão navios,” disse McKee, de acordo com as CMF. “Esta operação demonstra o valor de olhos extras na água e ajuda-nos a saber onde colocar navios de guerra no lugar certo para apreender cargas ilícitas e proteger marinheiros inocentes.”
O Centro de Coordenação Operacional Regional (RCOC) das Seychelles e o Centro Regional de Fusão de Informações Marítimas (RMIFC) do Madagáscar concentram-se na troca de informações marítimas. Os centros foram criados em 2018 para gerir a troca e a partilha de informações, bem como operações conjuntas no mar. Sete Estados assinaram os acordos de parceria originais: Comores, Djibouti, França, Quénia, Madagáscar, Maurícias e Seychelles.
Trabalhando em estreita colaboração com o seu centro irmão, o RCOC coordena as operações regionais de combate a actividades marítimas ilegais com o apoio de recursos contribuídos pelos países parceiros. A Marinha dos EUA afirma que o RMIFC “concentra-se em aprofundar a consciência marítima e facilitar a troca e a partilha de informações marítimas com centros nacionais e centros internacionais de fusão de informações, enquanto o RCOC utiliza as informações fornecidas pelo centro de fusão para iniciar e coordenar operações no mar.”
As autoridades demonstraram essa coordenação em Janeiro de 2023, quando apreenderam 3.000 espingardas, centenas de munições e mísseis antitanque de um navio de pesca no Golfo de Omã. As armas iranianas destinavam-se à milícia Houthi no Iémen. Dias antes, as autoridades interceptaram 2.000 armas iranianas diversas num navio de pesca com destino ao Iémen.

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Sem as informações sobre o navio que o RMIFC partilhou com as autoridades locais, algumas das armas poderiam ter acabado na Somália e vendidas a grupos terroristas como o al-Shabaab e o grupo Estado Islâmico na Somália. O RMIFC combate o tráfico de armas através da partilha e troca de informações de segurança marítima sobre navios suspeitos de cometer crimes.
O centro ajuda a identificar navios suspeitos de tráfico de armas e outros crimes marítimos, como contrabando de drogas, migração ilegal e pesca ilegal. A monitorização constante feita pela sala de vigilância do centro ajuda a alertar rapidamente as agências de fiscalização da lei marítima sobre ameaças.
UMA RESPOSTA UNIFICADA
Bruwer e outros apontaram a falta de vontade política, juntamente com problemas de coordenação entre várias marinhas e burocracias, como obstáculos à cooperação. Existem questões de sobreposição de jurisdições, sistemas jurídicos fracos e falta de interacção adequada entre as agências.
O Africa Center e outras organizações apontaram a necessidade de equilibrar a soberania nacional com a cooperação regional, exigindo uma padronização das leis e a construção de confiança. Muitos países têm cadeias de acusação incompletas, da prisão à condenação.

Pesquisadores afirmam que os países costeiros de África devem priorizar a aquisição e manutenção de barcos de patrulha e equipamentos de vigilância. Eles precisarão enfatizar a formação e a retenção de pessoal militar e policial marítimo. Terão de melhorar as suas infra-estruturas marítimas, incluindo as redes de comunicação.
Mas permanece o problema evidente de um território demasiado vasto para patrulhar e proteger, mas com recursos insuficientes.
“Sabemos que, muitas vezes, utilizamos esta retórica da cooperação e que todos estão dispostos a cooperar,” afirmou Bruwer. “Mas a capacidade para o fazer é muito limitada. É óptimo dizer que vamos ajudar o país vizinho a combater o crime marítimo, mas é difícil realmente alocar recursos para patrulhamento.”
Cada país precisa de um departamento governamental que “realmente defenda” a segurança marítima para garantir que ela seja uma prioridade “e, portanto, bem financiada,” defendeu Bruwer. Ela acrescentou que a partilha de capacidades e informações para proteger colectivamente as costas de África é “inegociável.”
