A indignação tomou conta do Sudão do Sul quando um vídeo de um estupro colectivo começou a circular nas redes sociais em Junho. A vítima, uma menina de 16 anos, era membro de uma gangue na capital, Juba. Os autores do crime eram membros de uma gangue rival em busca de vingança.
Poucos ficaram tão perturbados com o incidente como Alaak Akuei, antigo membro de gangue que trabalha para combater a crescente onda de violência de gangues.
“Fiquei muito desapontado,” disse ao jornal The Guardian. “Estamos a trabalhar com esses rapazes, conhecemos alguns deles, mas eles não estão a ouvir. Mas temos que ser fortes, porque não podemos desistir.”
As gangues tornaram-se emblemáticas da violência no Sudão do Sul nos últimos anos, numa altura em que agressões, roubos e brigas de rua entre facções rivais são comuns nos bairros densamente povoados de Juba. Assim, quando as autoridades responderam ao vídeo do estupro colectivo com uma semana de repressão em toda a cidade e a prisão de 623 suspeitos de pertencerem a gangues, isso chamou a atenção tão necessária para o problema.
O bispo sul-sudanês Eduardo Hiiboro Kussala chamou o incidente de “um grito… um sintoma… um sinal de que algo profundo e perigoso está a acontecer na alma da nação.”
“Gangues, violência, vício e trauma estão a espalhar-se silenciosamente,” escreveu numa carta partilhada com a agência de notícias Fides em Setembro. “Juba é apenas a ponta do iceberg. Estamos sentados sobre uma bomba-relógio de raiva juvenil e famílias em desintegração, pronta para explodir.”
O ex-membro de gangue Peter Amule não se comoveu com a resposta da polícia de prisões em massa, observando que mais da metade dos suspeitos foram libertos sem acusação.
“Não se pode parar essa coisa de gangues pela força,” Amule disse ao The Guardian. “É preciso usar o amor.”
Amule, de 35 anos, trabalha com a Grassroots Empowerment and Development Organization (GREDO), uma organização não-governamental apoiada pelo UNICEF, usando a sua casa como um ponto de encontro informal.
Uma dezena de rapazes entre 15 e 20 anos partilha histórias semelhantes de como, sem emprego e dinheiro, abandonaram a escola e se juntaram a gangues para começar a roubar. Uma vez dentro, era extremamente difícil sair, pois temiam pela sua segurança.
Após 14 anos numa gangue, Amule encontrou uma saída em 2016.
“Para sair de uma gangue, há condições,” referiu. “No meu caso, tive que comprar uma motocicleta [para os líderes] para que eles me libertassem.”
Akuei, de 24 anos, juntou-se a um gangue quando tinha 13 anos e encontrou um papel como lutador. “Era como uma guerra, mas não sabíamos realmente por que estávamos a lutar contra os outros grupos,” explicou.
Cinco anos depois, ele saiu pagando aos líderes do seu gangue e começou a trabalhar para ajudar outras pessoas na mesma situação. Akuei abriu a Young Dream Football Academy, onde ele e outros ex-membros de gangues que recrutou treinam 900 meninos.
Ele acredita que o apoio escolar e a promoção de um sentimento de pertencimento são as melhores formas de combater a atracção pelas drogas e pela violência.
“Precisamos envolvê-los para que fiquem ocupados e se concentrem na educação,” friosou. “Estas crianças só querem sentir-se amadas e sentir que pertencem a algum lugar. O futebol pode proporcionar-lhes isso.”
Tal como Amule e Akuei, o assistente social da GREDO, Peter Sakaya, acredita que a história do Sudão do Sul cria uma atmosfera de violência generalizada, uma vez que décadas de guerra afectaram as famílias.
“A maioria destas crianças vem de famílias traumatizadas,” Sakaya disse ao The Guardian. “Os seus pais são soldados e estão mortos ou ausentes porque foram destacados para longe. Algumas já fugiram e vivem nas ruas. Outras sofrem muitos abusos em casa, por isso vêm para cá para encontrar pessoas com quem possam conversar.”
Kussala concordou com a avaliação de Sakaya, acrescentando que a paz no Sudão do Sul sempre foi frágil. Os combates entre grupos étnicos, comunitários e políticos rivais eclodem com frequência.
“Criámos crianças traumatizadas, sem paz, sem pão, sem pais e sem rumo,” escreveu. “Normalizámos a violência e agora as nossas crianças herdam-na como cultura.”
Para começar a resolver a crise, ele apelou à reforma da polícia e do sistema judicial, juntamente com a criação de zonas seguras em todo o país e centros educativos onde os líderes religiosos pudeem interagir com os jovens e as suas famílias.
Sakaya disse que recrutar ex-membros de gangues, ex-crianças de rua e sobreviventes de violência sexual para trabalhar com os jovens é uma das chaves da abordagem da GREDO.
“A parte mais importante é a conexão emocional que eles estabelecem com os jovens, o que permite que a mudança aconteça,” disse.