As tensões estão a aumentar no Corno de África, com a Etiópia a acusar a vizinha Eritreia de “se preparar activamente para entrar em guerra.”
Numa carta dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Etiópia, Gedion Timothewos, afirmou que a Eritreia está a “financiar, mobilizar e dirigir” grupos armados dentro da Etiópia, incluindo as Fano, uma milícia da etnia Amhara. Gedion também acusou a nação do Mar Vermelho de colaborar com uma facção linha-dura da Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF) para alimentar a violência no norte da Etiópia.
Ele advertiu que, se isso continuar, as forças armadas da Etiópia não terão outra escolha a não ser responder.
“A Força de Defesa [Nacional] da Etiópia adoptou uma postura defensiva e tentou conter a situação,” escreveu Gedion. “Isto deve-se à nossa política de máxima contenção. No entanto, é importante referir que a política não é de contenção indefinida.”
Numa resposta no X, o Ministro da Informação da Eritreia, Yemane Ghebremeskel, afirmou que a carta era um acto de “duplicidade extrema” e acusou a Etiópia de “ameaças imprudentes e provocadoras.”
A Etiópia está a emergir de uma guerra civil brutal que matou centenas de milhares de pessoas e deslocou milhões. A guerra terminou oficialmente com a assinatura do Acordo de Pretória em 2022, mas a paz ainda não se consolidou. O processo nacional de desarmamento, desmobilização e reintegração dos combatentes tem sido lento e incompleto, e a TPLF dividiu-se em duas facções rivais que disputam o controlo do norte. As Fano, sem vontade de depor as armas, estão a travar uma guerra contra as forças governamentais na região de Amhara.
Neste contexto, escreveu o analista Gelila Enbaye, a Eritreia está a desempenhar um papel de “sabotador” e a apoiar as Fano e a TPLF sob a filosofia de “o inimigo do meu inimigo é meu amigo.”
“A Etiópia hoje pode ser rotulada como um contexto pós-conflito; no entanto, a sua história recente serve como um aviso, revelando a rapidez com que a chamada paz pode desmoronar,” Gelila escreveu para a página da internet Africa is a Country. “A Eritreia, um Estado pária e um desafio diplomático assustador, continua a ser um spoiler perigoso.”
A intensificar o conflito entre as duas nações está o desejo da Etiópia de recuperar o acesso ao porto de Assab, no Mar Vermelho. A cidade portuária faz parte da Eritreia desde que o país conquistou a sua independência em 1991, o que deixou a Etiópia sem saída para o mar. Recentemente, os líderes etíopes têm usado uma retórica agressiva, afirmando que pretendem recuperar o acesso ao porto. Numa publicação no Facebook em Setembro, o Exército da Etiópia afirmou estar disposto a “pagar qualquer preço” para recuperar o porto.
Numa entrevista à ADF, o Dr. Michael Woldemariam, professor associado da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland e especialista sobre o Corno de África, afirmou que as palavras hostis entre os dois países podem significar que estão a chegar a um “ponto de inflexão” em que é mais provável que ocorra um conflito armado.
“A tensão entre eles tornou-se muito mais explícita, o que certamente sugere que devemos estar cada vez mais alarmados com a trajectória das tensões entre os dois países,” disse Michael.
Uma cobertura independente limitada na região torna difícil saber que medidas concretas os dois países estão a tomar para se preparar para a guerra. Há rumores de uma mobilização de forças perto de Assab e acusações de compra de armas, mas nada foi confirmado, disse Michael.
Acima de tudo, os observadores temem uma nova guerra em Tigré, onde 878.000 pessoas ainda estão deslocadas internamente, de acordo com um relatório da ONU de 2025.
“O que é particularmente preocupante sobre uma guerra no norte da Etiópia envolvendo a Eritreia é o quão frágeis já são as condições humanitárias,” sublinhou Michael. “E se acrescentamos um conflito armado a isso, seria catastrófico em termos do colapso da prestação de serviços básicos e da migração que se seguiria.”
Michael também teme que uma guerra entre os dois países possa ser intratável, com ambos os lados a armar milícias e a procurar ajuda de aliados externos, como o Egipto para a Eritreia ou os Emirados Árabes Unidos para a Etiópia. O exemplo da guerra civil sudanesa, segundo ele, mostra como é difícil parar um conflito quando ele se torna uma guerra por procuração para outras potências globais.
“É provável que este seja um conflito multifacetado, com várias partes envolvidas, e quanto mais intervenientes houver no conflito, mais difícil será resolvê-lo,” afirmou Michael. “Por isso, concordo plenamente que isso seria uma grande calamidade para toda a região.”
